Brasil
CPI contra Moraes e viagem a Israel: veja os diálogos que a PF encontrou no celular de Bolsonaro
Áudios e mensagens obtidas do celular do ex-presidente Jair Bolsonaro mostram sua atuação política após derrota nas eleições
28/07/2025

Jair Bolsonaro em São Paulo - 25/03/2024 (Foto: REUTERS/Amanda Perobelli)
Brasil 247
Diálogos inéditos do telefone celular do ex-presidente Jair Bolsonaro, apreendidos pela Polícia Federal em maio de 2023, mostram os bastidores da atuação política do ex-presidente junto ao Congresso Nacional após sua saída do poder, seu relacionamento com empresários e como ele acionava sua rede de contatos para tentar se manter relevante durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva . Procurada, a defesa do ex-presidente disse que não se manifestou sobre o assunto.
O conteúdo do celular de Bolsonaro foi extraído pela Polícia Federal após sua apreensão, em 3 de maio de 2023, na operação que investigou fraudes em certificados de vacinas. O jornal O Estado de S.Paulo teve acesso com exclusividade a esse conteúdo, composto por 7.268 arquivos, que incluem conversas de WhatsApp, documentos, áudios e vídeos.
A maior parte dos diálogos acessados pela PF, porém, foi restrita a um período de uma semana antes do aparelho celular ter sido apreendido. Conversas anteriores a essa data foram apagadas e não foram recuperadas. Os diálogos são de 2023, da época da apreensão — não se trata do aparelho celular apreendido na operação da Polícia Federal do último dia 18 , quando foi imposto o uso de tornozeleira eletrônica ao ex-presidente.
Um dos diálogos mostra que o ex-presidente orientou o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) a aprovar um pedido de abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e outros membros da Corte.
“Boa noite, presidente. A galera tá me instruído aí porque Eduardo, todo mundo assinou essa CPI de abuso de autoridade do TSE e do STF e eu não assinei até agora porque… eu não queria entrar nessa bola dividida, com medo de dificuldades até o senhor mesmo nas decisões lá. O que o senhor acha aí mais ou menos?” – disse.
Bolsonaro respondeu: “Eu controlaria. Sempre existe a possibilidade de retaliações”. Depois disso, Hélio Lopes afirma: “Já assinei”.
A CPI foi proposta em 2022 pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), com o objetivo de apurar supostos abusos de autoridade do STF e do Tribunal Superior Eleitoral .
No início de 2023, deputados bolsonaristas tentaram ressuscitar a proposta e colher assinaturas, mas até hoje a comissão não saiu do papel.
Em 2023, Bolsonaro também orientou seu filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a articular a derrota do projeto de lei das fake news na Câmara. O ex-presidente apresentou diversas publicações contra esse projeto, que estabelece diretrizes para a divulgação de conteúdo das redes sociais e combate a notícias falsas. A proposta foi apelidada pelos bolsonaristas de PL da Censura e acabou sendo enterrada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Em conversa com Eduardo, em 2 de maio de 2023, Bolsonaro disse a seu filho que o projeto deveria ser levado à votação no plenário naquele dia. A expectativa dos bolsonaristas era de que houvesse votos suficientes para rejeitar a proposta. Às 19h39 daquele dia, Eduardo enviou uma mensagem a Jair: “Orlando Silva acabou de pedir para retirar de pauta o PL 2630”. O pai respondeu em seguida: “Tem que votar hoje”. “Manifestei pela votação hoje, como líder da minoria”, disse Eduardo.
Procurados, os dois deputados não responderam aos contatos.
Ex-embaixador de Israel ofereceu viagem ao país com tudo pago
O ex-embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, se ofereceu para bancar uma viagem de Jair Bolsonaro ao país em 2023, conforme mensagens de WhatsApp registradas no celular do ex-presidente.
Uma conversa ocorreu no final de abril daquele ano, dias antes de Bolsonaro ter sido alvo de operação da Polícia Federal por suspeita de fraudes em certificados de vacina . Shelley tinha boa relação com Bolsonaro no período em que foi embaixador de Israel no Brasil, entre 2017 e 2021. Durante seu governo, ele chegou a dizer que o Brasil iria transferir sua embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, mudança com forte significado diplomático porque significaria o reconhecimento da cidade como capital de Israel e geraria atritos com países árabes. Diante das críticas, Bolsonaro acabou recuando do plano.
Bolsonaro respondeu em mensagem de áudio e transmitiu uma saudação ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu : “Fala Shelley. Na verdade é uma revolução né, proteína, carne em 3D. Parabéns aí pra vocês e vamos ver né qual o futuro dessa máquina aí. Um abraço e um abraço aí no nosso amigo Netanyahu”.
Shelley, então, faz um convite ao ex-presidente brasileiro. “Obrigado. Vou falar com ele amanhã. Como você está? Vem nos visitar?”. Em seguida, ele diz que a bancaria a viagem, sem explicar de onde sairiam os recursos – além de ser embaixador, ele também tinha atuação em Israel como empresário. “Vou cuidar de você 14 semanas em Israel, vou pagar o custo de sua presença, hotel e tal por 3 pessoas se você quiser”.
Minutos depois, Shelley corrige o período de 14 semanas, diminuindo ter se confundido. “14 dias”. Bolsonaro responde: “Ô Shelley, obrigado, vou falar com a esposa aí e ver o que ela acha. Obrigado, um abraço”. O ex-presidente encaminhou o convite a Michelle, mas ela não deu uma resposta sobre a possível viagem. Shelley não retornou aos contatos da reportagem.
Preocupação em manter o apoio ao agronegócio
Os diálogos de Bolsonaro no início de 2023 mostram sua preocupação em manter o apoio ao agronegócio à sua figura, mesmo com o início do governo Lula.
Em uma lista de transmissão do seu WhatsApp, na qual ele disparava mensagens para um grupo de contatos que incluía deputados e outros aliados, Bolsonaro apresentou notícias sobre a demarcação de terras indígenas e ocupação de fazendas pelo MST no governo Lula. Em seguida, fez críticas à gestão do petista. “Cada vez mais problemas para o agro”, disse. “Com Bolsonaro: ZERO demarcações”, complementou.
O tema também foi debatido em uma conversa do ex-presidente com seu ex-ministro e ex-candidato a vice, o general Walter Braga Netto . Nas mensagens, o general disse a Bolsonaro que iria levantar dados sobre o agronegócio com a ex-ministra Tereza Cristina para serem usados em um evento no qual o ex-presidente participaria no final de abril de 2023, o Agrishow em Ribeirão Preto. O convite a Bolsonaro para o evento, na ocasião, gerou atritos com membros do governo Lula – o presidente cancelou sua presença após saber que o ex-mandatário estaria no evento.
Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.