Geral

As Mulheres & Os Livros


15/03/2011

 Importância: O lugar que algo ocupa na lista de alguém
(Adriana Falcão, em Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento)

Ouvindo o título da palestra da poetisa Vitória Lima, sobre Mulheres & Livros, por ocasião dos eventos literários durante o carnaval em C. Grande, fiquei a pensar também e principalmente nas minhas listas, e passar os olhos assim aleatoriamente pelas minhas estantes. E me apoderei do seu título e idéia. Quais os livros que marcaram minha trajetória de uma mulher interessada nas questões de gênero, feminino, feminismo, diversidade, e temas afins, como corpo, experiência, memória, poesia, e receita de bolo…. A biografia de Frida Khalo foi uma marca cheia de dores e cores carmins.
Um dos primeiros, acho, foi Rose Marie Muraro, Corpo e Classe Social no Brasil, que comecei a ler em Baía Formosa em 1980, e não mais desgrudei daquela pesquisa pujante sobre a mulher brasileira e sua relação com o Corpo. Tive o prazer de vê-la aqui pessoalmente no auditório de um Centro de Tecnologia lotado e inquieto, para ouvir aquela mulher de óculos fundo de garrafa. Depois li dela também, Os Seis meses em que fui Homem, e Memória de uma mulher Impossível, onde é sugerida a escrever sobre sua subjetividade. Mas seu artigo, “Por uma Ordem Simbólica”, tenho na pasta de trabalho a cada semestre, para revigorar minha crença na paz feminina em oposição a um mundo ainda tão masculino e afeito às guerras.
Antes disso li O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Comecei pelo segundo volume e fiquei tão impactada com a famosa frase: “Ninguém nasce mulher, mas se torna mulher”, que li o primeiro volume em seguida. Até hoje me arrepio, quando folheio suas palavras.
Li alguns Complexos: Os de Cinderela e Peter Pan levantaram algumas pulgas…A História do Mundo pela Mulher, de Rosalind Jones- tomei tento de outros ângulos da História. Existe sempre um outro lado a ser contado. Marina Colasanti, claro. Com seus poemas, Fino Sangue e Rota de Colisão, e ainda sua Moça Tecelã, para que eu entendesse o poder de fiar meu próprio destino. Sem falar nas suas palestras nos encontros acadêmicos e literários.
Virginia Woolf foi outra escritora pulsante na minha vida. E Um Teto Todo Seu, uma descoberta que me extasiava a cada fala sua. A pobreza feminina resultante de um saber; a criatividade e vida artística a depender de liberdade financeira, prazer e um quarto todo seu.Admiro muito sua forma de sempre falar de coisas complexas, partindo sempre de algo pessoal e teorizando em cima, como nos seus textos sobre mulheres e ficção, quando discorre sobre o seu trabalho, suas resenhas, suas impossibilidades, tanto técnica como simbolicamente sobre os percursos da arte da ficção.
Adrienne Rich e seu livro sobre a instituição da maternidade, Of Woman Born, me fez pensar e pensar sobre as (im)possibilidades de ser mãe. Um soco no meu estômago, e as delícias e agruras de se criar filhos. E entender a frase antológica: “Ser mãe é padecer no paraíso”. Os homens sabem das coisas! E entendem de confinamento, mesmo que metafórico.
Rosiska Darcy Oliveira e seu Elogio da Diferença, me abriu os olhos novamente para às diferenças, para o tempo e o ser mulher, ser homem, ser avó, ser mãe de novo. Adoro seus pequenos ensaios publicados mensalmente no Estado de São Paulo.
Maria Rita Kehl – essa é também Guru, seja nas suas palestras no Café Filosófico da TV Cultura, como em suas entrevistas nas Revistas Cult e / outras. Gosto tanto da área de psicanálise, e Maria Rita me passa uma forma tão honesta e competente de pensar sobre o Feminino.
