Política

Ministro Luiz Fux, do TSE, rejeita recurso e confirma inelegibilidade de Raoni M

Eleições 2014


20/09/2014

O vereador de João Pessoa, Raoni Mendes (PDT), candidato a deputado estadual sofreu novo revés jurídico. Desta vez, foi no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro Luiz Fux, relator do processo de inelegibilidade do pedetista, rejeitou recurso e manteve a decisão do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), que o tornou inelegível.
A decisão foi em concordância com o Ministério Público Eleitoral (MPE).

“Da leitura do acórdão, percebe-se com meridiana clareza que não há de se cogitar ofensa ao princípio da anterioridade, porquanto o TRE/PB não se distanciou do que fora decidido pelo Supremo Tribunal Federal, nos precedentes citados (ADCs nº 29 e nº 30). Muito diversamente, restou assentado que a Lei Complementar nº 135/2010, justamente porque se está diante de registro de candidatura formalizado para as eleições de 2014, e não de 2010, pode – e deve – ser aplicada. Trata-se, à evidência, e como salientado em meu voto, de hipótese de retroatividade inautêntica ou restrospectividade, perfeitamente admitida na jurisprudência pátria, que apenas e tão somente estabelece limitação prospectiva ao jus honorum com base em fatos já ocorridos”, diz trecho do voto apresentado pelo ministro.

De acordo com o MPE, Raoni tem uma condenação, já transitada em julgado, por excesso de doação na eleição de 2010. Ele foi enquadrado na alínea P, da Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade pelo prazo de oito anos para os que forem condenados por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral.

A impugnação do parlamentar ocorreu por uma doação ilícita no valor de R$ 900,00 para o então a campanha do então candidato a governador Ricardo Coutinho (PSB), nas eleições de 2010.

“Não bastasse, observo que a apresentação de declaração de imposto de renda retificadora neste feito não altera o quadro fático-jurídico causador da inelegibilidade, a ser aferido na representação eleitoral já atingida pelo trânsito em julgado”, detalha o ministro Fux.

Confira a decisão na íntegra:

DECISÃO

EMENTA: ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. DOAÇÃO ELEITORAL ILEGAL. ART. 1º, I, P, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. ULTRAJE AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. SITUAÇÃO FÁTICO-PROBATÓRIA ATINGIDA PELA COISA JULGADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Cuida-se de recurso ordinário interposto em face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, que, por unanimidade, julgou procedente a impugnação e indeferiu o pedido de registro de candidatura de Raoni Barreto Mendes ao cargo de Deputado Estadual, nas eleições 2014. Eis a síntese dos fundamentos expendidos, verbis (fls. 435):

¿Ação de impugnação ao Registro de Candidatura. Eleições 2014. Deputado Estadual. Condenação transitada em julgado por excesso de doação. Inelegibilidade. Alínea “p” da LC 64/1990.

Configuração. Procedência. Indeferimento do pedido de registro.

– O STF assentou que aplicação das causas de inelegibilidade instituídas ou alteradas pela LC nº 135/2010 a fatos anteriores à sua vigência não viola a Constituição Federal.

Caso concreto em que o fato que gerou a inelegibilidade ocorreu nas eleições de 2010, após a edição do mencionado dispositivo.

– Registro de candidatura não é o meio hábil a se discutir eventual nulidade ocorrida em representação por excesso de doação.

Representação que seguiu o rito do artigo 22 da LC 64/1990 e, portanto, apta a gerar a inelegibilidade da alínea “p” do artigo 1º, I, da mesma Lei.

– A apresentação de declaração de imposto de renda retificadora não tem o condão de desconstituir sentença judicial transitada em julgado.

– Inelegibilidade reconhecida. Procedência da impugnação. Indeferimento do pedido de registro.”

No recurso de fls. 442-464, interposto com base no art. 121, § 4º, III, da Constituição da República¹ e no art. 51, I, da Resolução-TSE nº 23.405/2010², o Recorrente aponta desrespeito ao art. 16 da Constituição da República³ e ao art. 22 da Lei Complementar nº 64/19904.

