Rui Leitão

Jornalista e escritor.

Geral

“Faltando um pedaço”


24/07/2014

Foto: autor desconhecido.

Na canção “Faltando um pedaço”, Djavan faz uso de metáforas para falar do amor como um sentimento forte, avassalador, que tanto oferta prazeres intensos, como causa dores inesquecíveis. Chega de repente com uma força de domínio incontrolável, dando ao coração um poder de decisão maior do que o cérebro.

“O amor é um grande laço, um passo pr’uma armadilha/Um lobo correndo em círculos para alimentar a matilha”. O laço é uma forma de prender algo, assim Djavan começa definindo o que seja o amor. Uma sensação de envolvimento sem condições de se desvencilhar com facilidade, atado, comprometido. Quem se vê surpreendentemente amarrado pelo laço do amor, reconhece que foi alvo de uma atração inesperada, uma espécie de cilada do destino. Aguça nossa imaginação na elaboração da cena de um lobo circulando na busca do alimento para suas crias. Assim o apaixonado se comporta, querendo a todo custo, sejam quais forem às dificuldades, dar energia a esse sentimento, de forma que ele se torne permanente, vivo, eterno.

“Comparo sua chegada com a fuga de uma ilha/Tanto engorda quanto mata, feito desgosto de filha”. O compositor se mantém na utilização das figuras de linguagem para estabelecer a sua compreensão do que seja o amor. Quando ele surge na vida de qualquer um, aparece como se fosse a oportunidade de sair da individualidade para o sentido de vida compartilhada. O náufrago que estava preso a uma ilha e que, enfim, lhe é oferecida a ocasião de sair do isolamento, viver a condição de repartir emoções e prazeres com outrem. Em que pese a consciência de que as consequências podem ser tanto de alegrias repetidas, quanto de sofrimentos inesperados. Compara ao desgosto de um pai que tem o desprazer da notícia de que a filha engravidou de um namorado. Tanto engorda, porque o fruto dessa gravidez representará a chegada de um neto, quanto mata, porque causa, num primeiro momento, dissabores, preocupações e até vergonha pela quebra de paradigmas sociais.

“O amor é como um raio, galopando em desafio/Abre fendas, cobre vales, revolta as águas dos rios”. O raio tem o efeito de algo fulminante, rápido, impetuoso, desafiador. De igual modo é o amor, intrépido, ousado, corajoso. Utilizando-se dos recursos da natureza, dá a conotação de que seja um sentimento que tem o poder de enfrentar tudo, romper as mais fortes barreiras, transpor os mais difíceis obstáculos.

“Quem tentar seguir seu rastro, se perderá no caminho/Na pureza de um limão ou na solidão de um espinho”. Por mais prudente que se porte, quando o amor toma conta do coração de alguém, não adianta seguir regras, procedimentos normais, uma vez que ele tem a pureza de um fruto, mas também é amargo como um limão. E sem querer nos ferimos com o espinho escondido na rosa que estamos colhendo.

“O amor e a agonia cerraram fogo no espaço/Brigando horas a fio, o cio vencendo o cansaço”. As histórias românticas são enredos que marcam o travar de uma luta entre a beleza do querer bem e a aflição das crises emocionais. Nessa batalha a sensualidade, a atração física, os desejos, vencem as circunstâncias frias das intrigas, dos ciúmes e das incompreensões.

“E o coração de quem ama, fica faltando um pedaço/Que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços”. O coração do enamorado fica diminuído ante a ansiedade da entrega, como se precisasse juntar ao do parceiro para sentir-se completo.

• Integra a série de crônicas “PENSANDO ATRAVÉS DA MÚSICA”.


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