Geral

In Search Of Our Mother´s Garden


08/03/2011

 Women: exquisite butterflies trapped in an evil honey, toiling away their lives in an era, a century, that did not acknowledghe them, except as “the mule of the world.” (Mulheres: borboletas requintadas, que são pegas numa armadilha doce do mal, labutando suas vidas numa era, num século, e que não as reconhece, exceto como as “mulas do mundo”.) Tradução livre texto “In Sesarch of Our Mother´s Garden, de Alice Walker.

Este é o título de um ensaio autobiográfico da escritora americana Alice Walker, mais famosa por seu romance A Cor Púrpura, que traduzindo ao pé da letra seria: Em Busca dos Jardins das Nossas Mães. Ensaio esse onde Walker explora as dinâmicas do empoderamento que a própria autora percorreu, através do seu próprio matrilineage, ou seja da herança/linhagem materna.

Adoro casas com jardins. E começo apreciando seus moradores, principalmente pela capacidade que eles tem de cuidar das suas plantas, jardins, e conseqüentemente da beleza. Indo mais além, inesquecível os jardins da General Lives (Vida Cotidiana), da relíquia arquitetônica e histórica, Alhambra, em Granada-Espanha, ou simplesmente as flores dos parques Londrinos durante a primavera: St. James Park e Hyde Park no outono também, são uma atração à parte.

No quesito jardim sou um verdadeiro fracasso. Lembro que quando vim morar no Bessa (há exatos 25 anos), fiz de um tudo para me cercar de plantas, flores, jardins. Plantei frutas, Espadas de São Jorge, Boa Noites roxinhas, crótons, coqueiros, cajueiro, heras, grama, até um pé de tamarindo, um dia foi plantado. Sem falar num Flamboyant espetacular, que deixava minha calçada eternamente vermelha. Também tive meus ataques de horta, e lá se foram pés de manjericão, alecrim, coentro, cebolinha, para deixar meu terraço assim, mais temperado…Um dia, também me seduziram para sermos mais hippies e felizes, com um sonho de uma plantação de feijão Azuki e de pepinos. Sei, até hoje, a quantos pepinos se constroem uma relação. Santa inocência da minha parte!

Não conto as vezes que fui em casas de amigos e parentes, e vinha com o carro abarrotado de mudas, galhos, perdida em ataques jardineira. Estrumes, terra preta, areia vegetal, tudo povoava meu cadilac, para que eu tivesse um jardim. Ou quintal. Mas, não sou uma jardineira nata, e aguava pouco as plantas, não cavucava as ervas daninhas, e conseqüentemente, tudo encruava. Secava. E sem frutos. Ao contrário da minha mãe que mora em apartamento, e que, em cada quina é povoada por cada jarrinho, cada trepadeira e tudo é motivo para uma nova plantinha. Meu pai também gostava de se acocorar no jardim. Ficava horas em posição de lótus, agachado na sua magreza, mergulhado nos seus instintos mais profundos. Sim, porque dizem os entendidos (psicólogos ou sensitivos) que, mexer na terra, no jardim, é mexer nos instintos profundos. Eu que devo de ser shallow e não saber o que é isso…Mas, bem que fiz alguns exercícios para entrar em contato com tais forças. As espadas de São Jorge que não me deixam mentir!

Os Dicionários de Psicologia também atestam que o jardim é um símbolo da ordem, da cultura e da consciência, em oposição à floresta, que do perigo e demarcação ilimitada, tange à desordem, à natureza e o inconsciente. Então está, tudo explicado: Estou mais próxima da floresta, é isso?? E Freud explica a minha incapacidade jardineira, já que o meu caos interno não deixa espaço para nem uma Benedita da cor púrpura.

