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O Amor Acaba…


09/08/2011

 O Amor Acaba….

1- O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema…(Paulo Mendes Campos)

2- O amor acaba? O cara disse. Numa esquina, num domingo, depois do teatro e do silêncio, na insônia, nas sorveterias, como se lhe faltasse energia. Ele não volta? Não deixa rastro ou renasce? Na esquina em que se beijaram uma vez, lá está, na sombra apagada pela luz, na poeira suspensa, na revolta da memória inconformada. Na solidão, lá vem ele, volta, com lamento, um quase desespero, e penso nos planos perdidos, que vida sem sentido… Na insônia, o amor cai como uma tonelada de lápide, e se eu tivesse feito diferente, e se eu tivesse sido paciente, e se eu tivesse insistido, suportado, indicado, transformado, reagido, escutado, abraçado? Na sorveteria, ele volta, o amor, em lembranças. Porque aquele sabor era o preferido dela, aquela cobertura era a preferida dela, aquela sorveteria era a preferida dela, aquela esquina, aquele bairro, aquele clima, aquela lua, aquele mês, aquela temperatura, aquela raça de cachorro, aquele programa de fim de tarde e aquele horário sem planos. (O amor não acaba, Marcelo Rubens Paiva).

3- O amor acaba. Assim foi e assim será. Numa Quarta-Feira de Cinzas, num sábado de Carnaval. O amor se perde, entre o rebolado de duas passistas, debaixo da saia da baiana, o bumbo ecoando as batidas que já não vêm do coração. O amor encolhe, anoréxico, suicida-se de melancolia; acaba num átimo, de infarto – ‘tão jovem!’, dirão – ou aos poucos, pingando, em lenta e imperceptível hemorragia, pálido amor; morre de velhice, de obesidade, de preguiça; o amor desaparece, no fundo de uma gaveta entre cartas de amor e contas de luz de 1987: o amor emborola, cria fungos, amarela; acaba entre um sorriso e um soluço, no meio do filme, no cinema, no movimento da mão que busca a outra mão na poltrona, mas mão já não há; acaba no papel de bala amassado, metido no bolso: lá vai ele, tão frágil, o amor; acaba no mesmo colo de sempre, na cama, num gozo triste, na distância entre dois corpos dormentes, num cafuné estéril, cadê o amor que estava aqui? (O Amor Acaba, Antonio Prata)

O Amor acaba! Cantado por tantos versos e filmes. E por todos que um dia amaram. Esse é o assunto do filme de tão pobre tradução, que vi há algumas semanas. Blue Valentine ( a tradução literal seria algo como Namorado Triste; A palavra Blue tem significado junto à melancolia, enquanto Valentine a namorados), transformado em clichê:.Namorados para sempre…(Direção Derek Cianfrance), protagonizando Michelle Williams e Ryan Glosling. Para sempre nada existe, nem mesmo o amor. E o fim desse próprio amor, é do que trata esse filme contido, entrecortado de tempos distintos, triste, à beira de algum ataque de nervos que estão os sujeitos dessa estória amorosa, pronta para explodir. A câmera sempre próxima ao rosto dos personagens revela o desgaste causado pela convivência diária, e assuntos banais se tornam trincheiras típicas de quando o amor acaba. Nem mesmo o sexo é mais possível, e um simples toque, geral a repulsa do outro, no caso, de Cindy, que encontra na passividade a forma de escape, favorecendo assim o domínio do outro, de Dean
Toda família que se preze tem cachorro e papagaio. A abertura do filme é categórica: O cachorro fugiu e morreu; numa cena tão bela e triste que antecipa todo o resto. Frankie, a filha do casal protagonista, chama inutilmente por Meagan (o cachorro), jardim afora.

No início a surpresa de um amor à primeira vista por uma fresta de uma porta. Um encontro no ônibus; uma dançinha na calçada – sapateado meio childlike, para um observador de olhos bem abertos e completamente inebriado pela conquista. Toca a trilha de You and I.

Cenas de sexo de uma delicadeza nem por isso menos selvagem e apaixonantes. A câmera também treme, também anda, também se desequilibra, dando sempre uma sensação de que estamos sim no abismo das relações.

