Quando Cazuza construiu a letra e Frejat a melodia dessa canção em 1988, o Brasil vivia o período pós-ditadura, onde começavam a surgir as primeiras frustrações políticas na fase da redemocratização. Foi também a época em que ele tomou conhecimento de que estava contaminado pelo virus do HIV. Portanto, Cazuza dá um grito de lamento pelas duas coisas: a desilusão com os sonhos políticos, de que poderíamos construir um Brasil melhor, e a certeza de que estava condenado à morte pela doença que o acometera.
“Meu partido/ É um coração partido/E as ilusões estão todas perdidas”. O compositor registra a sua decepção com os partidos políticos em nosso país, que são muito mais um aglomerado de pessoas com objetivos e conveniências pessoais e sem nenhuma doutrina ou carta ideológica. Esse desapontamento entristecia seu coração, sentia ele “partido”, dilacerado. E os sonhos, tantas vezes entusiasticamente construídos, se desfaziam e se perdiam no curso dos acontecimentos a que lamentavelmente estava a assistir.
“Os meus sonhos foram todos vendidos/Tão barato que eu nem acredito/Ah! Eu nem acredito…”. Os ideais de um novo tempo, com uma sociedade mais justa e igualitária, em que acreditou, foram desvalorizados, desconsiderados, encarados como insignificantes. E ele ficava incrédulo diante dessa realidade assustadora e decepcionante.
“Que aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo/Frequenta agora as festas do “Grand Monde”. Os arroubos da juventude, a crença adolescente de que poderia contribuir para “mudar o mundo”, caíram por terra. Sentia-se, de alguma forma, traído na sua consciência política. Desalentado, decide se acomodar, “joga a toalha”, e se incorpora ao cotidiano burguês dos jovens passando a frequentar noitadas na famosa boate “Grand Monde” em São Paulo.
“Meus heróis morreram de overdose/Meus inimigos estão no poder”. Ele se refere aos seus heróis do mundo artístico, que sucumbiram pelo consumo desenfreado de bebida e drogas. Mas também podemos compreender essa declaração como uma desilusão com os políticos em quem acreditou, que “morreram” na sua confiança, porque se contaminaram com “overdose” de ambição e ganância pelo poder. Lastima que os seus inimigos estejam no exercício de mandatos eletivos.
“Ideologia/Eu quero uma pra viver./Ideologia/Eu quero uma pra viver”. Fica então a procura de uma ideologia, de um posicionamento, de uma orientação para buscar novos caminhos.
“O meu prazer, agora é risco de vida/Meu sex and drugs, não tem nenhum rock ‘n’ roll”. Confessa que sua vida sexual promíscua agora é cada vez mais uma sentença de morte. O lema “sexo e droga” já não lhe dá entusiasmo para compor suas canções de rock.
“Eu vou pagar a conta do analista/Pra nunca mais saber quem eu sou/Ah, saber quem eu sou”. Resolve abandonar todas as terapias. Não quer mais saber como sair dessa crise existencial. Não se incomoda mais em procurar identificar causas e efeitos disso tudo.
“Pois aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo /Agora assiste tudo em cima do muro, em cima do muro”. Volta a dizer que aquele jovem que se dispunha a lutar por mudanças sociais e políticas, se sente impotente e pessimista com o quadro que constata. Fica sem tomar posição, “em cima do muro”.
Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.