Paraíba

OPINIÃO: A reforma administrativa e o futuro da democracia no Brasil, por Paulo Amilton


26/12/2019

O chefe do Departamento de Economia da UFPB, Paulo Amilton

Por Paulo Amilton Maia Leite Filho



 

No mês de novembro do corrente ano o governo do Senhor Jair Bolsonaro anunciou que iria enviar ao congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com o objetivo de implantar um novo modelo de administração pública. Ou seja, realizar uma reforma administrativa.

No entanto, com a libertação de nosso Macunaíma por conta do novo entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre a prisão em segunda instância, o atual governo decidiu adiar o envio e discursão daquela reforma temendo algum tipo de balburdia nas ruas, como está acontecendo em alguns países da América do Sul, notadamente o Chile. Nosso Macunaíma saiu do cárcere com sangue nos olhos e advogou que o povo brasileiro deveria ir para as ruas protestar, sugestão endossada plenamente pela presidente de sua agremiação partidária.

Temendo a bagunça, foi adiada uma reforma extremamente essencial para a manutenção da democracia no Brasil. Passo a seguir a tecer explicações dos motivos de ter esta opinião. Primeiro defenderei a necessidade de mudar o modelo atual de gestão de pessoas do setor público brasileiro. Posteriormente, faço a ligação disto com a manutenção da democracia em nosso país.

No artigo “Diferencial de salários entre os setores públicos e privados no Brasil: um modelo de escolha endógena” os autores Ana Luiza Neves de Holanda Barbosa (IPEA) e Fernando de Holanda Barbosa Filho (IBRE/FVG-RJ) estudaram os diferenciais de salários entre trabalhadores do setor público daqueles do setor privado usando microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAB) de 2009. Esta pesquisa é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Os resultados do trabalho demostram que os salários do setor público são mais altos do que aqueles do setor privado no Brasil. Em particular, o diferencial público-privado entre mulheres é mais alto do que entre homens.

Em “Diferencial salarial entre setores públicos e privados no Brasil de 2001 a 2015” os autores Thiago Rosa (UnB) e Larissa Nocko (CPDF) usaram também a PNAD, mas no período de 2001 a 2015, e mostraram que o diferencial de salários entre o setor público em relação ao setor privado estava em 2001 entre 13% e 15% e em 2015 entre 2% e 9%. No entanto, se olharmos as diferentes esferas do setor público no Brasil, se observa que a esfera federal tem o maior diferencial, que foi em média 66% maior em relação ao setor privado. A esfera com menor diferencial é a municipal, que chega a ser negativa em 4%, ou seja, os funcionários públicos municipais ganham menos do que os funcionários do setor privado.

Uma possível explicação para aqueles diferenciais é que os trabalhadores do setor público têm uma produtividade maior do que seus congêneres do setor privado, dado que o salário, como preconiza a teoria econômica, tem relação com a produtividade do trabalhador.

Para verificar se isto é verdade, o autor Paulo Aguiar do Monte (UFPB) em “Public versus private sector: Do workers behave differently” estudou, usando dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de 2003 a 2012, se o esforço despendido pelos trabalhadores difere significativamente entre o setor público e privado no Brasil. Sua conclusão foi que os trabalhadores do setor público têm um nível de esforço menor e estão mais propensos a faltas do que seus congêneres do setor privado.

Juntando os resultados dos três trabalhos, podemos concluir que os funcionários públicos federais, ganham mais, se esforçam menos e faltam mais do que os trabalhadores do setor privado. Só isto já justificaria uma reforma administrativa no âmbito federal. Porém, sustento que ela é mais importante ainda para a saúde da democracia brasileira.

Em entrevista ao Jornal “Estado de São Paulo” no domingo último o professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris afirma que as sociedades estão saturadas de tanta informação e isto ajuda os políticos populistas e autoritários. Para o professor, “há informações demais, complexas demais para que possamos assimilá-las, entendê-las e aceitá-las. Evidentemente, por parte da sociedade, em especial as elites intelectuais e os homens de negócios, é possível viver com isto. Mas para grande parte da sociedade, é uma fonte de angústia e sofrimento. Uma parte do aumento do populismo no mundo democrático tem muito a ver com essa saturação cognitiva e essa demanda por simplificação, para reduzir o sofrimento psíquico de uma parte da população.”

Para o professor, políticos que usam uma linguagem mais direta para explicar o que deseja fazer estão levando vantagens. Esses quase sempre não são nada amigos dos valores democráticos. Esses políticos sempre dizem que as sociedades em que eles estão inseridos estão em crises, principalmente crises culturais e de valores morais. Isto se deve, segundo o professor, “por está acontecendo a perda de confiança na capacidade do Estado democrático de produzir serviços fundamentais, tais como serviços judiciais, segurança, educação e saúde.  Essa perda vai levar uma parte dos cidadãos a arriscar a experiência de uma saída da democracia….”. “…. a força de governo autoritário é justamente poder se manter se os cidadãos não o apoiam. No caso chinês, não há apenas força e repressão, há uma eficácia prática de enriquecer os chineses, melhorar o nível de vida, de educação. Então, temos um antimodelo que pode trazer uma parte dos cidadãos das democracias a perder solidariedade com a ideia democrática….”.

Assim, toda a questão é restaurar, se um dia teve, a eficiência do setor público. A reforma administrativa pode levar ao aumento da eficiência na prestação dos serviços de educação, saúde, serviços judiciais e segurança. Nossa democracia não pode ficar refém dos interesses dos grandes grupos de pressão política do setor público, notadamente do judiciário, a elite da elite do serviço público, que abomina a ideia de ser pressionada para trabalhar mais e melhor.   A democracia brasileira corre riscos.

*O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Rejane Gomes Carvalho é professor na Universidade Federal da Bahia.



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //