Geral

HURRICANE


31/05/2011



 Para Gui e Glauce, separadamente

O ano era 1979. Ano de turbulências. Mudanças muitas na vida. A roda que não era gigante! O endereço era o Edifício Gravatá, mas a vista era para o mar. As montanhas? De Sísifo. Muitas pedras a rolar. Mas a música era Wild Horse, minha preferida dos Stones – They Shoot Horses, Don´t They? E as noites de sexta feira ferviam. Ah! Se o meu fusca vermelho falasse…João Pessoa não tinha trânsito nem violência, e eu saía sozinha de saia, longa, desbravando à noite. Nos pés? Os caminhos incansáveis, uma sandália de dedo de rabicho, uma bolsinha bordada do Peru, e lá dentro carregava meus sonhos de despojamento, prazer, música e rock and roll! Mas o furacão se anunciava, fosse na música ou nos sentimentos.

O encontro era a casa de Gui Faulhaber e Glauce Caldas, na época um casal, um apto aconchegante no Ed. São Marcos. Chegávamos sem combinar. E logo fazíamos uma rodinha: Fuba (que ainda não era tão famoso), Alexandre Carneiro, Toinho Mariz, Alexandre Belo, José Palhano, e tantos outros. As moças? Fora as fixas eu, Glauce e Rosana Maciel, tinha as itinerantes…Muitas queridas.

Logo Logo Gui começava o seu som no órgão e nós iniciávamos nossa pajelança. Castañeda rondava à noite, que nem sempre era aos domingos! Não valia conversa séria. Só o ritual dos des-casados, des-camisados, des-enfreados. E cantávamos , dançávamos e nos aninhávamos. Bob Dylan na caixa! E ouvíamos Hurricane até o LP se desmanchar. Comprei logo um para continuar o alvoroço em casa, sozinha entre quatro paredes. Até hoje me arrepio quando ouço os acordes dessa música. Depois veio It´s all Over , Baby Blue. E George Benson e Mascarade. Interessante, de uma certa forma estávamos mesmo mascarados. De nós mesmos, acho.

E , numa retrospectiva do destino, eis que estava eu semana passada, por ocasião dos 70 anos de Bob, dando aula. Um conto de Joyce Carol Oates, What are you going? Where have you been. E eu me perguntava: “Are you talking to me?” (Assim como o fez o personagem de Robert de Niro, com cabelo a la Neymar, no filme Taxi Driver, frente a um espelho, reafirmando sua loucura indentitária). Essa era uma pergunta indecifrável. Em tempos sem celular e sem computador, os nossos encontros eram no escuro mesmo. E quando não encontrava os amigos nas Fridays night, saía no meu fusca pelos points da cidade: Canton, Bar do meu Cacete, Elite, Motor Car, Casa de um e de outro (Arnaldo Vasconcelos?, quem sabe estaria ouvindo Tim Maia?); ou estariam no Altiplano, no terraço de Fred Pitanga? Ou ainda no quintal de Zé Palhano? Perdidos na Noite, num barco sem vela e sem prumo e sem norte? Ah! A loucura! Um perfeito destino para aqueles que não tinham um para chamar de seu. Por vezes voltava com meu coração em tempestade, solitária, e botava Hurricane na vitrola, para os últimos desejos, aprisionados em um bonde, Blowing in the Wind.

Quanto ao conto de Oates, o título ela tomou emprestado da música de Chris Rea, The Blue Café. Inspirou-se num caso real e chocante de serial killer e um triplo assassinato. Uma vez, leu um artigo na Revista Life, e pensou que o caso tinha esse estranho personagem, com suas botas infladas, e um certo charme grotesco. Para Oates, ele era uma personificação de algo que emanava da cultura adolescente e seus perigos ocultos. A estória de um assassino envolvente que era capaz de matar três garotas, era uma inspiração para uma estória do ponto de vista da vítima em potencial. O que é que rola para uma garota ser fisgada por um homem desconhecido? O que seria dito e camuflado nessa hora. Que discurso? Que palavras poderosas seriam essas? O que faria ganhar sua confiança assim às cegas, cujo desfecho seria o abismo e escuridão? E se inspirou nos lyrics da música De Bob: “The vagabond who´s rapping at your door / Is standing in the clothes that you once wore. Strike another match, Go start anews/ And it´s all over now, Baby Blue”. E ao ser tomada por Baby Blue, inspirou-se para escrever o que seria um de seus mais populares textos.

Anos depois ouvi a música por Gal costa, e no meu então fusca verdinho, ouvia Negro Amor , versão feita por Caetano, cantando out loud! Já Oates, se embrenhou pela lenda da “Morte e a Donzela”, do caso em Tucson, e nesses elementos arquétipos, e dedicou seu conto a Dylan, como também se utilizou de algumas palavras da canção.

What are you going…? conta uma estória de uma adolescente, Connie, inocente como tantas outras, mas já em deleite com seu corpo e aparência, e a sedução que dele emanava. O espelho, essa era a questão! E ela com certeza não queria responder certas perguntas à mãe controladora, à irmã careta, June ou etc. Ela queria freqüentar os botecos, ir ai drive in (?) coisa em extinção, e sonhar com os garotos. Esse era o momento certo para a cilada, e os homens mais velhos e mal intencionados sabem disso. Todos sabem. Menos as meninas dessa idade. Ás vezes até as mais velhas (Conferir o filme Thelma & Louise). E Connie encontrou uma pedra pelo meio do caminho, digo um sujeito mais velho, um predador, que ao ver aquela moçinha exalando sexo pelos poros, aprontou sua armadilha. O tal mito do Barba Azul, tão bem desfilado por Clarrissa Pinkola Estés, em Mulheres que Correm com os Lobos. A grande arte do conto está exatamente nas cenas de suspense, entre experiência e inocência (Conferir os poemas de William Blake The Lamb and The Tiger); entre o medo e o prazer/poder; entre o encurralamento/virilidade e a impotência/fragilidade, e claro com um final em aberto, ambíguo e aterrorizador.

Estória como tantas outras que indignados e com o estômago embrulhado, nos deparamos cotidianamente, nos jornais, mas que contada por uma escritora de excelência, tudo fica mais sugestivo e paralisante.

E na sincronicidade de homenagear Bob Dylan, eis que estava indiretamente cantarolando Hurricane, tentando perguntar a meus jovens alunos Where are you going? E estabelecer relações musicais, literárias, temporais e of course, das minhas doces memórias de Tambaú, da casa de Gui, e mais ainda, das minhas andanças pelas noites Pessoensses.

Com a permissão do senador Suplicy: The answer my friend: is Blowing in the Wind!!

And It´s all over now, Baby Blue.

Ana Adelaide Peixoto Tavares – João Pessoa, 30 de maio, 2011



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