Assevera que, ¿como as doações eleitorais realizadas pela parte Recorrente, em prol do atual Governador Ricardo Vieira Coutinho, aconteceram no ínterim de julho a outubro de 2010, ou seja, no mesmo ano da publicação da LC nº 135/2010, seus efeitos não alcançam o ato de doar, o que impossibilita sua aplicabilidade nesta oportunidade” (fls. 444).

Aduz que, ¿no caso, o rito de tramitação da representação foi distinto do previsto em lei, para apuração da infração de doação supostamente irregular, que acabou imputando a condição de inelegível à parte Recorrente” (fls. 445). Sustenta que ¿o procedimento previsto no art. 22 da LC 64/90 não se consubstancia como uma opção do aplicador: sua observância é obrigatória” (fls. 445) e alude a precedente deste Tribunal para amparar o alegado. Conforme argumenta, ¿o art. 22 não prorroga a competência do Corregedor, mas se lha atribui por lei. E, obviamente, tratando de competência absoluta, é inderrogável, não podendo ser deslocada para o juiz eleitoral de primeira instância, como feito no procedimento invectivado” (fls. 449).

Defende, ainda, que ¿a representação, portanto, é ação de caráter condenatório, que não versou sobre a inelegibilidade, mas, via rito sumário, apenas sobre a aplicação de multa, por uma doação feita, supostamente, acima do limite permitido em lei. Permitir que este processo produza inelegibilidade é permitir a restrição sem o devido e adequado processo legal” (fls. 457).

Afirma, por fim, que a apresentação de declaração retificadora de imposto de renda constitui fato superveniente, apto a alterar a situação fático-jurídica causadora da inelegibilidade.

Requer o provimento do recurso, para julgar improcedente a impugnação e deferir o registro de candidatura de Raoni Barreto Mendes.

O Recorrido apresentou contrarrazões a fls. 467-479, por meio das quais defende o acerto da decisão fustigada.

A Procuradoria-Geral Eleitoral manifesta-se pelo desprovimento do recurso (fls. 485-488).

É o relatório. Decido.

Ab initio, assento que o presente recurso foi apresentado tempestivamente.

No caso em comento, questiona-se, inicialmente, se o princípio da anualidade eleitoral, encartado no art. 16 da Constituição da República, incide (ou não) às hipóteses de condenação por excesso de doação ocorridas nas eleições de 2010.

Segundo o Recorrente, “os efeitos da dicção da alínea `p¿ do art. 1º, I, da LC 64/90, haja vista a alteração perpetrada pela LC 135/2010, só podem atingir as doações, todas irregulares, que aconteceram a partir de 04 de junho de 2011, haja vista o princípio da anualidade estatuído pelo art. 16 da CF/88.”. Em sentido oposto, o Parquet eleitoral defende que o acórdão hostilizado não vulnera o art. 16 da CRFB/88, aduzindo que “o STF, em verdade, entendeu que a LC nº 135/2010 não deveria ser aplicada aos processos de registro de candidaturas nas eleições de 2010, sob pena de violação ao princípio da anualidade, pois, tendo sido editada em 4 de junho daquele ano eleitoral, quando já estabelecido todo o contexto de possibilidades e de estratégias pelos candidatos e partidos políticos concorrentes ao pleito, a consideração das novas regras já em 05 de julho daquele ano implicaria afronta ao art. 16 da CF/88.”.

Bem delimitada a controvérsia e identificadas as alegações em confronto, quanto a este pormenor, passo a decidir. E, antecipo, penso que assiste razão ao Ministério Público Eleitoral.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal assentou, quando do julgamento do RE nº 633.703, já sob a sistemática da repercussão geral, a não aplicabilidade da Lei Complementar nº 135/2010, cognominada Lei da Ficha Limpa, às eleições de 2010, com espeque no princípio da anualidade eleitoral, previsto no art. 16 da Lei Fundamental 1988. É dizer: o Plenário da Suprema Corte entendeu que a disciplina normativa de inelegibilidades instituída pela LC nº 135/2010 afetava a dinâmica do processo eleitoral a menos de um ano da realização do pleito, motivo por que não deveria incidir nos registros de candidatura daquela eleição.

Por outro lado, nos autos das ADCs nº 29 e nº 30 5, ambas de minha relatoria, o Supremo Tribunal Federal, conquanto tenha chancelado a tese segundo a LC nº 135/2010 não se aplicaria ao prélio eleitoral de 2010, reconheceu a compatibilidade das alterações feitas perpetradas pelo legislador ordinário com a Carta de 1988, não vislumbrando, dentre outros aspectos, ultraje ao princípio da irretroatividade das leis, do direito adquirido e da coisa julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI). Consectariamente, no entender da Corte, as inovações introduzidas pela Lei da Ficha Limpa alcançaria atos e fatos ocorridos antes de sua vigência.

In casu, a Corte Regional Eleitoral da Paraíba asseverou (fls. 438-441):

¿É de conhecimento geral que o Supremo Tribunal Federal entendeu que as alterações produzidas pela Lei 135/2010 não se aplicavam para as eleições de 2010. Fundado nesta decisão, o impugnado pretende que suas doações ilegais a candidatos, ocorridas em 2010, não possam ser consideradas, hoje, como causa de sua inelegibilidade.

Em verdade, o impugnado tenta afastar a aplicação das alterações advindas da Lei 135/2010 a fatos ocorridos antes de sua eficácia, questão que foi sim resolvida pelo Supremo Tribunal Federal, mas em sentido contrário às suas pretensões.

[…]

Desta forma, considerando que não estamos lidando com registro de candidatura para as eleições de 2010, mas tratando de pedido de registro para as eleições de 2014, não há que se discutir a vigência das alterações da LC 135/2010 para as eleições deste ano, inclusive alcançando fatos ocorridos antes mesmo de sua vigência. O regime jurídico das inelegibilidades é aquele vigente no momento do pedido de registro.

[…]

Afasto, portanto, a alegação de violação ao princípio da anualidade da lei eleitoral.

[…]

Assiste razão ao impugnado apenas quando destaca que a inelegibilidade prevista na alínea `p¿ do artigo 1º, I, da Lei Complementar 64/1990 pressupõe a adoção, na representação por excesso de doação, o rito previsto no art. 22 da mesma Lei. […].

[…]

Ressalte-se, porém, que esta discussão veio a tona porque, na ausência de previsão legal expressa, alguns Tribunais adotaram o rito mais célere do artigo 96 da Lei 9.504/1997 para as representações por excesso de doação. Não foi este, porém, o entendimento deste Regional que sempre adotou o rito do artigo 22 da Lei Complementar 64/1990.

Portanto, falta razão ao impugnado quando sustenta que tal rito não foi adotado na representação que restou por lhe condenar, conforme facilmente se observa na cópia da referida representação, que se encontra acostada aos autos.

[…]

Se tivesse havido qualquer nulidade durante o processamento da representação quanto ao rito expressamente adotado, certamente não poderia ser discutida nestes autos e sim, aventada nos autos da representação já transitada, sendo certo que, sobre isto, sequer houve qualquer irresignação.

De toda sorte, ainda que eventual descumprimento do rito estabelecido pudesse servir ao impugnado nestes autos, necessário ressaltar que não houve apenas adoção formal do citado rito na dita representação. A análise dos autos permite concluir que ele foi efetivamente obedecido no processamento da representação.

[…]

Com a devida vênia a tese lançada na contestação, é cediço e ausente de dúvidas que a adoção do rito previsto no art. 22 da Lei Complementar 64/1990 não implica na prorrogação da competência do corregedor. Rito é uma coisa, competência é outra.