Pois bem, ao ler o Ensaio de Alice Walker pela primeira vez, há alguns anos, me emocionei tanto, que misturei minhas lágrimas às suas palavras. Ano passado, ao re-ler para meus alunos, mais lágrimas. Água salgada pela sabedoria da autora, sua profundidade ao falar do percurso e da herança das mulheres negras do Sul. Walker inicia seu texto fazendo referência ao poeta Jean Toomer, que em suas andanças pelo Sul nos anos 20´s descobriu que: “Black women whose spirituality was so intense, so deep, so unconscious, that they were themselves unaware of the richness they held. They stumbled blindly through their lives: creatures so abused and mutiliated in body, so dimmed and confused by pain, that they considered themselves unworthy even of hope.” (As mulheres negras, cuja espiritualidade era tão intensa, tão profunda, tão inconsciente, que elas próprias não tinham consciência da riqueza que possuíam. Permaneciam cegas através das suas vidas: criaturas tão abusadas e mutiladas nos seus corpos, tão nebulosas/sombrias e confusas pela dor, que não eram merecedoras nem mesmo de Esperança- Tradução Livre).

E nesse limbo de abstração de valor, os seus corpos eram mais que objetos sexuais, mas até que meras mulheres; elas se tornavam Santas. E Walker se pergunta quem seriam essas Santas, essas mulheres, loucas e pobres coitadas? E ela mesma responde, sem sombra de dúvida, elas eram as nossas mães, as nossas avós. Algumas que seguiam à música, e não ainda à escrita. E essas mulheres possuíam principalmente a arte da espera. Esperavam o dia em que algo explodisse, ou fosse revelado, mesmo que já estivesses mortas, quando esse dia chegasse.

Em seguida, Walker rebate a idéia da santidade dessas mulheres. Elas não eram Santas, diz, mas Mulheres Artistas. Eram criadoras, por conta da espiritualidade tão rica; espiritualidade essa, a base de qualquer Arte. Mas se perguntava: como essa criatividade da mulher negra conseguiu sobreviver de forma tão vívida e profunda, uma vez que seu cotidiano era um mergulho no fazer biscoitos, ou parindo tantos filhos, numa época em que ler ou escrever para os negros na América, era considerado um crime a ser punido. Tão pouco se tinha liberdade para exercer qualquer diletantismo artístico: pintar, esculpir, ou expandir a mente com ação. A saída foi cantar, e ela cita as cantoras de Jazz, Soul, e Gospell (Billie Holiday, Nina Simone, Aretha Franklin).

Walker reforça a citação de que as mulheres negras foram identificadas como as mulas do mundo, ou seja, carregando o fardo do que ninguém, mas ninguém mesmo, suportaria carregar, e foram chamadas de forma pejorativa de matriarcas, super-mulheres, e putas más e traiçoeiras. Lembrei do filme Coisas Belas e Sujas, onde os imigrantes nos arredores de Londres, invisíveis à sociedade Britânica, lá pelas tantas gritam de revolta: “Nós somos aqueles que fazemos o que vocês se recusam a fazer”.

No seu ensaio de título tão poético, Walker recorre à experiência de sua mãe e avó, mulheres que tinha um dia cheio e pesado, sem nenhum tempo livre, e por isso mesmo deveriam ter um segredo, tanto pela resistência, como pelo fato de nunca perderem o entusiasmo, ou espírito criativo, não importando o quão mutiladas se sentissem. E como poderiam ter um segredo de tanta resistência, já que essas mulheres não tinham tempo de alimentar tal espaço lúdico de que tanto falou Virginia Woolf nos seus ensaios Professions for Women, e Women and Fiction. Textos esses referidos por Walker também.

E ela afirma que, a resposta é simples, e não está lá em cima em alguma idealização, mas cá em baixo, no lugar comum das mulheres anônimas: “Gosto das Mulheres , do seu anonimato”!, disse também Woolf em Um Teto todo Seu. Um anonimato que pudesse deixar uma marca, seja lá onde fosse, em algum lugar possível. Como não fazer referência ao também artista, tão louco e tão marginalizado assim como as mulheres negras, Bispo do Rosário, que deixou sua marca como pode, nos labirintos da sua loucura, em todo pedaçinho de coisa que encontrasse nas paredes das suas prisões físicas e imaginárias.

O segredo dessas mulheres, de acordo com Walker, estava sobretudo no amor. No caso da sua mãe, no amor pelas flores do seu jardim. Não era só cuidado em aguar, cortar a grama, preparar canteiros, replantar sementes, cortar ramas. Tudo dá, quando se planta com amor, já diz o ditado popular. E o plantar da sua mãe era recheado de mágica, tamanha era a sua criatividade. E assim a pobreza ficava em segundo plano. Ou vista através de uma tela de memória de girassóis, rosas, petúnias, verbenas dálias, e tantas outras. E ela diz: “Eu notava que somente quando minha mãe estava trabalhando com suas flores é que ela era radiante, quase ao ponto de se tornar invisível – exceto como Criadora: mão e olho. Ela se envolvia no trabalho também com sua alma. Por ordem no universo numa imagem da sua concepção pessoal da Beleza. Sua face, enquanto preparava a Arte que era seu dom, é um legado de respeito, por tudo que ilumina e exala da vida….Para ela…, ser uma artista ainda era uma parte diária da sua vida. (Tradução livre)”

Vale aqui também a referência a alguns filmes que falam desse fazer doméstico e artístico feminino: Gabeth, Colcha de Retalhos, Adoráveis Mulheres, e tantos outros. Também sugestivo ler o manifesto irônico e irreverente das Guerrilla Girls ( Um Grupo de artistas/feministas radical, de Nova York, atuando desde 1985, atuando em performances e outras formas criativas de como intervir na cultura, para expor assim a discriminação e corrupção contra às mulheres).

No texto, As Vantagens de Ser uma Artista Mulher, as Guerrillas defendem: Trabalhar sem a pressão do sucesso; não ter que estar em shows com os homens; não ter que passar pelo vexame de ser chamada de Gênio; ver suas idéias sobreviverem através do trabalho dos outros; ter a chance de escolher entre carreira e maternidade; saber que sua carreira pode deslanchar depois dos oitenta; ter mais tempo para o trabalho depois que seu parceiro lhe trocar por alguém mais jovem… e outras vantagens caricatas ao extremo.

Lendo esse ensaio de Alice, entendi por que meu quintal nunca conseguiu florescer. Como uma mulher do meu tempo, e nem do Sul nem do Norte, e de espírito mais do asfalto, talvez me faltasse o amor e a calma necessária da entrega às plantas e flores. Sou pouco afeita à tais afetos. Talvez me faltasse o altruísmo a esse gift que não é para todas as mulheres. Assim como os jardins não são para todas, tão pouco o é a maternidade. A diferença/diversidade entre nós mulheres, sempre foi e será nosso segredo explícito e vantagem maior. Mas, se posso dizer que também exerço esse fazer criativo que me enleva à uma espiritualidade feita e re-feita da matéria das palavras, esse espaço é aqui, o espaço do texto, das crônicas semanais, que há tantos anos exercito em frente á uma página/tela em branco. Sim! Também sou criativa na cozinha e no humor. Afinal, não se pode ter tudo nessa vida, e o meu jardim e quintal, continuam desorganizados, assim como a própria dona. Bulbos, ora bolas!

Que sejamos todas criativas e mulheres artistas, mesmo nos afazeres simplórios, mas não tanto: fazer um cuscuz por exemplo, pode sim, ser um ato revolucionário, de resistência, ou simplesmente um ato de amor.

Feliz Dia Internacional da mulher, que numa feliz coincidência juntou mulher e carnaval. Não tanto às bundas e peitos à mostra assim, mas com direito à outras fantasias. (Conferir texto de Rosiska Darcy de Oliveira, Estado de São Paulo de 6/Março- “Fantasias Masculinas”).

Ana Adelaide Peixoto Tavares
Doutora em Teoria da Literatura (UFPE)
Professora Adjunta do Depto. De Letras Estrangeiras Modernas-UFPB
João Pessoa, 8 de março 2011.



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