Geral

FEMINISTA SIM: DE EXCELÊNCIAS E ABISMOS


15/03/2010



E Viva as Mulheres!

(Para os meus alunos, neste primeiro dia de aula na UFPB)

 

eu penso conforme o tempo

eu danço conforme o passo

eu passo conforme o espaço

eu amo conforme a fome

eu como conforme a cama

eu sinto conforme o mundo

 

mas no fundo

eu não me conformo

(Martha Medeiros)

 

Outro dia recebi um PPS com o título de A Mulher Moderna, que falava de como era bom os tempos em que nós mulheres só tínhamos que cuidar da casa. Até minha mãe, de vez em quando e com uma ponta de ciúme, me diz que as mulheres de hoje estão todas à beira de um ataque de nervos (como tão bem colocou Almodóvar há décadas no seu filme do mesmo título).

Reconheço os problemas e impasses, assim como tão bem escreveu Mary Del Priori em sua crônica “Se arrependimento matasse”, quando fala que não há o que comemorar no dia 8 de março. Pois já houve tempos áureos quando a palavra feminista arrepiava, pois remetia às mulheres que pensavam, tinham projetos, e desejos. Mary fala que adquirimos duas liberdades: a financeira e a sexual, mas que mesmo assim, perdemos a guerra, pois estamos diante de impasses como solidão, depressão e isolamento, tudo regado a botox, à supervalorização da sexualidade, e que acabamos rebaixadas “dançando o creu”, que eu atualizaria para “dançando a bicicletinha”, música que mais tocou nesse carnaval: “Ela vai de saia, de bicicletinha, uma mão vai no guidon, outra tapando a calçinha….”. Os rapazes literalmente gozam ao cantar letra tão edificante, e as meninas, impotentes e com sorriso amarelo, se contorcem nos seus vestidos rosa, hein Geiza?

Heloisa Buarque de Hollanda, no seu artigo “O bug do feminismo”, há dez anos tecia crítica também de que, caminhos foram abertos para as mulheres no mercado de trabalho, mas uma grave falha de programação se apresentava: as negociações dos direitos da mulher na esfera pública, omitia qualquer menção ou trato sobre essas mesmas forças e poderes na esfera privada.

Assim como Rosa Montero, escritora espanhoa (A louca da Casa, História de Mulheres), também reivindico para mim a palavra feminista porque: “ é charmosa palavra histórica, uma bandeira sob a qual lutaram muitas mulheres e também muitos homens”. Montero também comenta sobre as mulheres que ao longo dos séculos desafiaram as normas para viverem em liberdade, reafirmando a nossa humanidade cabal e completa: “somos capazes, como qualquer pessoa, de todas as excelências e de todos os abismos.”

É verdade! Pessoalmente vivi muitas e ricas excelências e mergulhei sem proteção em alguns desses abismos quando se é uma mulher, e que tanto sonhou com as duas liberdades citadas. Mas, já entregue às discussões e aos anos passados, já não posso ter mais a Síndrome de Madonna (tomando emprestado o título de artigo de Antonia Pellegrino/Revista Vogue Brasil, n.336, ago.2006). Síndrome essa que retrata uma mulher/Madonna linda, fashion, boa mãe, profissional bem sucedida, que tem um marido cineasta (hoje um namorado chamado Jesus!), escreve lindos livros infantis, não deixa os filhos comerem porcarias, dita o hype, subverte as próprias regras, transgride tabus, sabe o marketing certo, só come orgânicos, só trabalha com gente certa, é verbete e está no Guinesss como sucesso de todos os tempos. E como se não bastasse, ainda lê para os filhos na cama, conversa com o marido tomando uma taça de um bom vinho e engata um sexo gostoso, que termina numa reconfortante noite de sono, para acordar cedo no dia seguinte, levar filhos ao colégio e começar tudo outra vez. Sempre com um sorriso no rosto. Ufa! Tudo isso faz com que ela se torne “ um paradigma impossível de ser seguido”. Pellegrino também faz a pergunta crucial: “Dá para ser uma mulher super-poderosa sem perder a mulherzinha em vista?” Resta-nos saber que “mulherzinha” é essa de que queremos ainda nos nossos “colares de conta” (para fazer uma referência a um termo utilizado pela crítica feminista Linda Nicholson, quando faz na sua análise aditiva de identidade, uma analogia a um colar de contas, na qual todas as mulheres compartilham o gênero, mas diferem em relação às outras contas que são adicionadas no colar).

Quanto à pergunta feita por Pellegrino, ela mesma responde que nem tanto ao céu, nem tanto à terra; e que o segredo é dissolver um pouco a dureza; criar vazios no cotidiano; mais delicadeza; lirismo, férias…; “encontrar beleza na fragilidade; errar; expor-se ao ridículo; desarmar-se; pedir cuidado e deixar-se cuidar.” E conclui que este é o feminino da moda. Feminino que respinga nas meninas adolescentes que fazem e acontecem nos blogs, pois está decidido que, quem manda na internet são as menin@s! – a supremacia feminina nessa nova área de comunicação. Meninas que conversam com amigas, ouvem, música, escrevem um post para o seu blog, faz download de filmes, acessam páginas, e tudo ao mesmo tempo. A afinidade com as máquinas faz dessas adolescentes, experts em sites, blogs, podcasts, fotolog e games. E assim, mais um mito cai por água abaixo, de que os meninos teriam mais facilidade com a tecnologia. Hoje, essas jovens, dominam a linguagem de programas como : htmil, phython, php e Shellscript .

Por essas e tantas outras razões, não consigo retroagir no tempo e pensar que bom era nos tempos das nossas avós… Ah! Se fosse tudo tão simples assim… No seu livro Elogio da Diferença, de mais de uma década atrás, Rosiska Darcy Oliveira, já falava sobre a mansidão dos tempos das nossas avós e das saudades desses tempos, onde os retratos ficavam pendurados na parede, e cada qual sabia seu exato lugar na casa e na vida. O problema é que as coisas são bem mais complexas, os lugares bem mais híbridos, e o lugar "tranquilo e apaziguado" que ocupávamos, nem era tão tranquilo assim. E o preço era altíssimo. Fazíamos tricô é verdade, mas…..tanta água rolava por baixo dos lençóis e dos tapetes.

Eu reconheço os excessos, os cansaços e os stresses da mulher moderna. Mas , sou uma mulher do meu tempo e jamais poderia viver em outra época. Como tão bem disse Paulinho da Viola: Meu tempo é hoje!

(Fontes: minha Tese de Doutorado sobre a Subjetividade Feminina em As Horas)

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa Dia 8 de março , 2010.

Dia Internacional da Mulher



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