Geral

PIREX


10/05/2011



Todo ano a mesma coisa. Dia das Mães, as lojas disponibilizam todos os eletrodomésticos possíveis. Ofertas. Liquidações. Tudo para o conforto da mamãe. O comércio de esbalda com as vendas. Fico a observar os clientes, todos de sacolinha em punho: perfumes, sabonetes, toalhas de banho (muitas), parece até que mãe vive molhada…

Também notei algo mais salutar. Nos dias que antecederam o dia das mães, muitos pais com filhos no shopping. Vi um em especial, e me aproximei e perguntei ao menino sapeca: “IH IH! Presentinho para a mamãe? O que é?” E ele emburrado me mostrou orgulhosamente um saquinho de telefone celular. Pai moderno esse, quer a mulher falando com o mundo!

No programa Saia Justa, ouvi a jornalista e âncora do programa,Monica Waldvogel, dizer que adora o Dia das Mães pois: Declara todo amor à sua mãe, e agradece por tudo e, ouve do seu filho todos os mimos. Uma reiteração necessária para nós mães e filhas, acho. Precisamos desse mantra para nos acalentar e saber que estamos indo bem nesse dito amor incondicional.

Mas o que fazer quando entramos no supermercado e vemos já na entrada, uma montanha de pirex para nos saudar? Eu tomo choque todo ano. Adoro assados, mas pirex seria a última coisa que gostaria de ganhar. No entanto, no Saturday Day´s Night, ainda fui a um desses lugares (acharam que era um dia propício para comprar alguns itens da cozinha…e quis aproveitar a onda…), e nas filas, ficava a me perguntar o que tantos, inclusive eu, fazia ali naquele lugar de forninhos, louças e utensílios de forno e fogão.

A cozinha foi durante muito tempo território da perfeição feminina; e se uma mulher não se reconhecesse com o manuseio das panelas, a cozinha se tornava um lugar de tortura. No filme As Horas, a cozinha aparece como espaço de conexão com a tristeza e a melancolia. E esse espaço é mostrado, na cena, em que Mrs. Dalloway (Meryl Streep) tem uma Epifania sobre o seu passado, seu Instante-Já, que Clarice Lispector falava em Água Viva, e se derrete literalmente, ao lembrar dos seus dias idílicos de amor com o seu amado poeta Richard (Richard Harris). Interessante de como um quebrar de ovos pode fazer eclodir um sentimento de dissolução, ambigüidade melancólica entre afeto, raiva, e impotência. Por entre panelas, Mrs. Dalloway estabelece um fio condutor de volta ao passado, e de como através de um olhar, constata uma inquietação frente à banalidade da vida.

Em contrapartida, me veio também à lembrança de Tita, personagem de Como Água para Chocolate, romance da escritora mexicana Laura Esquivel, também adaptado para o cinema, inaugurando um novo gênero literário: a cozinha-ficção. Mas aí, diferentemente de As Horas, teremos uma cozinha criativa e transformadora; lugar de alquimias e transcendências.

Em Como Água para Chocolate, Esquivel inaugurou um novo gênero literário: a cozinha-ficção. Wendy Faris no seu texto Ordinary Enchantments: Magical realism and the remystification of narrative, vê o Realismo Mágico como um componente feminino do pós-modernismo, feminismo pós-colonial e feminismo de fronteira. Como Água para Chocolate, vai se enquadrar assim, dentro dessa abordagem de que fala Faris, ou seja o realismo mágico enquanto componente feminino de uma estética pós-moderna, com uma temática que vai transitar da Casa para Cozinha e da Cozinha para o Corpo, nem sempre nessa ordem. É no espaço da Cozinha que Como Água para Chocolate se consolida enquanto uma narrativa feminista e mágico realista, tratando da Cozinha como um espelho da opressão e submissão feminina, mas também enquanto um lugar revolucionário, de memória, de tempo, de transformação e transcendência.

Well Well, seja como Mrs. Dalloway, rememorando o passado, seja como Tita, botando rosas na comida, passei o Dia das Mães por entre temperos, chocolates, passado, carinho dos filhos, amor do marido, sisterhood das irmãs e claro, a presença sempre da minha mãe. Com ou sem realismo mágico, epifanias e transcendências, mas com a sombra de um pirex se desmanchando no ar…ou será se consolidando no ar?

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 9 de Maio , 2011
 



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