Educação

Promotoria investiga 41 suspeitas de fraude no sistema de cotas

No Rio de Janeiro


29/03/2014



O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) investiga 41 alunos que teriam fraudado o sistema de cotas para ingressar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O G1 teve acesso ao inquérito que lista estudantes de diferentes cursos — alguns com cabelos e olhos claros — que prestaram o vestibular e ocupam, atualmente, vagas reservadas para negros e indígenas na instituição.

Do total de investigados, o G1 conseguiu entrar em contato com 33. No entanto, até a publicação desta reportagem, apenas uma estudante respondeu às mensagens. Bruna Mendonça de Araújo, aprovada no curso de Relações Públicas, afirmou que não iria se pronunciar sobre o assunto. "Gostaria imensamente que respeitasse minha vontade em não querer dar entrevista. Agradeceria pela compreensão", respondeu Bruna Mendonça.
Do restante dos investigados, sete deletaram seus perfis no Facebook e o último não foi encontrado.

Paralelamente à investigação do MP-RJ, a Uerj abriu sindicâncias para apurar as supostas fraudes. A estudante Vanessa Daudt, por exemplo, teria ingressado na faculdade através do sistema de cotas sem atender aos critérios necessários.

Aparentemente, Vanessa tem cor da pele branca e olhos claros, mas teria afirmado ser negra para conseguir uma vaga na instituição. No vestibular 2013, ela ficou em 122ª posição na classificação geral para o curso que tinha 80 vagas, de acordo com o inquérito do MP-RJ. O G1 entrou em contato com a estudante Vanessa Daudt por e-mail, mas ela não respondeu às mensagens. O perfil da jovem no Facebook foi deletado.

Outros estudantes que apresentam características semelhantes às de Vanessa ingressaram na universidade com a mesma alegação. Rayane dos Santos Peixoto, aluna de Administração, também é investigada. Ela foi aprovada para o 2º semestre à noite para uma vaga reservada para negros e indígenas. O G1 entrou em contato com Rayane, no entanto, não recebeu retorno.

John Meira Lacerda, aprovado para o 1º semestre de medicina, também para uma vaga reservada para negros e indígenas, é outro aluno com cor de pele clara que se autodeclarou negro. O G1 também tentou contato com o estudante, no entanto, não obteve resposta.

Entre os casos investigados, há estudantes de diferentes cursos: Administração, Nutrição, Relações Públicas, Medicina, Odontologia, Direito, História da Arte, Ciências Biológicas, Ciências Econômicas, Serviço Social, Letras e Pedagogia. Francine Fassarella Bezerra é outro exemplo de aluna com pele clara, cabelos loiros e olhos claros. Ela foi aprovada para o curso de História da Arte em uma vaga reservada para negros e indígenas. Ela ficou na 281ª posição na classificação geral para o curso que oferecia 50 vagas. A estudante também não retornou o contato feito pelo G1.

Renda e histórico escolar podem comprovar fraude, diz reitor

Apesar da discrepância entre as declarações dos jovens e suas aparências, o reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves, alegou que a universidade nada pode fazer para evitar casos como esses. “A definição de cor é por autodeclaração. Não temos nada a fazer em relação a isso”, disse em entrevista ao G1, acrescentando que apenas a declaração de cor — supostamente irregular — não configura fraude.

Vieiralves, explicou que não poderia falar sobre casos específicos, já que, segundo ele, as sindicâncias ainda não foram concluídas.

De acordo como reitor, 40% das vagas na Uerj são destinadas a cotistas. Deste total, uma parcela é reservada a negros e indígenas. No entanto, para obter o benefício, o candidato precisa comprovar ter completado os ensinos fundamental e médio em escolas públicas e ter baixa renda. “[Se o aluno estudou em ] Escola pública, nós conseguimos apurar porque há registros. Se o colégio não é reconhecido como público, é fácil de pegar. Mas a declaração de renda, os dados da Receita Federal são sigilosos. Fechamos um acordo com a Receita para que ela não revele os dados, mas diga se a renda é verdadeira ou falsa”, explicou Vieiralves.

Desde que a lei de cotas entrou em vigor no estado do Rio de Janeiro, em 2008, a Uerj recebeu 45 denúncias de supostas fraudes em matrículas de cotistas, segundo o reitor. O MP-RJ também apura se o sistema de fiscalização da Uerj é efetivo para coibir fraudes.

“Estamos montando um sistema mais rigoroso de controle. Percebemos que precisamos estar juntos para combater a fraude. A instituição sozinha não consegue dar conta de fiscalizar. A Uerj tem 27 mil alunos. Nesse universo, 45 denúncias é um número irrisório”, minimizou Ricardo Vieiralves.

Colegas de classe

O G1 conversou com duas alunas da classe de Vanessa Daudt no primeiro dia de aula do curso de Enfermagem, na segunda-feira (24). Uma delas, é negra e cotista. A estudante — que preferiu não ter o nome revelado — disse que o “sistema de cotas é confuso, subjetivo e que permite a autodeclaração. A partir do momento em que ela [Vanessa] se considera negra é uma opinião dela, não tenho como ir contra”, afirmou.

A colega de Vanessa disse ainda que o fato de a jovem ter se declarado negra ou índia no vestibular já era de conhecimento dos colegas de classe e dos professores. Em defesa de Vanessa, a estudante alegou que não há como saber pela aparência se alguém tem ou não ascendentes negros ou indígenas.

“Não temos raça definida no Brasil, somos todos frutos da miscigenação. As pessoas só estão olhando o fenótipo (conjunto de características físicas). E se ela tiver algum parente negro, por exemplo? Se ela [Vanessa] fosse parda não teria esse questionamento. Só estão questionando a situação porque ela é loira de olhos azuis", completou.

Entenda o sistema de cotas

A Lei 5346/08 de 11 de dezembro de 2008, decretada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e sancionada pelo governador do Rio, Sérgio Cabral, instituiu, por dez anos, o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais, adotado com a finalidade de assegurar seleção e classificação final nos exames vestibulares aos seguintes estudantes, desde que carentes:

I – negros;
II – indígenas;
III – alunos da rede pública de ensino;
IV – pessoas portadoras de deficiência, nos termos da legislação em vigor;
V – filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço.

De acordo com a lei, entende-se como estudante carente aquele definido pela universidade pública estadual, "que deverá levar em consideração o nível sócioeconômico do candidato e disciplinar como se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores sócioeconômicos utilizados por órgãos públicos oficiais".
Ainda segundo a lei, aluno da rede pública de ensino é aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do 2º ciclo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio em escolas públicas de todo território nacional.
O texto da lei afirma que cabe à universidade "criar mecanismos de combate à fraude".



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