Economia

OPINIÃO: Os milhões de “batalhadores” na pobreza e na informalidade

O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba.


14/11/2019

Na imagem, a professora da Universidade Federal da Paraíba, Rejane Gomes Carvalho

Rejane Gomes Carvalho

 

Os indicadores sociais e econômicos são explícitos em demonstrar a difícil situação de milhares de pessoas em busca de ocupação no mercado de trabalho, o que está longe de ser uma situação conjuntural, mas já consolida-se como a nova configuração das condições de trabalho que vêm ampliando as modalidades de trabalho instáveis e sem proteção social. Em um país que tem a desigualdade social como a marca do seu desenvolvimento, as fragilidades do mercado de trabalho e a incapacidade em gerar emprego e renda sustentáveis, têm como consequência o aumento da pobreza e da miséria.

 

Os dados consolidados no Sistema de Informações Sociais (SIS) – IBGE, constataram que, nos últimos 7 anos, houve aumento significativo das pessoas que vivem em extrema pobreza no Brasil, passando de 5,8%, em 2012, para 6,5% em 2018, o que significa 13,5 milhões de pessoas sobrevivendo com renda mensal per capita de até R$ 145,00. Este valor obedece a metodologia do Banco Mundial que classifica as pessoas em “extrema pobreza” quando dispõem de apenas US$ 1,9 por dia. Para as pessoas em situação de “pobreza”, considera-se o rendimento diário inferior a US$ 5,5. A pobreza no Brasil também tem cor ou raça, pois cerca de 73% das pessoas nesta condição são pretas ou pardas, com rendimento entre R$ 145,00 e R$ 420,00 per capita mensal. No contexto regional, os estados do Norte e Nordeste foram os que apresentaram os maiores índices de pessoas em extrema pobreza. Em contrapartida, os estados do Sul se destacam com os melhores indicadores de rendimento.

 

O aumento da extrema pobreza está relacionado com a intensificação da crise econômica e política que tem dificultado a manutenção dos investimentos produtivos e, necessariamente, repercutem sobre as condições de trabalho. De acordo com o SIS/IBGE, observou-se mudanças importantes quanto à inserção no trabalho. Nos últimos anos registrou-se a queda do emprego formal de 42,9%, em 2014, para 38,8%, em 2018, no Brasil. Os desligamentos do trabalho formal afetam mais as pessoas com baixo nível de instrução, ensino fundamental incompleto e médio incompleto. Com o aumento do tempo de desemprego e as dificuldades para encontrar uma nova ocupação, muitas pessoas terminam buscando alternativas de sobrevivência em outras atividades, o que pode justificar a expansão da informalidade do trabalho. O número de pessoas que trabalham sem carteira assinada passou de 18,4%, em 2014, para 20,1%, em 2018. Ainda é importante registrar o aumento de quase 2 pontos percentuais, no período analisado, das pessoas que trabalham por conta própria, alcançando 25,4%, em 2018. Neste último segmento, as atividades que mais crescem estão concentradas nos setores da indústria, construção, alojamento, alimentação e outros serviços.

 

Os indicadores sobre rendimentos reforçam o cenário de empobrecimento da população mais vulnerável no Brasil, entre 2017 e 2018. A partir dos dados da PNAD Contínua, que considerou as rendas de todas as fontes, destacou-se que o rendimento da população 1% mais rica, com rendimento médio de R$ 27.744,00 por mês, representa cerca de 34 vezes a renda média da população que ganha em média R$ 820,00 por mês. Os indicadores expressam uma desigualdade muito preocupante, tendo em vista que os 10% da população mais pobre concentravam 0,8% da massa da renda do trabalho, enquanto os 10% mais ricos absorviam 43,1%, em 2018. Este cenário foi favorecido pelo aumento de 8,4% na renda dos indivíduos mais ricos, acompanhado por queda no rendimento dos mais pobres no período analisado, comportamento que justifica o aumento do Índice de Gini que mede a concentração de renda no país As diferenças regionais também são expostas quando se considera o nível de renda médio do trabalho, alcançando R$ 1.479,00 no Nordeste e R$ 2.572,00 no Sudeste, em 2018.

 

O panorama dos indicadores apresentados demonstra a clara vulnerabilidade social em que se encontra a população mais pobre que depende da renda do trabalho para sobreviver. Contudo, a situação presente não é obra do acaso, mas é consequência, por um lado, da crise econômica e política que afetou o país com maior intensidade a partir de 2014. Como componentes deste fenômeno, encontram-se as mudanças estruturais do sistema capitalista com a ampliação do processo de desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, estratégias necessárias para a redução de custos no setor produtivo, viabilizando a manutenção da acumulação de capital e ampliando as formas de trabalho intermitentes, terceirizadas e informais, o que explica as desinserções de milhares de trabalhadores. Assim, não são simplesmente as mudanças na legislação trabalhista que promoverão o retorno dos empregos. Por outro lado, a situação se agrava com a redução dos investimentos públicos e privados que afetam diretamente o emprego e a renda, reforçando a situação de estagnação econômica e empobrecimento da população.

 

Em momentos de crises, espera-se que a vulnerabilidade social aumente com a queda nos rendimentos, mas esta também se agrava com a redução dos recursos que devem contemplar os serviços públicos de saúde, educação, moradia, saneamento, transporte e assistência social. Nesta perspectiva, terminamos por reproduzir, sobretudo, a “pobreza de cidadania”, o que se deve pela ausência de garantia dos direitos sociais universais. Desse modo, a pobreza não é apenas um fenômeno decorrente das escolhas ineficientes dos indivíduos no mercado, mas de escolhas intencionais que se fazem nas instâncias de poder, nas instituições de representação da sociedade civil e na gestão pública.

 

Enquanto o sentido de nação e cidadania não for construído no Brasil, permitindo a garantia de qualidade de vida e reduzindo a condição de vulnerabilidade social das pessoas, o que teremos é a disputa de milhares de “batalhadores” por atividades precárias para sobreviver. Mesmo que estejam ressignificados pelo glamour do empreendedorismo, das novas tecnologias, nos APPs e nas mídias sociais, parte da força de trabalho se tornará desnecessária, mas certamente continuará contribuindo para o aumento das demandas sociais, o que exige responsabilidade e enfrentamento por parte dos formuladores de política econômica e social.

 

*O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Rejane Gomes Carvalho é professora na instituição.



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