Educação

Na escola de administração de Harvard, classe social divide mais que o sexo

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20/09/2013



 Tão logo os alunos chegam, a expectativa é de que façam cheques de entre US$ 300 e US$ 400 para suas "seções", os grupos com os quais eles assistirão às suas classes de primeiro ano, se quiserem participar dos eventos sociais.

Nos últimos anos, os alunos de segundo ano vêm organizando viagens de esqui que custam mais de US$ 1.000, no inverno, enquanto outros, entre os quais os membros da "seção X", uma sociedade secreta de alunos muito ricos, gastam muito mais que isso em viagens de final de semana a lugares como a Islândia ou Moscou. Os ingressos para o baile de inverno, chamado Holidazzle, custam mais de US$ 200, nos últimos anos.

Quando Christina Wallace, hoje diretora do Startup Institute, estudou na escola de administração de empresas da Universidade Harvard (HBS), como bolsista, os colegas de classe lhe disseram que precisava gastar mais dinheiro para participar plenamente, e que a diferença entre "uma boa experiência e uma ótima experiência é de apenas US$ 20 mil".

"As classes sociais eram um fator de divisão mais forte que o sexo, quando estudei lá", diz Wallace, formada em 2010.

Em reação a uma reportagem publicada pelo "New York Times" domingo, sobre a tentativa da escola de administração de Harvard de melhorar o clima da instituição para as mulheres, ex-alunos e leitores contribuíram com exemplos e comentários.

"Um problema abrangente", escreveu um membro da classe de 2013, no site do jornal. Outra integrante da mesma classe disse ter tomado dezenas de milhares de dólares em empréstimos a cada ano para acompanhar a classe socialmente, e que nunca convidava os colegas a visitar a casa de seus pais, perto da universidade, porque não achava que fosse suntuosa o bastante.

Muitos ex-alunos de décadas passadas, entre os quais Suzi Welch, que foi editora da "Harvard Business Review", dizem que a cultura de gastos pesados relatada no artigo os espantou, especialmente a informação de que um aluno vivia em uma cobertura no Mandarin Oriental Hotel, em Boston. Quando Welch se formou, em 1988, o dinheiro importava, ela afirmou em um post no Twitter, "mas eventos de consumo conspícuo eram raros".

Um leitor que se assina como Ken H diz que nos anos 1970, o espírito na escola era totalmente igualitário, e que qualquer aluno que "exibisse dinheiro demais" teria sido alvo de desdém. "Talvez o que tenha mudado foi o país, e não a HBS", ele afirma.

O corpo discente da HBS apresenta ao menos alguma diversidade econômica, com 65% dos alunos recebendo assistência financeira, em média US$ 60 mil em bolsas para o programa de dois anos de estudo, de acordo com um porta-voz da instituição. (A anuidade da escola é de US$ 50 mil.)

A classe de 2013 incluía antigos membros das forças armadas, filhos de mães solteiras em má situação econômica e um antigo açougueiro, entre muitos outros. Mas ainda que a escola tenha realizado esforços nos últimos anos para atrair alunos com origens econômicas diversificadas, a elite mundial vem acumulando muito mais patrimônio, e a disparidade de renda está em alta nos Estados Unidos.

O resultado é uma escola que mistura alunos de meios relativamente modestos a outros muito ricos, entre os quais, nos últimos anos, os filhos de Leon Black, investidor do segmento de capital privado, e Gerald Hines, fundador de uma das maiores companhias imobiliárias do mundo, entre muitos outros. Em entrevistas, alguns alunos mencionaram a conta de Instagram de Michael Hess, membro da classe de 2013, que postava fotos em close-up de um show de Mick Jagger, de jogos de basquete do New York Knicks assistidos na beira da quadra, e de suas viagens pelo mundo.

Muitos alunos de administração de empresas de Harvard e muitos dos leitores que comentaram ficaram especialmente incomodados com a Seção X, e com a ideia de que mesmo nos limites altamente elitistas de uma das mais exclusivas escolas de gestão do país houvesse alunos riquíssimos que se segregam ainda mais.

