Geral

De Virginia Woolf & Outras Saudades


05/04/2011

 Nos últimos dias, tivemos uma série de homenagens para lembrar algumas perdas grandiosas do Teatro, Cinema e Literatura.

Para mim, pessoalmente, tudo se apresentou de forma bem sincronizada. Com o início das aulas, estava a comentar meu Programa de Literatura Americana, Tennesse Williams, e sua peça mais famosa, Um Bonde Chamado Desejo. Depois a apresentar Edward Albee e seu texto: Quem tem medo de Virginia Woolf, comentar o título, e consequentemente me referir à escritora inglesa, não tive como não fugir dos filmes de Elia Kazan, de James Dean (Juventude Transviada e Vidas Amargas) e claro Elizabeth Taylor, a eterna, como publicou a revista Veja desta semana. E nesse tecer de construção de assunto, e com minhas digressões habituais, lá ia eu a citar também Richard Burton, marido de Taylor e seu companheiro em cena na peça de Albee, logo fazendo um aparte para citar o romance e adaptação para o cinema de, 1984, George Orwell, filme em que Burton rouba a cena não como o gato de botas em zinco quente, mas com uma outra bota, a da opressão do Big Brother. E de estória em estória, de personagem em personagem, real e ficcional, a aula terminou, com um leve tom de saudade.

Chegando em casa, a notícia e repercussão na TV, da morte de Elizabeth Taylor, a última das estrelas de Hollywood, e os seus famosos olhos cor de violeta. Novamente viajei na peça de Albee, do casal em ruínas, que tive o privilégio de assistir há anos no Rio de Janeiro, em montagem brasileira com a atriz brilhante, Lillian Lemmertz, quando da sua última apresentação, com direito a bolo e lágrimas, minhas inclusive.

Tomei conhecimento que março de 2011, também é celebrado o centenário de Tennesse Williams, dramaturgo americano, escritor mais encenado depois de Shakespeare. Como toda unanimidade, adoro Um Bonde Chamado Desejo, e jamais esquecerei as aulas da Profa. Letícia Cavalcanti e as frases antológicas de Blanche Dubois: “Sempre dependi da bondade dos outros.” Como também jamais tirarei os olhos das camisetas brancas sobre um corpo másculo, e aquele olhar avassalador de Marlon Brando, como Stanley, no filme/ adaptação dos bondes e dos desejos. Anos depois Almodóvar também fez sua homenagem em Tudo Sobre Minha Mãe, onde num jogo de referências, dialogava também com trilhos desse autor, do seu texto, e da personagem Blanche. A peça Glass Managerie, também era um motivo a mais para as aulas do mestrado e mergulho na obra desse monstro sagrado da era de ouro do teatro americano.

2011 também é o ano de celebrar a poetisa Elizabeth Bishop, artista que morou tantos anos no Brasil, mais especificamente em Minas, e que dentre tantos belos poemas, escreveu One Art, poema recitado no filme In Her Shoes (Em seu lugar), oportunidade para se refletir sobre relações entre irmãs; sujeitos deslocados; velhice; abandono; disputas e generosidades, sempre com o viés da comédia romântica, e com atrizes divertidas como Cameron Diaz e Toni Colleti.Teremos, eu e os alunos, bons motivos para homenagear esses artistas com: Flores para los muertos!

E finalmente, abro o jornal de domingo e constato que dia 28 de março, foi o dia de aniversário também da morte da escritora inglesa Virginia Woolf: Setenta anos do seu último mergulho. Artista que, nos últimos anos, foi inspiração constante nas leituras, nas minhas aulas, e também como objeto dos estudos do doutorado.

Ao ver o filme As Horas, e tanto tempo em contato com essa autora de obra tão vasta e importante para os estudos do romance, das escritas, e das mulheres ( Woolf foi a primeira mulher escritora a pensar uma estética da escrita das mulheres), fiquei a pensar nas suas tantas idéias precursoras, que já no início do século XX, Virginia se arvorava a defender: “ Gosto das mulheres…gosto de sua informalidade. Gosto de sua inteireza. Gosto de seu anonimato…como posso incentivá-las mais a empreederem a tarefa de viver? Nunca fizeram uma descoberta de qualquer importância…nunca sacudiram um império…as peças de Shakespeare não são de sua autoria. Qual a sua desculpa?…sem nosso trabalho, esses mares não seriam navegados e aquelas terras férteis seriam um deserto. Geramos e alimentamos e lavamos e instruímos…as obras primas não são frutos isolados e solitários; são o resultado de muitos anos de pensar em conjunto, de um pensar através do corpo das pessoas, de modo que a experiência da massa está por trás da voz isolada.”

