Geral

Elisabeth Badinter & O Mito do Amor Materno


19/07/2011



 Para Lucas

A voz do ventre? Mas só hoje começamos a perceber como o desejo de ter um filho é complexo, difícil de precisar e de isolar de toda uma rede de fatores psicológicos e sociais….O amor materno pode ser incerto, frágil e imperfeito. (Elisabeth Badinter em Um Amor Conquistado – O Mito do Amor Materno)

O amor materno não é inato. É exato: acredito que ele é adquirido ao longo dos dias passados ao lado do filho, e por ocasião dos cuidados que lhe dispensamos….todos sabem que o amor não se exprime a todo momento, e que pode perdurar em estado latente. Mas se não se cuida dele, ele pode se debilitar ao ponto de desaparecer. (Um Amor Conquistado)

A Revista Veja da semana (20 julho, n.29) trás entrevista com a filósofa francesa Elisabeth Badinter (Mito do Amor Materno, Rumo Equivocado, Um é o Outro), onde fala do que sabe, mas necessariamente , a maternidade. E ela diz: “O pensamento predominante o século XXI é de que há nobreza na dor do parto e que a boa mãe é sempre aquela que sofre”.

Sou fascinada pelo tema, e pelo que a pensadora, e tantas outras (Adrienne Rich, Simone de Beauvoir, Virginia Woolf) expõem. E posso dizer que também fui uma mulher que sofri os preconceitos da sociedade sobre minhas escolhas em não ser mãe tão logo me casei. Tinha outras prioridades e anseios. Até hoje, a sociedade ainda exige, mesmo que camufladamente, que, pouco depois do casamento, o lençol simbólico seja mostrado, com o sangue e a procriação. E não engravidar de pronto das duas uma: ou se é infértil, ou algo de podre se esconde no reino da Dinamarca, digo do casal. Até hoje, algumas amigas padecem por suas escolhas: a de não querer ser mãe. E com essa escolha, a acusação de egoístas, racionais, e mais ainda, de não serem capazes de encontrarem um pai.

Bedinter critica as feministas quando supervalorizam a amamentação, a politização da maternidade, exercendo assim uma enorme pressão para que as mulheres demarquem seus territórios numa volta ao Lar, abdicando muitas vezes de uma carreira promissora e prósprera, em nome de uma demanda de “ternura e compaixão”, que segundo algumas, ainda são características que a diferenciam dos homens e fazem da maternidade, “uma extensão natural da própria natureza feminina”.

Junto com a pressão, vem a cobrança por perfeição e a luta pela poder de ser uma Mamma ou a figura simbólica da mãe, na verdade se encaixar perfeitamente numa máscara que seus rostos não comportam, ou num estereótipo de relativizar o instinto materno como algo sagrado desde então. E Badinter se intriga: “É espantoso que em um mundo tão moderno como este em que vivemos ao pareça razoável que uma mulher simplesmente não deseje ser mãe.” E o pior adjetivo para a recusa da maternidade nem são os de incompletas e carreiristas, mas as palavras e pensamentos não verbalizados, cristalizando assim, uma aura de desinformação até mesmo de caráter, para aquelas que dizem não ao tal “amor incondicional”.

Crescemos ouvindo falar desse amor acima de todos os outros. Aqui em casa, uso sempre a metáfora de que colocaria a mão na boca do jacaré! Numa alusão à uma mãe que, visitando um parque nos Estados Unidos há alguns anos, o Jacaré pegou seu caçula para lanche e o marido socorreu abrindo a boca do bicho, mas foi ela que, enfiou sua mãozinha na goela do esfomeado e arrancou seu filhote das garras do animal. Embora saiba que, botaria a mão na boca do jacaré, concordo com Badinter quando dessa sacralização desse amor, pois como ela mesma diz, um amor que é recheado de imperfeições e ambigüidades: “Mães são naturalmente imperfeitas, como é inerente à própria espécie humana.”

No seu livro mais famoso Um Amor Conquistado, O Mito do Amor Materno (1980), Badinter já apregoava que o amor materno não é instintivo como tantos proclamam, mas sim uma idéia construída. E na entrevista, ela retoma esse percurso histórico, quando relata que, só a partir do século XVIII, sob a influência do filósofo francês Jean –Jacques Rousseau, e a publicação de Emile, em 1762, se deu o primeiro e decisivo impulso para a concepção de família fundamentada no amor materno, como é hoje.

E Badinter não tem medo de criticar o pensamento das mães que põem os interesses dos filhos acima dos seus próprios desejos, o que ela chama de “equívoco historicamente determinado”, fazendo-nos acreditar que, sendo abnegadas e livrando-nos dos nossos próprios desejos, podemos produzir uma criança perfeita! Não podemos! E ela adverte para os efeitos colaterais irreversíveis dessa entrega incondicional, seja produzindo pequenos tiranos, seja nos colocando sempre em segundo plano, o que muitas vezes nos produzem uma máscara de “expressão vazia” enquanto pastoramos os filhos nos parques e jardins. Lembro de ter tido essa expressão em muitos domingos da minha vida, quando mais que solitariamente, em dias típicos de praia, churrascos, e siestas, e sem ajudantes de horas extras, via o domingo passar vagaroooosamennnnnnte nos meus arredores lentos e exauridos, onde chegava o final do dia, e nem tempo de trocar de roupa se tinha. O sorriso no rosto era preciso, até para mim mesma, para me alentar de que aquele cansaço extenuante não era nada, frente à felicidade de criar um filho. Já na época, concordava com Badinter, quando aceitava os meus limites, a minha impaciência e a minha exasperação de concluir que eu era sim, a única responsável por aquele serzinho tão inocente, pelo resto da vida. E esse tempo denominado de “Resto da Vida”, me era pesado, assustador mesmo. Badinter se pergunta qual o problema de reconhecer que não queremos passar o dia inteiro com os filhos? E ela responde que, é achar que isso significa amá-los menos”. Quanto encruzilhada! Quanta armadilha!

Para acalmar os ânimos dos homens, Badinter também fala do reflexo de tudo isso no papel dos homens nos tempos de hoje, e ela concorda que, sobrou para os homens também muita “cobrança e uma percepção ainda difusa sobre o seu real papel”. Sou adepta da visão de que, não é culpando os homens e atribuindo-lhes estereótipos de vilões todo o tempo, nem tão pouco de que somos vítimas por definição, que conquistaremos um lugar aos céus.

O que é ser uma boa mãe? Éis a última pergunta da entrevista. Badinter diz que, “não cabem modelos excludentes”. Particularmente adorei o ponto ideal ou essa corda bamba intransponível : “…as mulheres mantenham a eqüidistância entre os próprios desejos e os de seus filhos”. O danado é saber desde a hora do parto, que lugar é esse? Que danado de fio da navalha se apresenta, quando não devemos estar nem tão longe em tão perto; nem ser onipresente, nem ausente; e aceitar devagar e amorosamente de que somos sim, referências afetivas e intelectuais, imprescindíveis aos filhos.

Muita coisa para aprender, exercitar, enfrentar, acolher, recuar, reconhecer, e também não se descabelar, pois também temos que enfrentar nossos desejos, por mais sombrios que por vezes, eles possam parecer. E que venham as dores! Mas principalmente as delícias! E a consciência de que nem sempre as coisas são assim tão claras e deliciosas.

“Que os biólogos me perdoem a audácia, mas sou dos que pensam que o inconsciente da mulher predomina amplamente sobre os seus processos hormonais.” (Um Amor Conquistado)

Ana Adelaide Peixoto, João Pessoa 19 de julho 2011



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