Economia

OPINIÃO: A ética católica e o “espírito” do capitalismo

O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


19/12/2019

Na imagem o professor Luiz Vaz



Por Luís Vaz de Campos Moreira Tourinho

 

Tornou-se senso comum afirmar que o Brasil e outros países da América Latina são “atrasados” economicamente por conta da colonização empreendida por países católicos (no caso, Portugal e Espanha). Já os EUA teriam como origem de seu “sucesso” o protestantismo puritano, com aquela velha história dos Pilgrims embarcados no Mayflower.

 

Esta tese foi inicialmente criada pelo sociólogo Max Weber em sua obra A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo (publicado entre 1904 e 1905). O que poucos sabem, principalmente no Brasil, é que seu colega de trabalho, amigo e também membro da Escola Historicista Alemã, Werner Sombart, publicou um livro intitulado O Burguês (1913) para refutar a tese de seu colega. A obra foi tão devastadora que Weber teve de reescrever o seu livro em 1920 (nesta edição que ele colocou aspas na palavra Espírito do título). A tese de Sombart afirma que a figura central do capitalismo, o burguês, já existia desde o final da Idade Média e que o modo de produção capitalista já estava em pleno funcionamento muito tempo antes do surgimento da Reforma Protestante, principalmente nas cidades italianas (vide Veneza, Gênova etc.) e nos Flandres (atual Bélgica e parte da Holanda). A fraca tese de Weber foi “ressuscitada” graças a um professor de Harvard, o sociólogo Talcott Parsons (o mesmo que propagou a “santíssima trindade” da Sociologia: Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber), décadas depois e que a academia brasileira aderiu integralmente.

 

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a perda de credibilidade da ideologia do progresso, originada no Iluminismo do século XVIII e fortalecida durante todo o século XIX, surgiram alguns trabalhos historiográficos que tivessem menos preconceito contra a Idade Média e a Igreja Católica de um modo em geral (a Escola dos Annales é um forte exemplo). O belga Raymond de Roover, a britânica Marjorie Grice-Hutchinson e o austríaco Joseph Schumpeter, mesmo sem se conhecerem, fizeram grandes descobertas sobre o pensamento econômico dos escolásticos (pensadores ligados à Igreja Católica da Baixa Idade Média até o final do século XVIII).

 

A partir destes estudos, reconheceram a existência de uma escola de pensamento que denominaram como Escola de Salamanca (com as novas pesquisas modificaram o nome para Escolástica Ibérica ou Escolástica Tardia, dependendo do autor). Esta escola girava em torno principalmente da Universidade de Salamanca (Espanha) e era composta principalmente por teólogos dominicanos, e posteriormente jesuítas, nos séculos XVI e XVII (lembrando que o século XVI é conhecido como o século de ouro da Espanha). Podem-se citar os nomes de alguns membros famosos desta escola como Francisco de Vitória (o fundador), Domingo de Soto, Martin de Azpilcueta, Tomás de Mercado, Luís de Molina, Francisco Suárez e Juan de Mariana.

 

A Escola de Salamanca discutiu sobre várias áreas, inclusive o que poderia ser denominada hoje de Ciência Econômica. Algumas contribuições foram: refinamento da teoria subjetiva do valor (utilizada pela Economia de forma hegemônica desde o final do século XIX); elaboração da teoria quantitativa da moeda; demonstração da importância do comércio e dos comerciantes; superação do problema da usura (a condenação da usura não surgiu no ambiente católico, mas sim desde a Antiguidade); defesa da superioridade da propriedade privada frente à propriedade comunal; explicação sobre os efeitos nocivos da inflação etc.

 

Nas últimas décadas a corrente de pensamento que mais difunde a importância da Escola de Salamanca (ou, melhor, da Escolástica Tardia) à história do pensamento econômico é a Escola Austríaca de Economia, inclusive no Brasil. O material publicado em português é escasso, mas já temos alguns clássicos sobre o assunto, como os livros Fé e Liberdade: O pensamento econômico da escolástica tardia, do economista argentino Alejandro Chafuen, e Dos Protoaustríacos a Menger: Uma breve história das origens da Escola Austríaca de Economia (ambos editados pela LVM Editora), do também economista Ubiratan Jorge Iorio. Além disso, esse tema foi explorado em um curso sobre a Escola Austríaca no ano de 2018 na Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA. É questão de tempo para que a verdade histórica prevaleça, e ela é favorável ao catolicismo.

 

*O artigo semanal é resultado de uma parceria entre o Portal WSCOM e o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Rejane Gomes Carvalho é professor na Universidade Federal da Bahia.

 



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