"Há esse submundo de pessoas altamente ricas na HBS – e permita-me revelar que não sou um deles", disse Brooke Bovarsky, que fez um discurso sobre as mudanças sociais na escola, na cerimônia de graduação deste ano.

De acordo com estudantes, os membros da Seção X são em sua maioria homens e em sua maioria estudantes internacionais, da América do Sul, Oriente Médio e Ásia. São eles que organizam "as verdadeiras festas, as festas com lista realmente seleta de convidados, as férias extravagantes – e eu quero dizer extravagantes mesmo", ela disse. (Nenhum dos estudantes entrevistados admitiu ser integrante do grupo, ainda que alguns tenham admitido ter comparecido a suas festas.)

"Ouvi mais de uma vez que ‘os únicos estudantes de classe média aqui são norte-americanos’", diz outro recente formando.

Ainda que seja difícil identificar dados sobre a Seção X –alguns alunos dizem não acreditar que ela exista–, ela causa enorme ressentimento no campus, a começar pelo nome. Todas as classes da HBS são organizadas em dez seções, identificadas pelas letras A a J, e o nome Seção X implica afastamento com relação à comunidade mais ampla.

"A dinâmica da Seção X realmente deteriora a união das seções", diz Kate Lewis, formanda em 2013 que trabalhou como editora no jornal da escola. Pelo final do ano acadêmico, "Seção X" se torna um adjetivo no campus para tudo que seja exclusivo, caro, e uma aluna fala de uma "dinâmica em estilo mini Seção X" em sua seção real.

Perguntado em entrevista sobre a Seção X, Nitin Nohria, diretor da escola, parecia desanimado, porque esperava que o grupo tivesse desaparecido. "Eu achava que eles estivessem à beira do fim", afirmou.

Depois de ouvir queixas de alunos, os co-presidentes da turma de 2013, Kunal Modi e Laura Merritt, trabalharam para introduzir atividades menos dispendiosas, incluindo noites de jogos, visitas de caminhões de comida e encontros para café. Eles convenceram os administradores a colocar móveis de jardim nas áreas abertas do campus, para que os alunos tivessem mais um ambiente onde relaxar sem gastar dinheiro.

Para ajudar a retomar o controle da cultura da escola, Thomas Peters, co-autor de "In Search of Excellence" e palestrante na HBS, bem como crítico frequente das escolas de administração de empresas, sugeriu que a universidade adote uma norma simples para admissão: qualquer pessoa que provenha de um ambiente altamente privilegiado precisaria ter realizado algo de valor social significativo para ser admitida.

"Se você tem 27 anos e tem muito dinheiro, teve tempo suficiente para fazer alguma coisa", Peters disse, acrescentando que ele e seus amigos da escola de administração da Universidade Stanford, nos anos 1970, eram todos veteranos de guerra. "Por que não ter algo assim claramente definido nos critérios de admissão?"

De sua parte, os alunos sugerem que a escola utilize seus vastos recursos – seu fundo de capital tem mais de US$ 2 bilhões sob administração – para fornecer auxílio financeiro para atividades extracurriculares básicas, tais como eventos das seções.

Como diretor, Nohria é conhecido por promover conversas francas sobre questões sociais, mas é difícil dizer se a HBS um dia montará um esforço real para resolver as questões relativas a classes sociais no campus, como faz com relação às questões de sexo.

Muitos dos principais doadores e ex-alunos da escola são parte da mesma cultura endinheirada que alguns alunos criticam. E porque muitos alunos estudam nas escolas de gestão com a esperança explícita de criar uma rede de contatos influentes, tendem a temer causar ofensa, especialmente a colegas ricos de estudo que um dia podem lhes oferecer contatos e financiamento.

"O mais importante a extrair dos comentários a esse post é que ninguém está assinando com o nome real", escreveu um membro da classe de 2013 no site do "New York Times", mencionando o medo de que expressar opiniões fortes "possa limitar as opções futuras".

"Sem opiniões fortes e apaixonadas, é improvável que algo mude na HBS em curto prazo".



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