O poema “Belo Belo” de Manoel Bandeira inspirou Zeca Baleiro na construção da letra da música “Bandeira”, escrita em 1994. O próprio título da canção é uma homenagem ao poeta pernambucano. A voz que fala pela canção trata das frustrações da vida, desilusões, insatisfações, sonhos inalcançáveis.
“Eu não quero ver você cuspindo ódio/Eu não quero ver você fumando ópio pra sarar a dor/Eu não quero ver você chorar veneno/Não quero beber o teu café pequeno”. Quando o “eu lírico” fala “você”, creio que esteja se dirigindo a todos nós humanos, à sociedade. Condena o sentimento de raiva, ira, que se internaliza em muitas pessoas. Desaprova a iniciativa de se valer de anestésicos, entorpecentes, para minimizar os sofrimentos. Julga errado alguém se derramar em prantos pelo desejo de se vingar de algo ou de alguém. Também não deseja se envolver em questiúnculas que não levam a nada, inconsequente “café pequeno”.
“Eu não quero isso seja lá o que isso for/Eu não quero aquele/Eu não quero aquilo/Peixe na boca do crocodilo/Braço da Vênus de Milo acenando tchau”. Decide rejeitar tudo o que venha como regra social. Pretende não mais se inserir na sociedade moderna de consumo. Porque o mundo é cheio de fantasias, projetos inalcançáveis na vida real. Utiliza a estátua de Vênus, que não possui braço, para simbolizar o impossível, sem braço ela não poderia dar tchau.
“Não quero medir a altura do tombo/Nem passar agosto esperando setembro, se bem me lembro/O melhor futuro este hoje escuro/O maior desejo da boca é o beijo”. A sua concepção de vida define que não vale a pena ficar se preocupando em avaliar riscos do que possa fazer. Como também não considerar a necessidade da prudência exagerada em relação ao que possa acontecer no amanhã. Não viver a ansiedade da espera, porque o futuro pode ser tão escuro quanto é no presente. Entende que a boca não foi feita apenas para receber alimentos que satisfazem o corpo, mas para aceitar beijos que, dando prazeres, saciam a alma.
“Eu não quero ter o Tejo escorrendo nas mãos/Quero a Guanabara, quero o rio Nilo/Quero tudo, ter estrela, flor, estilo/Tua língua em meu mamilo, água e sal”. Usa metaforicamente o Tejo para dizer que não quer ver a sua vida escorrendo entre os dedos das mãos. Quer outros rios ou mares, a baía da Guanabara ou o rio Nilo, como se dissesse que preferia mudar as opções de vida. Insatisfeito com o que tem, manifesta sua vontade de possuir muito mais, quer tudo, até aquilo que aparenta impossível, as estrelas, a beleza da flor, ser uma pessoa que tenha um estilo de comportamento que agrade primeiramente a si próprio. Quer gozar dos prazeres da libido, mesmo que eles tragam em alguns momentos um gosto salgado.
“Nada tenho vez em quando tudo/Tudo quero mais ou menos quanto/Vida vida, noves fora, zero/Quero viver, quero ouvir, quero ver/(se é assim quero sim, acho que vim para te ver)”. Conclui que não tem nada do que deseja, seja por limitações físicas ou sociais. Na conta matemática, noves fora zero, o resultado a que chega é que a sua vida não apresenta ganhos positivos. Portanto, quer ter direito a usufruir tudo o que a sua condição humana permita, ter sempre o entusiasmo de viver, ouvir tudo o que possa lhe fazer uma pessoa feliz, e ver tudo o que a sua capacidade de visão lhe encante. Se esse for também o entendimento da pessoa que está idealizando conquistar, terá enfim a convicção de que veio para vê-la.
• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSIC