O Barão de Itararé foi o pseudônimo de Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly (1895-1971), um dos maiores humoristas e jornalistas brasileiros do século XX. Ele mesmo se autoproclamou “Barão” de Itararé como uma ironia à Batalha de Itararé, confronto que estava previsto na Revolução de 1930 entre as forças de Getúlio Vargas e as tropas do governo, mas que nunca chegou a acontecer. A “batalha que não houve” virou sinônimo de acontecimento frustrado, e Torelly usou esse título nobiliárquico falso de forma satírica.
Criou e dirigiu jornais de humor como A Manha (trocadilho com “Amanhã”), nos quais fazia sátira política, social e cultural. Usava frases irônicas, trocadilhos e críticas bem-humoradas para apontar contradições da sociedade e dos políticos da época. É considerado um precursor do humor político de resistência no Brasil, influenciando gerações posteriores de humoristas e cronistas. Uma de suas frases famosas e que pode ser usada agora com a discussão da PEC da Blindagem é:
“Sou pela moralidade, mas, já que não há jeito, sejamos imorais todos. Que locupletemos todos.”
A ideia de usar esta frase neste artigo é ironizar os discursos de políticos que pregam a moralidade, mas agem de forma contrária. Vários deles são eleitos com intenções moralizantes, mas percebem que não é bem assim e decidem também se locupletar. Vários são verdadeiros paladinos da justiça, mas na essência só querem se locupletar da alguma situação.
A PEC da Blindagem cai como uma luva nesta frase. Se meus leitores não sabem, com a homologação desta PEC vários tipos de crimes cometidos por um deputado, federal ou estadual, eleito só pode ter seu caso processado pelas instâncias do judiciário se tiver anuência do poder legislativo no qual o investigado está vinculado. E olhem, não estamos apenas falando de casos de corrupção. Envolve várias tipologias de crimes, inclusive crime de estupro. E a votação tem que ser secreta, para que os eleitores depois não cobrem os eleitos por ter liberado alguém.
Meu eleitor ranzinza do Bessa reclama que eu deveria me ater aos assuntos econômicos. Mas como? As soluções econômicas, por mais brilhantismo técnico que tenham, precisam do mundo político para serem implementadas. Mas o universo político está de costas para a atividade econômica.
A reforma tributária, que terá um impacto enorme na atividade econômica e na vida de nossa população não merece atenção de nossos representantes legislativos. Medidas de mitigação dos impactos sobre emprego e atividade econômica decorrentes do tarifaço de Trump na economia brasileira muito menos. Para nossos representantes, se eles ficaram imunes as consequências das falcatruas que porventura fizerem, a economia brasileira estará em bons lençóis.
E isto no exato momento em que se descobre, via Polícia Federal, que a atividade de um grupo do crime organizado tem ligações com setores econômicos importantes, inclusive com escritórios na Avenida Faria Lima. A investigação mostrou que a atividade ilegal tinha ligações com padarias, postos de gasolina e fintechs.
Mas recentemente um denunciante acusou um presidente de uma agremiação partidária de ser proprietário de aviões que transportavam recursos ilegais deste grupo do crime organizado para um senador da república que foi um prócere no governo anterior. Achar que o mundo político atual não está já contaminado pelo crime organizado é o mesmo que achar que a terra é plana. Com esta PEC, a eleição de deputados e senadores será uma mão na roda para esses grupos.
Aparício Torelly teria um farto material para suas colunas, pois o mundo político brasileiro com as emendas secretas não apenas atrapalha a atividade econômica com seus projetos de impacto duvidoso, como permite que nada seja descoberto, só deve ser levado como piada mesmo.
