Geral

Férias & Baía Formosa


11/01/2011



Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas.
E me encantei.

…que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc.
Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

(Manoel de Barros)

Outro dia, assistindo a um documentário sobre o poeta do Brasil Central, Manoel de Barros, fiquei enternecida com aquele homem tão simples e de versos singelos e únicos, a dizer que não sabia fazer nada na vida e o que mais gostava era ficar à toa. Identificação instantânea! Por favor não me julguem arrogante, estou só comparando ao não saber fazer nada e ficar à toa…., infelizmente não sei fazer versos, ainda…

Sou desse tipo de gente que, pelo menos acha que, não sabe fazer nada. Falo de ter uma aptidão para fazer coisas em casa, ou fora dela, ser prática, objetiva, resolver algo logo logo. Por isso, sempre gostei tanto das férias, pois aí ficava livre de tudo quanto era trabalho, e me entregava ao ócio. Mas , nesses últimos dois anos mais precisamente, constato que já não sei tirar férias. Claro que continuo amando viajar; falo de férias dentro de casa. Pois desde o primeiro dia das benditas férias que a agenda de coisas aumenta. E para meu espanto, vejo que já não sei fazer de outra maneira, pois paradoxalmente descobri que durante o ano, a minha vida já não é só trabalho, pois lazer e fazer estão mais juntos que antes. Um ponto para mim! E o mês de janeiro já está lotado de pedreiro, pintor, consertadores de todos os tamanhos. Mas vou ver se consigo nos intervalos, tomar uns banhos de mar, umas caipirinhas, e tirar umas siestas, e claro, inaugurar os cinemas do Mag Shopping. O pedreiro que me espere!

E nesse papo de férias, duas amigas foram para Baía Formosa para descansar, e fiquei a passar o filminho sobre a minha relação com essa praia fronteira entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte, cenário de ocupação de surfistas e amantes das andanças nos anos 80, como eu, Guilherme Faulhaber, Glauce Caldas, José Palhano, Fred Pitanga, Marcelo Souto, e tantos outros. Coincidentemente, encontrei e não o reconheci (depois de mais de 30 anos) Ricardo Madruga, eleito um dos diretores do Sebrae, também frequentador assíduo desse lugarzinho idílico; na época Ricardo Jorge. Quando nos re-conhecemos…., fiquei novamente a pensar no tempo, nas pessoas, e nos lugares. E de como o tempo ruge! Como tão sabiamente brada uma outra amiga.

A primeira vez que fui em BF, ela era uma vila de pescadores e surfistas. Chicó e Joca Moura, ainda meninos, foram alguns dos divulgadores do recanto. Como era 1980, estava numa fase de madrugadas. Saímos daqui à noitinha, mas parando em todos os botecos estrada afora. A parada para macaxeira com carne de sol em Mamanguape, era obrigatória. Resultado? Chegamos em BF, às 3 horas da manhã e nos arreamos num terraço qualquer. Para meu espanto, de manhã conheci seu dono: Jorginho Ribeiro Coutinho, gente boa e amigo de infância, que até hoje não entendeu nada daqueles hóspedes intrometidos. Era uma época ainda de Bom dia, Boa tarde, e nós não nos enfezávamos tanto com os vizinhos ou intrometidos, ou simplesmente com jovens irreverentes.

De tanto que gostávamos de ir para BF, José Caldas, pai de Glauce, construiu uma casa, para que as filhas (Glauce e Mary) e o genro (Gui Faulhaber), e nós, amigos de todas as horas, tivéssemos um lugar ao sol, em frente às pedras andarilhas de BF. E tínhamos Ieda e Décio Moura, com os filhos, namoradas, Raquel Cordeiro, Marconi Serpa e Lúcia; Valois, a poetisa Violeta Formiga (conversamos algumas vezes na beira mar); Welligton, dono da última casa, Joca Macaco, Bitu, Ana Paula (Fina Fatia), Ana Cláudia Cantizane, Cristina Klosterman, Elze Quinderé e tantos outros. Sem falar nos moradores locais: D. Regina, D. Vandete, Zé Pretinho (depois surfista e viajante).

Durante muitos anos, íamos a BF, todo carnaval, semana santa, férias, feriadões, e feriadinhos. Um ou dois bikines, um par de havaianas, uma camisola/túnica branca de renda, saiões, camisetas e tops, e pronto, a festa estava feita. Uma das fotos mais lindas que tenho, foi num fim de tarde, queimada do sol, com mecha descolorida no cabelo, Lucas pequenino nos braços. Foto do artista Gustavo Moura, habitué também das baladas em BF. Aliás, por conta de um carnaval com Lucas pequeno, tive que enfrentar diarréias infantis de verminoses, e anos mais tarde uma hepatite. BF, não era um lugar tão seguro assim, em termos de saúde pública, menos ainda para as crianças. Mas nós, jovens praieiros, tomávamos uma abacatada ou uma mangabada, de manhã cedo,e tudo se resolvia.

