Geral

O Segredo dos Teus Olhos


22/02/2011

 Para Claude, irmã querida, aniversariante da semana, a quem ninei e cantarolei vida afora.

Quem não viu esse filme, que veja. Inspirado no romance La Pregunta de Sus Ojos, do escritor argentino Eduardo Sacheri, foi dirigido por Juan José Campanella, numa produção Argentina e Espanha, e ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2010. Interessante que no romance a palavra é pergunta, enquanto no filme, segredo. Ambas dão conta do enredo (drama, romance, policial), pois simultaneamente indagam e percorrem um grande mistério, de um crime e de escolhas feitas num passado longínquo.

Lembrei desse título de filme, para começar minha crônica, pois foi um filme que muito me emocionou, mais pelas escolhas não feitas, que propriamente pelo percurso jurídico, e também pelo fato de assim, como no filme de Campanella, os olhos são como também no filme de Walter Carvalho, A Janela da Alma!

As mulheres morrem de preocupação com o tempo, com as rugas, com a idade, com a barriga tanquinho, a papada, as escovas no cabelo, enfim… Eu também. Mas não dou um passo para mudar essa realidade. Sou preguiçosa e medrosa. E só entro em sala de cirurgia à beira da morte. Por isso , rugas, cabelos brancos e gordurinhas localizadas, não me apavoram. Tanto. Agora, os dentes fortes, os ossos duros e fluidos, os triglicerídeos no ponto, e um certo savoir fair, aí sim, tenho depressão se não estiverem nos trinques…Nada que uma manhã solar não torne a vida mais interessante.

Aí , vou no oculista fazer exame de rotina, e qual meu susto: o médico me avisa: Vejo um primeiro sinal de Catarata. Na hora me deu um surto. Pensei que ele estava a me falar das Cataratas de Iguaçu, ou até de Niágara Falls, lugar que tive o privilégio de visitar no auge dos meus 17 years old. Fiquei muda diante de tanta imensidão, digo das águas e do susto… , e me senti tão pequenina tanto frente à força das águas…., quanto ao peso daquela palavra volumosa e devastadora. Mas o meu oftalmologista não estava a falar de águas. Estava a falar dos meus olhos. E com uma simplicidade de quem fala dos coquinhos da praia. Eu, logo eu, que me achava ainda nos tempos da brilhantina…despenco dia a dia na vertigem do tempo. E das águas!

Desde pequena ouvi dizer que os meus olhos tinham lá o seu charme. Não, não me achem presunçosa ou convencida, mas ouvi isso sim, todo o tempo; algo que se tornou comum e sem maiores dramas. Tenho os olhos da minha mãe. E se os meus fazem sucesso, vocês não conhecem os da minha mãe. Quando fiquei moçinha, pintava de delineador para imitar cílios postiços que nem a top 60´s Twiggy, para dar uma leve tristeza ao olhar. Nem precisava, pois desde cedo já tinha um certo ar melancólico, às vezes… Tinha um namorado que achava-os parecidos com os de Marie Laforête, atriz francesa do filme O Sol por Testemunha. Na época eu estava mais interessada em Alain Delon…., décadas depois em Jude Law, na refilmagem do mesmo trabalho.

O meu querido maestro Pedro Santos, já regendo sinfonias lá pelos céus, foi meu chefe por uns tempos no Departamento Cultural da Educação, e me chamava de Santa Luzia, Rainha dos meus olhos…só depois vim a saber o por quê dessa santidade.

Esses benditos olhos, tinham a cor meio híbrida e mudava nos tons de burro quando foge (como dizia meu pai), mediante a luz do dia, se chovia, ou até pelas emoções. Era assim um termômetro de temperatura de minha alma e do espaço que me cercava. Também foram inspiração para artista, colegas e paixões. Revirou os olhinhos por quem valia ou não no percurso, e viram de um tudo por essa vida, minha vida. Desde a ida do homem à lua, à queda do muro de Berlim e das Torres Gêmeas à pai jogando filha pequena pela janela. Viu Hair, Um Homem,Uma Mulher, Avatar e O Porteiro da Noite, André Segóvia, Rita Lee e Arribo Barnabé. Cantou com os olhos papo firme, Roberto Carlos. Entrou nos sonhos de Amarcord, e chorou feito criança na morte de Fellini e Marcelo Mastroiani. E Elis Regina e Cássia Ellen. Se estatelou de susto e alegria diante da inexorabilidade da vida; se enrubesceu ; divagou; se aterrorizou de pânico frente às perdas; se debulhou de lágrimas em festas, chegadas e partidas. Enamorou-se; arrependeu-se; apertou os olhos para não ver certas coisas; arregalou-os diante de vulcão, trovoada; dança no parque; sono dos justos; choro dos bebês queridos. Chorou de saudade, de aflição, de emoção, de raiva, e de melancolia. Enfim…uns olhos que amarelou, esverdeou, fechou-se em copas e se abriu para à vida. Olhou. E viu. E vê. Todo dia, o dia todo.

Mas, voltando à clínica de olhos e às cataratas que não são de águas, ou melhor de águas turvas, o médico falou direitinho que, os meus olhos amarelos e que um dia foram tão nítidos, agora começam à embaçar o olhar. Processo natural do tempo . Vista cansada!? E não tem óculos nem lente de aumento que dê conta! Nem prevenção! Nem ilusão de ótica.

Agora minha nega, é abrir bem os olhos! E nada de olhos bem fechados de Kubrick . Em 2011, Só me resta ainda, que nem todos os mortais, o segredo dos meus olhos!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 17 de fevereiro, 2011



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //