Política

São Paulo tem marchas a favor e contra ditadura

Extremos


22/03/2014

 Se os livros associam a Marcha da Família com Deus pela Liberdade a um capítulo sombrio da história do Brasil, um grupo tentará neste sábado (22), a partir das 15h, revivê-la nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. Em 19 de março de 1964, exatamente 50 anos depois, milhares de pessoas lotaram o centro de São Paulo em oposição ao comício do presidente João Goulart na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que defendeu a ampliação das reformas sociais. Contrariada com esse discurso, parte da elite e da classe média paulistana, com apoio de setores da Igreja Católica, reagiu manifestando-se contra o que entendia ser uma “ameaça comunista”.

A história é conhecida: João Goulart foi deposto, os militares assumiram o poder e instauraram uma ditadura de 21 anos no Brasil, com milhares de torturados, mortos e desaparecidos políticos. De volta a 2014, o inimigo não é mais o comunismo – até mesmo porque as divergências entre Estados Unidos e Rússia hoje passam ao largo das questões ideológicas. O organizador da marcha, Bruno Toscano, explica que a manifestação será “contra o clientelismo e a politicagem que imperam neste governo”.

Apesar disso, ele próprio admite que um dos objetivos da mobilização é “comemorar os 50 anos da contrarrevolução de 64, e mostrar a insatisfação do povo brasileiro com relação ao descaso do governo”. Toscano afirma que João Goulart não foi derrubado. E acusa historiadores e jornalistas, entre outros, de deturparem a realidade. “O país não teve um golpe militar, isto é um dos maiores erros que um jornalista pautado na imparcialidade da notícia pode falar”, respondeu à reportagem por e-mail.

A página do grupo no Facebook não deixa dúvidas de suas vinculações ideológicas: referências à volta dos militares – muito elogiados – e incentivo ao combate aos comunistas e aos pensadores de esquerda. O discurso na rede social usa o tom da propaganda dos tempos da Guerra Fria, sobrando também críticas ao governo petista, à presidente Dilma Rousseff e ao ex-presidente FHC, considerado uma “forma híbrida de comunista”.

Toscano afirma ainda que a passeata será “legalista, democrática, apartidária e constitucional”. Apesar disso, uma ajuda militar para destituir o governo é bem-vinda, segundo textos da convocatória da marcha no Facebook. “Não queremos a volta do regime militar, quero o fim da corrupção, do descaso e da injustiça em nosso país. Se os militares vierem para ajudar o nosso povo, como os militares do Egito, Honduras e do Paraguai fizeram, seria muito bom para restituir as leis e a ordem neste país”.

Com 55,7 mil convidados, mas apenas 2 mil confirmados no Facebook, a Marcha da Família deve percorrer o mesmo caminho daquela que aconteceu no dia 19 de março de 1964, que os jornais da época disseram reunir 500 mil pessoas, a maioria senhoras religiosas ligadas à Igreja Católica. O número é contestado no livro “A ditadura envergonhada”, do jornalista Elio Gaspari, que estima 200 mil participantes.

Reação à Comissão da Verdade

Para o ex-preso político, deputado estadual e coordenador da Comissão da Verdade paulista, Adriano Diogo (PT), a mobilização acontece em reação às investigações abertas pelo governo Dilma para passar a história a limpo e “desmascarar” o regime. “Acho que eles (os pró-ditaduras) estão muito bravos que exista investigação, que existam as Comissões da Verdade. A ditadura está escancarada, pela primeira vez com participação da Presidência”, afirma Diogo. Ele avisa que, no próximo dia 31, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo promoverá um ato “político-cultural” para lembrar os 50 anos do golpe “e exigir a punição dos torturadores, assassinos e ocultadores de cadáveres da ditadura e da democracia”.



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