Os vanguardistas do tropicalismo suscitaram em 1968 um polêmico debate envolvendo intelectuais e a militância política estudantil. O movimento produziu diversas manifestações, favoráveis e contrárias, num conflito em que, de um lado se postava a esquerda intelectualizada, e do outro artistas que se propunham promover uma revolução na nossa identidade cultural.
A mais forte reação ao manifesto dos tropicalistas paraibanos partiu do escritor Virginius da Gama e Melo, respeitado crítico literário de nossa terra. Em declarações à imprensa, manifestou-se, de forma contundente e usando de uma linguagem um tanto agressiva, contra o movimento tropicalista lançado no dia nove de maio na Faculdade de Filosofia.
“O movimento tropicalista simplesmente não existe. Parece mais uma vigarice bem fantasiada. É, quando muito, um divertimento de jovens que buscam coisas “calientes”.
O manifesto local dos tropicalistas tem um lado pitoresco. Vale pela parte cômica, aliás como tudo que vem do falso tropicalismo. Como todo mundo sabe, o verdadeiro Tropicalismo é o de Gilberto Freire. É verdade que o outro, além de inúmeros valores, conta com o eminente Manoel José de Lima, simpaticamente conhecido como Caixa Dágua. Dizem que é o teórico do movimento”.
Imediatamente veio a reação. O compositor Marcos Vinicius rebateu a crítica de Virginius da Gama e Melo:
“Não acho muito engraçado se tomar uma posição contra qualquer coisa que não existe. Se o tropicalismo não existisse, como seriam justificadas as atitudes prós e contra ele? Outra coisa muito comum é confundir tropicalismo com a “ilusiotropicologia” do professor Gilberto Freire. O nosso movimento não tem nenhuma vinculação com o professor pernambucano e seríamos muito contraditórios se o aplicássemos, pois estaríamos negando nosso próprio manifesto que luta contra a cultura oficial, contra a velharia,contra a cultura gagá.
O tropicalismo não é vigarice, nem está fantasiado. Existe uma mentalidade mal informada, no entanto, que tenta confundir tropicalismo com uma onda publicitária bem montada”.
O cineasta pernambucano Jomard Muniz de Brito, muito identificado com a cultura paraibana, veio também em defesa do tropicalismo:
“Lamento a contradição fundamental de Virginius da Gama e Melo, a quem considero uma figura tropicalista por excelência, embora sua formação intelectual se caracterize pelo anti-tropicalismo.
O tropicalismo existe suficientemente para desencadear um movimento contra a estagnação da cultura brasileira, proporcionada pelos “críticos de suplementos”.
O movimento tropicalista é sério, de gente que procura uma nova forma de arte, livre das limitações capitalistas e pequeno-burguesas”.
As manifestações de desaprovação ao movimento tropicalista não ficaram restritas aos pronunciamentos de personalidades públicas ligadas ao mundo intelectual e artístico, mas também nas vaias e apupos em eventos promovidos para sua divulgação.
No Liceu paraibano, numa realização do Grupo Trapiche, onde se faziam presentes Carlos Aranha, Marcos Vinicius de Andrade e Jomard Muniz de Brito, debatedores do tema “tropicalismo”, ocorreu incidente dos mais lamentáveis. Em meio a discussões acaloradas e gritos de protestos, foram arremessados ovos podres nos artistas tropicalistas, numa atitude de reprovação ao movimento que eles identificavam como alienado e contrário à genuína música popular brasileira.
No final de setembro, quando da realização do III Festival Internacional da Canção, no Teatro Tuca, em São Paulo, aconteceu a maior reação pública contra o movimento tropicalista. A apresentação de Caetano Veloso no palco foi recebida com ovos e tomates arremessados por uma platéia agitada. Ao iniciar a música que defenderia naquele certame, “É proibido proibir”, foi interrompido por uma sonora vaia.
Resolveu encarar os manifestantes e produzir aquele que seria o mais importante discurso de sua vida:
“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?
Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada.
Vocês jamais conterão ninguém! Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram ao Roda Viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles.
O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira!
Gilberto Gil está comigo pra nós acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez! Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas, e vocês?
Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!
O público que lotava o teatro era, na sua grande maioria, composto de estudantes universitários, uma juventude que fazia dos festivais o cenário adequado para seus protestos políticos. As músicas dos tropicalistas não se enquadravam no perfil que desejavam, não se colocavam como instrumentos ideológicos de uma militância política motivada pela revolta contra a ditadura. A revolução que pregavam era outra: uma revolução de costumes, de comportamento, de conceitos, de novas manifestações artísticas, rompendo com os padrões conservadores e tradicionais. Aquela platéia não entendeu isso, e levou esse “carão” histórico de Caetano Veloso.
• esse texto faz parte da série COMO A PARAIBA VIVEU O ANO DE 1968
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