Cindy gosta de ler estórias românticas para sua avó, e acostumou-se a ser reticente frente ao amor. Seus pais só gritam. Uma casa em desalinho. Em desamor. Dean, é um rapaz que tem talentos sim, mas será mesmo preciso fazer algo com esse talento, quando se é feliz pintando casas, cuidando do cachorro, da mulher e da filha? Mas Cindy é médica, e já não agüenta mais nada. Está no limite, e o limite irônico de tudo é que, com a morte do cachorro, Dean tem a triste e melancólica idéia de ir em busca do tempo perdido : passar um dia no Motel, como nos velhos tempos. Mas os velhos tempos não voltam mais. E desde a primeira parada no supermercado para comprar bebida (Sim! Há de se embriagar para se lidar com a realidade!), um encontro surpresa com um homem do passado; uma decepção; um gozo fora de hora que resulta em uma gravidez antecipada e um aborto abortado, literalmente. Cindy está todo o tempo sisuda, aflita, tensa, desconfortável naquele casamento. E no motel, terá que escolher entre as suíte sugestivamente intituladas de “Amor Cupido” ou “Futuro alguma coisa”. Ora de cupido nada mais resta, amor então?! Por exclusão sobrou o Futuro, já apontando pela falência de um futuro que não mais existe.

E nesse ar futurista-sem-futuro os dois amantes tentam, ou melhor Dean tenta retomar o fogo mais que morno dessa paixão inexistente. E o que temos é violência, bebedeira, mágoa, e um sono interrompido.

Todas as cenas do final do amor são entrecortadas com as do início: uma gangorra entre o fio da meada de sedução e rejeição todo o tempo; encontros e silêncios retumbantes, trazendo um sentimento de impotência perpétua em nós espectadores, capazes de nos afligirmos; nos penitenciarmos frente aos nossos próprios des-encontros e perdas amorosas. Para pontuar melhor os dois momentos, o cineasta utiliza duas câmeras diferentes, facilmente perceptíveis pela fotografia. No presente, cores pendendo para o azul, talvez para salientar essa atmosfera de tristeza que faz jus ao título. No passado, com tons mais quentes e aconchegantes, afinal o vermelho é a cor da paixão. Um dia também dançamos na Chuva com ou sem Gene Kelly! Um dia também tivemos uma noite arrebatadora! Um dia também tivemos as nossas pernas bambas! Um dia também sentimos as nossas carnes trêmulas! Um dia também amanhecemos em conchinha…Um dia também…E um dia também re-visitamos qualquer suíte comum, de um motel à beira de qualquer caminho, ao som também da nossa trilha romântica.

O Amor Acaba, como disse Paulo Mendes Campos; como vimos nos filmes O Pequeno Dicionário Amoroso ou Revolutionary Road. Implacavelmente acaba! E quase nunca sabemos o que fazer nessa hora. E jamais queríamos que o cachorro fugisse…, que a lâmpada apagasse, ou que perdêssemos de vista aquele/a por quem um dia nos encantamos.

Dean, no seu dia de fúria, está usando uma camiseta com uma águia gigante no peito. Um contraponto para o animalzinho impotente que cisca incansavelmente atrás dos votos de : na alegria e na tristeza que um dia aqueles dois fizeram tão entregues um ao outro. Cadê a sua promessa Cindy? Esbraveja! Ele, um homem que quer recomeçar. Que ama a sua família e que se satisfaz com aquilo. É pouco? Talvez, mas não tem desejos maiores nem mais profundos. Está sangrando mais do que quando foi surrado pelo tal moço que arrebatava Cindy por trás, sem respeito aos seus dias férteis.

E as coisas ditas e vividas nesses últimos tempos áridos de afeto e afogados em mágoas, o amor finalmente acaba…como todos os outros; como nos versos de Mendes Campos; ou na versão de contraponto de Marcelo Rubens Paiva; ou ainda do cronista Antonio Prata; ou ainda de tantos outros textos artísticos literários, fílmicos ou da nossa vida banal de cada dia, onde todos os dias, o amor acaba.

“…Entre o passado e o presente, existe tempo demais”
(Thiago Macedo Correa)

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa 25 de julho, 2011

Concentrado em abordar com honestidade a realidad



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