Outubro/1968: Os bispos vermelhos

 

 

 

A Igreja Católica exerceu papel preponderante na concretização do golpe de 1964. Estimulada pelo discurso de que o país vivia sob a ameaça da implantação de um regime comunista, a Igreja apoiou os militares na instalação do novo governo. Entretanto, com o passar dos anos, percebeu o equívoco que havia cometido e começou a tentar se redimir, adotando uma postura crítica à ditadura. Ganhava cada vez mais força o grupo progressista de clérigos e bispos que decidiu combater os atos de violência aos direitos humanos, na prática da tortura para extrair informações dos que se posicionavam contra o sistema.

Abandonava a sua postura secular como instituição elitista e conservadora, para aproximar-se das classes populares, em defesa da justiça social.

No Nordeste três bispos se destacaram como líderes religiosos que denunciavam as torturas e a violência repressiva que o governo militar estava impondo ao país. Por isso passaram a ser chamados de “bispos vermelhos”. Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Maria Pires, arcebispo da Paraíba, e Dom Fragoso, paraibano de Teixeira, bispo diocesano de Crateús no Ceará, eram apontados como expoentes da esquerda católica em nossa região.

Enfrentaram a ditadura com coragem. Pregaram a reação ao regime. Incentivaram a juventude a se rebelar contra a repressão. Apoiaram sindicatos e cooperativas no apoio aos trabalhadores, em especial aos camponeses desassistidos. Defendiam a conscientização política do povo, como forma de se fortalecer diante do regime totalitário implantado.

Embora recebessem frequentemente recados ameaçadores, não se acovardaram em nenhum instante. Desafiavam os poderosos.

Na mesma noite em que Vandré se consagrava no Maracanâzinho, defendendo a música que se tornaria hino da resistência à ditadura, Dom José Maria Pires, em palestra proferida na Faculdade de Direito da UFPB, fora advertido por um dos estudantes de que ali se faziam presentes agentes do DOPS, o que levou o arcebispo a afirmar que a presença do policial não deveria constranger, pois ele iria ouvir análise e verdades sobre os problemas brasileiros.

Dias depois, início de outubro, estava na sede do Sindicato dos Vendedores Ambulantes, quando fez uma de suas mais corajosas conferências naquele ano. Começou afirmando: “ O atual governo não é cristão, pois nesse sistema de privilégios de um pequeno grupo, em detrimento de uma maioria passando fome e analfabeta, não podemos ver nisso uma maneira cristã de governar.

É indispensável que ataquemos os erros políticos e econômicos, não atacando pessoas. Não somos contra ninguém, somos contra situações. Precisamos ter sindicatos fortes, abrigando o maior numero de pessoas, devendo ser conscientizados seus associados.
Então essa turma tomando consciência, fará revolução sem derramar uma gota de sangue dos outros e sem perder uma gota do próprio sangue. O ideal para nós é que caminhemos com inteligência, pois não é com fuzil nas mãos que mostramos que temos razão. Mostramos que somos mais fortes, atiramos melhor, mas não significa que sejamos mais homens.

Cabe aos próprios sindicatos entrarem na luta em conjunto, cabendo a nós, bispos e padres, dar cobertura à luta que vocês fazem. O que não podemos, nem devemos, é entrar nessa luta, já que não somos dessa ou daquela classe. Somos de todo o povo de Deus e temos a obrigação de dar nosso apoio às causas justas que vocês estão procurando defender.

Estamos próximos das eleições do dia quinze de novembro. Então cada companheiro, cada trabalhador, deve raciocinar que o voto não se vende, nem se dá por amizade. A partir daí, até mesmo podemos, com consciência tranqüila, receber dinheiro daquele que quer comprar nosso voto. Podemos receber o dinheiro, mas como um motivo para não votar no candidato que nos ofereceu.

Nós iríamos moralizar essa política desonesta, no momento em que fizéssemos isso. Não há dinheiro no mundo que possa comprar nossa liberdade, nossa contribuição do amor que queremos dar para melhorar a situação de nossos irmãos.

Só acredito em mudança quando houver conscientização, pois não acredito numa mudança que não seja pacifica. Pacífica não significa ser pacifista. Não posso ser pacífico exigindo justiça por meios violentos. Primeiro porque não é da mentalidade do Evangelho, segundo porque a violência para nós agora seria um suicídio.

Não há condições para uma ação violenta e se houver, mesmo assim, só no último caso, porque a violência como método não é um método evangélico”.

Discursos como esse faziam com que a “direita católica” e os militares do governo chamassem Dom Hélder, Dom José Maria e Dom Fragoso, de “bispos vermelhos”.

• esse texto faz parte da série COMO A PARAIBA VIVEU O ANO DE 1968
• comentários e informações adicionais devem ser enviados para o email: iurleitao@hotmail.com

 

 

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