Em BF fui feliz. Acampei num terreno enladeirado por algumas vezes, e ficava muda olhando os surfistas; acompanhei enterro ao cemitério na beira mar; conversava com os pescadores e comprava peixe e camarão frescos. Festas com todos os malucos belezas e queridos amigos; tomava cachaça Pitu e São Paulo, com Elze Quinderé; umas poucas loucuras; Fuba e amigos a cantar nos bares locais; pão fresquinho às 4 da matina, ainda na rua….; Serenatas, Blocos de carnaval; uma caranguejeira numa noite que não dormi de medo; esticadas até a praia próxima, Sagi; e tantos outros destinos, como Pipa, que naqueles tempos, só tinha jangada e homens do mar. Lá acampei, grávida de dois meses de Lucas, saindo atrás dos caboclinhos pela beira mar. Ah! Que saudade desses carnavais.

Lembro de outra ida histórica, onde eu, Juca (ainda não meu marido, mas já meu encantador de estórias…) e mais Clélia Pereira, saímos daqui num fusca, e inventamos de ir a Bayeux no caminho, para comprar cordas de caranguejo. A turma toda da farra lá estavam a nos esperar. E viajei no banco detrás, com aqueles bichos pretos todos ouriçados…, mas na juventude, tudo é motivo de risadas e diversão. Chegando lá, tarde da noite, caldeirão no fogo, e tome baticum com os moradores do mangue. Tenho saudades dessa disponibilidade e abertura do ser jovem. Confesso que vivi. Mas confesso também que já perdi essa mesma facilidade de lidar com as férias dos dias.

Em Baía Formosa se estabeleceu Rosana Maciel, minha amiga de infância, que há quase uma década virou estrela. Fábio Peixe, ficava todo alvoroçado quando chegava de viagem e sabia que lá estávamos. Klebinho uma vez, tomou uma carraspana tão grande que, por entre redes espalhadas no terraço, confundiu-se com a porta do banheiro, e já viu né? Xixi ao acordar. E em dias de chuva? Pouco importava: bebíamos, caminhávamos, namorávamos, jogávamos, dançávamos o mais novo hit de Elba Ramalho, ou o Coração Bobo de Alceu Valença, ou ainda Pink Floyd e Dire Straits. A minha sacola para BF, vivia pronta, pois quando chegava sexta Feira que Fred Pitanga e Marcelo Souto Maior, diziam Borá? Eu já estava a caminho de Mamaguape. Pronta para o acaso. Pronta para aquele lugar mágico, lindo, ainda tão silvestre e bucólico, que me enfeitiçava, e me fazia perder todas as estribeiras e limites. Cantar e dançar era preciso!

Não saberia dizer quantas férias, dias, e viagens tive o privilégio de ter em Baía Formosa, mas foram tantos e tantos, e tão distintas circunstâncias, que os anos passaram, e nunca mais fui lá. Na década de 90 ainda fui como turista. Lembro da estrada que chegava lá como era bonita com suas pontes, e mangueiras. E lavadeiras lavando suas roupas na beira do rio. E lembro de como a vida era mais simples. Levava um shampoo, um sabonete, um óleo de urucum, um hidratante, duas mudas de roupa, uma mochila, e tudo estava perfeito para dois, cinco, ou dez dias de alumbramento .

Uma vez, passei meu aniversário lá, sozinha. Mas não gostei do silêncio no meu dia. Fiquei meio sem saber se tinha nascido, ou se tinham esquecido de mim…Hoje fico vendo como a vida ficou mais complicada. E um fim de semana tem que ter uma van para levar toda a troços necessários para os veraneios.

E como o acaso faz parte da minha vida, e da de todo mundo, acredito, minhas amigas foram passar a semana na pousada que, um dia foi de Rosana. E o ciclo da vida continua. Quem sabe vou lá esta semana, só para reviver a sensação de pegar Jacaré, e me perder nas ondas; ou de comer o peixe frito de D. Vandete; ou ainda de tomar uma com D. Regina. Os sonhos e também fantasmas ainda rondam naquele lugar, que um dia foi palco de tanta intensidade das minhas férias.

Hoje me contentarei em pintar a casa e dar uns bons mergulhos. Água salgada é preciso, inclusive para clarear o passado, viver intensamente o presente, e acolher o futuro.

E, moramos todos na Filosofia!

Boas Férias!

Ana Adelaide Peixoto João Pessoa, 9 de janeiro, 2011



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