Em 1970, ano em que o Brasil conquistou o tricampeonato mundial de futebol, a dupla Milton Nascimento e Fernando Brant, compôs “Aqui é o país do futebol”, para trilha sonora de um filme que contava a história de Tostão, um dos grandes jogadores de nossa seleção. A letra pode ser encarada como uma exaltação aos efeitos alienantes que essa paixão brasileira pode causar no povo. Como se o futebol servisse para afastar a consciência crítica e política dos brasileiros diante dos inúmeros problemas que vivenciamos. Ouso discordar! Em minha opinião, a música procura expressar, durante os noventa minutos de uma partida de futebol, a emoção e os momentos de prazer e de alegria que o brasileiro sente, não obstante as dificuldades vividas. Será que teremos de viver eternamente sofrendo as nossas dores, sem direito a alegrias? O carnaval e o futebol permitem ao brasileiro minimizar seus problemas, nem que seja por alguns instantes. Querem politizar nosso gosto apaixonado pelo futebol. Querem fazer desaparecer a beleza cívica de união nacional em torno de nossa seleção de futebol por ocasião das disputas de um campeonato mundial. São circunstanciais ocasiões de euforia e de glória, o que não impede de continuarmos brigando por nossos direitos e combatendo a cultura corrupta que viceja nas nossas práticas políticas. Uma coisa não tem nada a ver com outra.
“Brasil está vazio na tarde de domingo, né?/Olha o sambão, aqui é o país do futebol”. As tardes de domingo transformam-se, semanalmente, no espaço de tempo em que o brasileiro manifesta seu espírito festeiro, na alegria do futebol e do samba. Aproveita o seu direito de viver a satisfação de extravasar suas paixões. Afinal de contas este é o país do futebol.
“No fundo desse país/Ao longo das avenidas/Nos campos de terra e grama/Brasil só é futebol”. Nos rincões mais longínquos de nossa pátria o futebol está presente na alma do brasileiro. Crianças e jovens praticam esse esporte nas ruas, nos gramados e nos campos de terra batida. Não aceito a colocação de que o “Brasil é só futebol”, claro que não, mas é um país em que o povo coloca o futebol como preferência nacional no seu lazer.
“Nesses noventa minutos de emoção e alegria/Esqueço a casa e o trabalho/A vida fica lá fora/Dinheiro fica lá fora/A cama fica lá fora/A vida fica lá fora/E tudo fica lá fora”. Percebam que os compositores referem-se aos noventa minutos. Nesse período sim, há uma concentração na partida de futebol, no acompanhamento dos lances que trazem emoção e alegria, esquecendo-se dos seus afazeres domésticos ou profissionais, suas preocupações de ordem pessoal. Nessa hora o interesse é exclusivamente pelo resultado do jogo. Isso não exime o brasileiro da responsabilidade de protestar, quando preciso, reivindicar melhores condições de vida, denunciar os corruptos, sair à luta de forma organizada, ordeira e democrática por conquistas cidadãs. O futebol não pode e nem deve ser palanque de promoção de governantes, nem de bandeiras político-partidárias. Porque o futebol é patrimônio nacional. E corre nas veias de cada um de nós brasileiros, o amor pelas cores verde e amarela da nossa seleção ou do time de nossa predileção. Se alguns não querem a copa, façam seus protestos mas pelo menos respeitem a vontade da grande maioria que quer participar e vibrar com o time do Brasil no certame.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.