O Marco Civil, considerado uma espécie de “Constituição” da internet, está sendo debatido há anos no Congresso e atualmente tramita em regime de urgência. Sua votação pode ser realizada na próxima semana, mas ainda não há consenso se o texto está pronto para ser aprovado.
Entre os pontos mais polêmicos do projeto de lei – que ganhou recentemente uma nova versão – está a neutralidade da rede. O deputado e relator do Marco Civil, Alessandro Molon, diz que a isenção da neutralidade seria “preconceito contra pobre” e representaria uma nova forma de exclusão digital. Já o deputado federal e líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha, diz que esse princípio pode encarecer o acesso dos brasileiros à internet.
Abaixo, você confere a opinião de diversos especialistas, de áreas distintas, sobre o Marco Civil da Internet.
Demi Getschko, conselheiro do CGI
Para o conselheiro do Comitê Gestor da Internet, que apoia a neutralidade prevista no projeto do Marco Civil, o serviço de internet tem de ser visto como um condomínio. “Os elevadores de um prédio são neutros [não fazem distinção por classe ou cor]. Os moradores do local pagam a mesma taxa de condomínio, independente do número de vezes que utilizam o serviço”, explicou durante discurso na Câmara dos Deputados.
Getschko ainda ressaltou a importância da definição de regras para criar um ambiente mais seguro na rede. “Se alguém xinga uma pessoa do bar, o dono do estabelecimento não deve ser culpado”, exemplifica. Segundo ele, a insegurança jurídica sobre quem deve ser responsabilizado por ações na internet pode inibir a abertura de novos negócios.
Eduardo Levy – Sinditelebrasil
O presidente da organização que representa operadoras de telefonia ressaltou que a neutralidade, tal como está no projeto do Marco Civil, é única no mundo e que sua aprovação poderá inibir drasticamente a capacidade de investimento do setor ao tratar usuários com necessidades diferentes de forma igual.
“Defendo a neutralidade como ela é vista em todo o mundo. Se estivéssemos discutindo uma legislação semelhante à do Chile, da Colômbia, dos Estados Unidos ou da União Europeia, nós já estaríamos assinando o Marco Civil sem nenhuma restrição”, disse Levy durante discurso na Câmara dos Deputados.
Ele também destacou como a falta de oferta de planos personalizados (com pacotes de acesso específicos, como às redes sociais) pode afetar o que ele chamou de “maior plano de inclusão digital” sem ajuda do governo. “Defendemos a inclusão dos menos favorecidos com ofertas customizadas. Estamos oferecendo hoje a possibilidade de inclusão ao cidadão a menos de R$ 1 por dia.”
Para ele, com o atual projeto, há a possibilidade de se ter uma oferta única, de modo que milhões subsidiem o consumo de poucos.
Eduardo Parajo – Abranet
O presidente do conselho consultivo superior da Abranet (Associação Brasileira de Internet) considera que, “a princípio”, o texto do projeto de lei do Marco Civil está pronto para ser votado.
Segundo ele, a proposta tem sido discutida há bastante tempo e, apesar das recentes modificações feitas pelo relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), permanecem inalterados pontos essenciais como a neutralidade, a privacidade e a inimputabilidade.
Parajo observou, porém, que a entidade ainda analisa em detalhes o novo texto para se certificar de que não há nenhum ponto que possa prejudicar algum desses princípios ou modificar o seu entendimento. “Espero que não tenha nada comprometedor, porque foi um texto bem discutido.” Em discurso no Plenário, ele falou: “O diabo mora nos detalhes e, quanto mais detalhes houver no projeto de lei, mais brechas teremos”.
Alexander Castro – Acel
Segundo o representante da Associação Nacional das Operadoras Celulares, o texto do Marco Civil ainda precisa ser aprimorado, sob risco de inibir investimentos das operadoras e impedir que garantam o funcionamento da rede. “O setor sofrerá uma intervenção em seu modelo de negócios e na gestão de suas redes”, criticou durante discurso em comissão geral sobre o tema.
Castro disse que o conceito de neutralidade exposto no texto do Marco Civil não levou em consideração legislações internacionais já adotadas. Para ele, houve confusão quando se misturou o debate da neutralidade com o da oferta de planos e serviços. O conceito de neutralidade no texto, prosseguiu, permite a interpretação de que os serviços baseados em volume não podem ser mais ofertados.
Se adotado, “milhares de usuários” teriam planos atuais descontinuados e apenas uma alternativa para contratar – internet ilimitada e diferenciada apenas por velocidade. “Eles terão de pagar mais para fazer uso dos benefícios da internet”, disse Castro.
O representante apontou ainda uma contradição no texto, que no artigo 3º estabelece a “preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede”, mas no artigo 9º proíbe que as operadoras analisem e monitorem o conteúdo de pacotes. “Essa atividade é a essência da gestão das redes de telecomunicações, o que possibilita as operadoras garantir sua estabilidade e segurança”, argumentou.