Várias são as ações que seguem o citado rito e, mesmo processadas perante este Tribunal, não atraem a competência do corregedor. Cito, por exemplo, as representações específicas que são de competência dos juízes auxiliares deste Tribunal e seguem aquele rito.

[…]

O dispositivo é claro, a inelegibilidade da alínea `p¿ do artigo 1º, I da LC 64/90 decorre da condenação por órgão colegiado, sendo certo que, sobre o impugnado, ainda pesa esta condenação independente de sua situação com a receita federal ou de eventual pagamento da multa que lhe foi imputada.”

Da leitura do acórdão, percebe-se com meridiana clareza que não há de se cogitar ofensa ao princípio da anterioridade, porquanto o TRE/PB não se distanciou do que fora decidido pelo Supremo Tribunal Federal, nos precedentes citados (ADCs nº 29 e nº 30). Muito diversamente, restou assentado que a Lei Complementar nº 135/2010, justamente porque se está diante de registro de candidatura formalizado para as eleições de 2014, e não de 2010, pode – e deve – ser aplicada. Trata-se, à evidência, e como salientado em meu voto, de hipótese de retroatividade inautêntica ou restrospectividade, perfeitamente admitida na jurisprudência pátria, que apenas e tão somente estabelece limitação prospectiva ao jus honorum com base em fatos já ocorridos.

Rejeito, portanto, a tese de que o acórdão vergastado violou o art. 16 da Constituição de 1988 (princípio da anterioridade eleitoral).

Na sequência, o Recorrente articula a inidoneidade do procedimento adotado na espécie para ensejar a atração da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea p, da LC nº 64/90. Em apertada síntese, aduziu que, nas hipótese de doação irregular, o procedimento aplicável, para fins de declaração de inelegibilidade, é aquele instituído pelo art. 22 da LC nº 64/90, ao passo que, in casu, segundo alega, teria sido aplicado o rito sumário do art. 96 da Lei das Eleições. Mais uma vez, não merece abrigo à alegação do ora Recorrente.

É que, ao contrário do que sustentado nas razões recursais, o rito aplicável foi verdadeiramente o art. 22 da LC nº 64/90, e não o do art. 96 da Lei das Eleições. E a prova cabal disso é o mandado de citação, acostado a fls. 104, quando o então Representado, ora Recorrente, foi citado para responder ao processo com espeque no art. 22 do Estatuto das Inelegibilidades, bem assim na Resolução nº 23.193/2009 deste Tribunal Superior Eleitoral.

Diante disso, não mais subsistem as argumentações propugnadas pelo Recorrente no sentido de que a aplicação do rito sumário do art. 96 da Lei nº 9.504/97 tolheu o exercício das garantias processuais fundamentais, nomeadamente a ampla defesa e o contraditório. Ao revés, a aplicação do rito do art. 22 da LC nº 64/90 franqueou ao Representado amplo elastério probatório (e.g., prazos mais dilatados para contestar e recorrer, diligências probatórias), o que, a rigor, sequer encontrava, à época, lastro normativo. Oportuno registrar que o fato de ter-se procedido à oitiva de apenas uma testemunha não inquina de nulidade o processo, porquanto, para a formação da convicção do magistrado, restou necessária a produção de provas documentais – o que se justifica pela própria essência do ilícito de doação irregular para campanhas eleitorais.

Não bastasse, observo que a apresentação de declaração de imposto de renda retificadora neste feito não altera o quadro fático-jurídico causador da inelegibilidade, a ser aferido na representação eleitoral já atingida pelo trânsito em julgado. Mais: quanto a este aspecto, a ocorrência do fenômeno da preclusão é inquestionável, máxime porque deveria ter sido suscitada em momento oportuno, e não após o trânsito em julgado do referido processo – verificada em 21.06.2013.

Ex positis, nego provimento ao recurso ordinário.

Publique-se.

Intime-se.

Brasília, 15 de setembro de 2014.

MINISTRO LUIZ FUX

Relator



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