Clarice Lispector, fui uma leitora tardia. Quando li Água Viva a primeira vez, tive um certo constrangimento em admitir que não entendia aquilo. Muita poesia para a minha ainda limitada percepção. Anos depois, ficava trêmula a cada página. Ainda tenho muitas leituras a fazer dos romances. A Hora da Estrela, me tirou o sono. E seus contos e escritos, me desconcertam.
Alguns contos reveladores: The Yellow Wallpaper (Charlotte Perkin Gillman); To Room Nineteen (Doris Lessing), No Name Woman (Maxine Hong Kingston,),o romance Beloved (Toni Morrison), Jane Eire (Charlotte Brönte), A Casa dos Espíritos e Paula (Isabel Allende), através dos quais entrei em contato com a espiritualidade feminina; e ainda nesse campo encantado, Como Água Para Chocolate (Laura Esquivel) e seus pratos temperados com rosas e sexo; e mais poemas de Sylvia Plath, Ana Cristina César, me vi frente a frente com a loucura feminina e o suicídio Um poema de Elisa Lucinda, anunciando que essa loucura e raiva podem sim andar abraçadinhas: “Aviso da Lua que Menstrua”. Ano passado, numa palestra no SESC, O Quinze, de Raquel de Queiroz, com atraso e com surpresa.
Por conta do trabalho de professora, teóricas como Elaine Showalter e sua gynocrítica, o clássico The Madwoman in the Attic, de Susan Gubar & Sandra Gilbert, também compuseram o meu caldeirão de idéias. Heloisa Buarque e suas tendências e impasses; e eis que me deparo com A louca da Casa de Rosa Montero, com seus percursos de vida e literatura. Um divagar sobre essa louca que é a nossa imaginação. Os contos de Jumpha Lahiri, e as estórias pós-coloniais e suas barreiras não somente lingüística, mas de uma outra tradução, e de uma outra interpretação dos Males. E já que estamos no espaço da Universidade, meus caminhos no Doutorado, foram sim fundamentais para mergulhar na subjetividade e escolhas femininas.
Mas foi minha bíblia, Mulheres que Correm com os Lobos, o livro que me deixou em estado de perplexidade durante todo o ano de 1993. Nesse ano perdi meu pai, vivi um luto profundo, e mergulhei em zonas sombrias do meu cisne negro pessoal. Foram as estórias de Clarissa Estés Pinkola, que me deram conforto e entendimento de uma série de vivências femininas, através do mergulho dos contos de fada. Compreendi que uma vez foca, sempre foca. Claro que o filme Shirley Valentine e a célebre frase na Grécia: Fuck is fuck, Boat is boat!!!! , foi igualmente fundamental, afinal o humor sempre foi peça chave nas minhas descobertas.
Anos 80, junto com Cazuza e Caetano – Ah! Esse cara tem…., Martha Medeiros e seus poemas cotidianos, Divã e todas as risadas possíveis. Até mesmo Danusa Leão, não tão bem quista pelas feministas, me emociona com suas crônicas por vezes ambíguas, até mesmo misóginas, mas o seu romance autobiográfico, Quase Tudo, esse sim, me fez perder a voz. Contos Mínimos de Heloisa Seixas, e agora nas férias, O Lugar Escuro, e a agonia de conhecer de perto o mal da terceira idade, na vida principalmente das mulheres, O Mal de Alzheim. Emocionante!
Todo esse percurso me deixa atenta, mas nem por isso menos vulnerável à repetir a estórias das minhas antecessoras com suas transgressões e limites, muitas vezes igualmente recheados de preconceito e rancor. Só que talvez, de olhos bem abertos. E com a oportunidade de falar de tantos assuntos importantes ou não, nos espaços democráticos de cada um dos nossos dias.

Destino: Se é que existe, que seja cúmplice
(Adriana Falcão)

ps. Texto publicado no Jornal Contraponto (10/02/2011), Caderno Especial Dia Internacional da Mulher

Ana Adelaide Peixoto Tavares
Profa Adjunto do DLEM, UFPB
Cronista nas horas vagas



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