É enigmático o pensamento do matemático e filósofo francês Blaise Pascal quando afirmou, em 1669: “Se o nariz de Cleópatra tivesse sido menor, toda a face da Terra teria sido outra”. É difícil especular como um detalhe físico poderia ter efeito no curso da História da Humanidade. Não há nenhuma explicação adicional sobre essa assertiva. Ficamos, então, submetidos às circunstâncias causadas pelo “se”, apresentando sempre uma condição que precisa ser satisfeita para que algo aconteça. Portanto, chegamos à compreensão de que o “se” pode ser aproveitado para especular sobre cenários hipotéticos e seus impactos na história.
No exercício das conjecturas, podemos compreender que Pascal queria dizer que a beleza da rainha, simbolizada pela projeção nasal, representou o poder de sedução e manipulação que exerceu sobre dois poderosos homens de Roma: Júlio César e Marco Antônio. Ambos, enfeitiçados por ela, promoveram guerras civis que modificaram o curso da história romana.
Os historiadores estabelecem relações causais para explicar os processos históricos. Podemos concluir que nada acontece por acaso: tudo tem uma motivação. Suas narrativas sempre abordam a relação de “causa” e “efeito”. Os acontecimentos que culminaram na barbárie de 8 de janeiro de 2023 foram provocados por conexões causais concretas. Se estivesse entre nós, Pascal talvez dissesse: “Se não fossem proclamados, à exaustão, os discursos de ódio, a nossa história recente teria sido outra”. Desapareceriam, assim, as probabilidades daquela ocorrência. Tal como no “nariz de Cleópatra”, os protagonistas daquele episódio que ameaçou matar a nossa democracia, também estavam “enfeitiçados” e “manipulados” por ideias e pensamentos que contrariavam a lógica da ordem social e os princípios fundamentais da democracia. Há sempre um significado por trás de cada ato.
Tanto na alusão ao “nariz de Cleópatra” quanto na retórica da violência que estimulou os atos antidemocráticos, percebe-se a influência da paixão e do fascínio pelo poder. Afinal de contas, “o desejo de poder é a mais violenta paixão humana”. Cleópatra soube explorar bem essa força. Os invasores da Praça dos Três Poderes, em Brasília, felizmente, não conseguiram concretizar as mesmas intenções. Porém, esse é um exercício frequentemente utilizado pelos historiadores, procurando responder à pergunta íntima de como determinados acontecimentos teriam ocorrido, se as motivações tivessem sido outras. Aristóteles considerava as paixões como forças impulsionadoras à ação humana, direcionando-a ao que considera bom ou ruim. As emoções influenciam o comportamento das pessoas, produzindo nelas sentimentos intensos.
Está provado que a ambição pelo poder produz movimentos de confronto bélico e dá origem a uma patologia mental que impacta as relações sociais e políticas. Nas duas situações mencionadas neste texto, a prevalência da vontade absoluta transforma os protagonistas da história em escravos da paixão pela autocracia, seduzidos por interesses que, naturalmente, não seriam os seus. Tornam-se, assim, lutadores de uma causa alheia.