Geral

DIA DE FAXINA


15/02/2011

 Colocamos etiquetas emocionais nos objetos que nos circundam. Por isso é tão difícil descartá-los: eles evocam nossas melhores lembranças. (Revista Vida Simples, Fev. 2011).

Copiei o título de uma crônica linda de Adriana Falcão,(Estado de São Paulo, 26/12/2009), onde ela diz: “Logo para começar, a melhor coisa a fazer é varrer toda essa raiva da frente…E por aí ela vai fazendo sua faxina de raivas, mágoas, frustrações, culpas…”, e conclui: “Deletadas as raivas, mágoas, frustrações e culpas caducas é então que ele surge, com seu jeito impávido: o cerne do sofrimento, origem das amarguras, principal culpado da bagunça – o medo. Como uma pérola dentro da ostra. O medo de morrer. O medo de viver. O medo de perder. O medo de ganhar. O medo de crescer, agir, sofrer, querer, transformar. O medo de se encontrar. Ele é o monstro, o demônio, o desterro. Dá o fora, medo! Queremos a alma limpa e arrumada.”

Well, minha faxina foi outra, lidando com baldes, poeiras, e jogando as coisas fora, mas como acredito que está tudo misturado…achei interessante citá-la.

Fazer faxina em casa para mim é um peso. Quem sabe, no meio dos meus jogados foras, estejam embutidos os meus sentimentos sombrios..como tão bem sugere Adriana no seu texto. Diante de tantas pastas, tanto papel, recortes, coisas, guardados, e desarrumações, fico literalmente paralisada diante do meu próprio caos. Primeiro vem a perplexidade da minha não ação. Depois, aos poucos, piora, pois não tenho o menor senso de organização e praticidade. Identifiquei-me com o personagem de Julianne Moore, no filme Minhas Mães e Meu Pai. Solta, aérea, sem saber muito concretizar seus desejos no cotidiano. Vivo no mundo meio flutuante entre o querer e não querer; entre o sonhar e o fazer. Dá filosofia. Barata! Ou coisa séria, como no livro Mulheres que Correm com os Lobos, quando Clarissa Estes Pinkola fala da criatividade e da ação, exemplificando com a estória da Llorona.
Mas fazer faxina para mim também é viajar pelo percurso simbólico da minha vida e interesses. Hoje, joguei kilos de jornais fora. Tudo que vejo de interessante guardo. Acho sempre que vou precisar algum dia, seja para as aulas, para as crônicas, ou para ler num momento qualquer. O danado é que sempre que preciso, nunca sei onde está…e lá se foram meus guardados inúteis. Hoje tive um ataque de desapego e joguei sacos de lixo fora. Era tanto caderno 2, B, Caderno Mais, da Folha, do Globo, Do Estadão, dos jornais Locais. Artigos, resenhas, crônicas. Guimarães Rosa, Roland Barthes, Susan Sontag, Pós –Modernismo, Almodóvar, Pina Bausch, Anayde Beiriz, Ana Cristina César, Heloisa Buarque e a Poesia dos anos 90, Cinema (tantos festivais, resenhas, lançamentos), tudo sobre o ano 2000 e a virada do século; posse de Lula primeiro governo; montes de textos sobre Mulheres (mulheres no poder, nas artes); Mulheres x Pobreza, Mulheres; moda; corpo; Freud; morte de Levi Strauss, John Lennon, Lady Di; Caetano; novas mídias; depressão e o novo livro de Maria Rita Kehl, receitas de Nina Horta, de Rita Lobo; Viagens à Toscana, Lisboa, e roteiros de Saramago nas ilhas Lanzaroti. Resenhas literárias, de críticos, Harold Bloom. Coisas para o trabalho, literatura, textos sobre Lawrence, Yeats, Joyce, Elizabeth Bishop, Jane Austen V. Woolf, Faulkner, Henry James, Beckett, quem sabe preciso ilustrar alguma aula…ou o meu saber de cada dia. Também encontrei já empoeirada, minha monografia do curso de especialização(1979). Não é nenhuma obra prima, e era sobre Eugene O`Neill, Morning Becomes Electra, toda ilustrada por desenhos bico de pena de Flávio Tavares. Puro Luxo. Apesar de ter tirado dez, até hoje não sei se foi pelo conteúdo ou pelas ilustrações….O meu Baú de Saberes é realmente eclético! E divertido! Encontrei quadrinhos e dei muita risada vendo Maitena e suas Mulheres Alteradas.

Sou do século passado, e meus arquivos são de plástico e de papel . E adoro jornal. Como tem coisas ricas nesse veículo já quase em extinção! Hoje, debulhando pastas e mais pastas do meu caldeirão de saberes guardados, me dou conta de como se podia ter material para pesquisa doméstica, através dos Cadernos Bês da vida.

Identifiquei-me com a crônica de Ronaldo Monte, Desvio de Função, no jornal Contraponto da semana: “…um dos meus passatempos preferidos era varar as noites pulando de livro em livro das minhas estantes, assunto puxando assunto, num exercício de livre associação que sempre acabava num texto que me espantava e às vezes servia de inspiração para um poema ou um conto. Mesmo que andasse à deriva pelas prateleiras, nenhum contratempo me desviava do meu intento. Estava ali para flanar. E flanava”. Eu também flano Ronaldo. Sou a rainha desse desvio. Vivo eternamente desviada. Funcionalmente! Também adoro ficar bisbilhotando meus guardados, e pulando nos puleiros das estantes, das pastas, dos recortes, nesse trabalho de livre associação de que falas. Uma coisa puxa a outra, e quando vou procurar algo para uma aula, termino numa receita de Quiche Lorraine! E me perco , e me acho, e me perco novamente. E nesses desvios de rota, como chama Ronaldo, sempre encontro o que não estava no percurso e sempre esqueço do que estava à procura. A felicidade é que esses caminhos sempre acabam em crônica ou em algo interessante, que me leva alhures…

Coincidências à parte, antes de começar minha faxina concreta e intelectual, ganhei de presente a Revista Vida Simples, cuja matéria de capa era Desapego na Raça, (Por que Acumulamos Demais, Você seria capaz de descartar 50 coisas da sua vida? Descubra como isso pode ser essencial para retomar o controle das suas emoções). Estava tão entusiasmada em jogar fora e criar novos espaços, que o pessoal de casa começou a ficar aflito, de quem sabe eu me entusiasmar e confundir pessoas e coisas. Sim, porque quando começamos a faxinar, ficamos meio que em transe, obcecados com a idéia do jogar fora: “Aquilo que você guarda e o que joga fora, assim como o que compra ou deixa de comprar, é um espelho que reflete o que você sente e pensa” (Vida Simples).

E vejo que minha vida não tem nada de simples, que guardo muito, que me apego aos papéis, mas desde já tranqüilizo meus pares: Não vou jogar ninguém no lixo. Por enquanto estou na fase das coisas…

E agora, com o escritório mais leve, e mais triste também, quem sabe chegue ao carnaval já pronta , e com a cabeça menos caótica para logo após as cinzas começar tudo de novo: o ano, o trabalho, o semestre, os dias e as horas.

(Parabéns Flávio Tavares, o aniversariante do dia.)

Ana Adelaide Peixoto João Pessoa, 15 de fevereiro, 2011



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