O Brasil enfrenta a sua primeira grande crise do Século XXI. Os efeitos perversos são notórios: recessão, desemprego e taxas de juros e inflação galopantes. A desesperança cresce com a falta de lideres para construir vias de solução. As instituições básicas, em desarmonia, pioram a situação. A quem interessa esse voo cego para o caos?
As crises brasileiras são, no fundo, buscas dos novos arranjos sociais e políticos exigidos pelo nosso desenvolvimento capitalista. Em 1964 houve dificuldades extremas que as forças democráticas foram incapazes de resolver. O golpe militar impôs um regime ditatorial que fez a reestruturação do país requerida pelo sistema econômico.
A solução das crises implica na definição dos segmentos sociais que vão pagar a conta. Os trabalhadores são os mais sacrificados, principalmente os menos qualificados e os aposentados, assim como os que dependem dos serviços e assistência públicos. As ações corretivas tendem a beneficiar os mais ricos.
A nossa história colonial e escravagista legou-nos uma sociedade profundamente desigual, injusta, não inclusiva, e lideranças políticas muito conservadoras. Esse padrão lógico-histórico, que nasceu no Brasil de economia primário-exportadora, se mantém, desde os anos 1930, no processo de industrialização e modernização econômica.
Com tais elites no comando, o nosso sistema político e suas instituições são herdeiros do antidesenvolvimento. O conservadorismo tem aí status de ciência. As causas das crises seriam os excessivos gastos, benefícios públicos e leis pró-trabalhadores. Com essa visão, a cada crise solucionada, o Brasil aumenta a concentração da riqueza e da renda.
Esse modelo vincula o crescimento econômico e a acumulação de capital a níveis crescentes de concentração e desigualdade socioeconômica. Ocorre que, nesse aspecto, já somos campeões do mundo. Não por acaso, o acirramento das contradições típicas do capitalismo avançado é muito forte no Brasil. Isso gera instabilidade permanente.
O Estado brasileiro é hábil na acomodação dessa deformação estrutural. As legislações e políticas tributárias, trabalhistas, salariais e de juros e câmbio são meios sutis de grandes benefícios aos mais ricos. Até a gora, só aprendemos a distribuir melhor a renda intraclasse trabalhadora. A distribuição da renda global entre os trabalhadores e proprietários do capital é gigantescamente concentrada em favor destes.
O crescimento da economia do Brasil é dialeticamente geradora de crise social e política. Essa situação latente é camuflada ou adiada, em função dos níveis de produção e emprego. A ditadura suportou essa pressão quando o PIB cresceu 8,4% ao ano, de 1967 a 2000. Na nova democracia, nos quadriênios 1999-2002 e 2011-2014, de incremento médio anual do PIB de 2%, as tensões sociopolíticas saíram do controle.
A partir de 1995, o fim da superinflação, os altos níveis de emprego, a universalização do ensino fundamental e a expansão do ensino superior melhoram a inclusão social. Criaram, também, uma consciência popular na defesa desses avanços e de mais conquistas. Concretamente, à luz do nosso modelo, para atender no mínimo a essas aspirações, a economia do país tem que crescer mais de 3% ao ano.
As ações anticrise em andamento projetam dois anos de recessão e mais concentração da riqueza e da renda. Enfim, retrocessos, na perspectiva de que, nos anos 2017-18, o crescimento econômico permita o início da recuperação gradual das perdas sociais. A economia seria, sim, como disse Thomas Carlyle, uma ciência lúgubre, se essa fosse a única solução para nossa crise.