O sofrimento do sertanejo nordestino, na época da estiagem, tem sido tema de muitos dos que fazem a música brasileira. Flávio José interpreta, com a voz do canto paraibano, a música “Gente sofrida”, composta por Antônio de Barros e Dezinho Queiroga, em 1996. É o lamento do homem diante das dificuldades que enfrenta com a seca, mas que se mostra valente na luta pela sobrevivência com o pouco que lhe resta.
“É a sede, é a fome/É um sertanejo sem nome/Que há muito tempo não come/Mas de fraqueza não morre”. Euclides da Cunha no seu célebre livro “Os sertões”, cunhou uma frase que se tornou a expressão mais verdadeira da vontade de viver do homem nordestino: “O sertanejo é antes de tudo um forte”. Ele demonstra isso ao ser vitimado pela seca. Mesmo sem o suficiente para matar a fome e a sede, ele se mantém de pé buscando a forma salvadora de continuar vivendo.
“Ele é que nem aveloz/Que sobrevive sem voz/Mostrando sempre pra nós/Que um valente não corre”. O aveloz é uma planta que resiste à falta d’água, por isso a comparação. O sertanejo conserva-se vivo ainda que padecendo de fome e sede, num exemplo de perseverança e valentia. Só foge da luta quando não lhe sobra mais nenhuma oportunidade de subsistência no seu torrão natal.
“O xique-xique e o inhambu/Assim também como tu/Reclama desse verão”. Os autores da música se referem a vegetais nativos do solo nordestino que, embora resistentes, sentem também com a falta d’água. Ambos são castigados pela ausência demorada de chuvas na região.
“Enquanto a chuva não vem/Se vive do nada que tem/olhando pro céu e pro chão”. Diariamente fica com os olhos voltados para o céu, na esperança de que apareçam nuvens que se transformem em chuva. E com tristeza acompanha na terra a criação animal e as plantações morrendo, na espera da ajuda dos governos para minimizar o seu sofrimento.
“É um Deus nos acuda/Porque o tempo não muda/É precisando de ajuda/Pra consertar sua vida”. A aflição aumenta com o passar do tempo sem qualquer perspectiva de mudança no clima. Aí tem que se submeter às esmolas oficiais para continuar vivendo. Triste sina.
“Os rios não correm mais/O sol queimou a sua paz/Me diga o que é que se faz/Com tanta gente sofrida”. O cenário não permite mais ver os rios correndo por sua superfície. O sol não queima só a sua tez, queima de igual modo a sua paz, deixa-o intranquilo, desesperado. Afinal o que fazer com tanta gente sofrendo? O flagelo da seca, ao tempo em que castiga o povo da região do interior nordestino, torna-se um motivo para os corruptos ficarem mais ricos, desviando recursos que oficialmente seriam destinados a mitigar as dores provocadas pela falta de chuva. É o que se apelidou de “indústria da seca”.
“A cacimba de beber/Qual boca aberta a dizer/O que será do sertão?”. Ao olhar para as cacimbas, que seriam os reservatórios de água, para suprir as necessidades de sobrevivência, estão secas. Aí fica a pergunta que tortura os viventes da região nordestina: o que será do sertão?
“Enquanto a chuva não vem/Se vive do nada que tem/Olhando por céu e pro chão”. Resignado o sertanejo vai tentando se salvar da maneira como pode, sem deixar de olhar para o céu implorando pela chuva que teimosamente não vem, e para o chão alimentando a fé de que os animais e a lavoura possam ter um mínimo de preservação.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”