No seu livro autobiográfico, Moments of Being, no capítulo A Sketch of the Past, Virginia, ela própria se apresentava. Já tinha a consciência do seu berço em uma classe letrada, mas também se antecipava quando sabia que somos muitas e diversas, e também da influência não só da biologia e cultura , mas principalmente das pequenas coisas e da subjetividade: “Quem sou eu…? Adeline Virginia Stephen, a segunda filha de Leslie e Julia Prinsep Stephen, nascida em 25 de janeiro de 1882, descendente de muita gente, alguns famosos, outros obscuros; nascida numa grande conexão, mas não nascida com pais ricos, mas bem abastados,mais ainda, nascida num mundo muito comunicativo, literário, escritor de cartas, afeito à visitas, articulado, e do final do século XIX”

Dentre tantos ensaios, contos, romances, diários e critica literária, seu mais famoso livro Um Teto Todo Seu, é uma referência constante nos estudos feministas, literários, enfim. Um texto que muito antes da agenda feminista do século XXI já questionava a razão da exclusão das mulheres do mundo acadêmico: “…somente os fellows e os estudantes têm permissão de estar aqui; meu lugar é no cascalho…”; da pobreza feminina enquanto perambulava sob os chorões das universidades de Cambridge e Oxford: Que força estará por trás da louça simples em que jantamos, da carne de vaca do creme e das ameixas secas?” ou ainda quando tristemente constatava: “O que estavam fazendo nossas mães que não tiveram nenhuma riqueza para nos legar?”

Quando teorizava sobre ficção dizia: A ficção é como uma teia de aranha, muito levemente presa, talvez, mais ainda assim presa à vida pelos quatro cantos; ou quando pensava a criação artística ia além: é em nosso ócio, nos nossos sonhos, que a verdade submersa às vezes vem à tona”. E dizia com muita propriedade com relação à criação artística feminina: “Ninguém sabe quem é uma mulher, até ela ter as oportunidades de se expressar artisticamente.” Tinha tanta consciência dos lugares femininos x masculinos, quando pensava a opressão e exclusão feminina num mundo patriarcal e dominador: Em todos esses séculos, as mulheres tem sérvio de espelhos dotados do mágico e delicioso poder de refletir a figura do homem com o dobro de seu tamanho natural”.

No último suplemento do Jornal Valor, Março, 2011, a economista Eliana Cardoso escreveu brilhante artigo sobre a atualidade das idéias de Woolf : “Chaves do poder e da liberdade Feminina”, discorrendo sobre a diversidade das mulheres: “Entre a afegão coberta pela burca no mercado de Cabul e a brasileira exposta pelo fio dental na praia, existem bilhões de mulheres, cada uma delas fruto de diferentes tradições e lutas pessoais. O lugar do sexo frágil no Iraque contrasta com a posição da mulher nos países nórdicos.” Cardoso também comenta os dois livros que falam da relação entre o dinheiro e a ficção: O Segundo Sexo de Beauvoir, e Um Teto Todo Seu, de Woolf, resgatando esses textos canônicos e atrelando-os à conjuntura atual, e constata: “Seria muito pouco dizer que Virginia Woolf explora o papel do dinheiro na produção de narrativas por mulheres. O longo ensaio combina o talento da romancista ao poder de seus argumentos e retórica na discussão do caráter feminino, da ficção produzida por mulheres e da ficção criada pelos homens sobre as mulheres.” E conclui: “Virginia Woolf coloca de lado as verdades universais…ironiza o ponto de vista tradicional e machista. Invoca opiniões. Mistura escritores (como Jane Austen, George Eliot e Charlotte Brontë) com personagens inventadas (Como Mary Beton, Mary Seton, a irmã de Shakespeare, o professor Von X e Mary Carmichael). E convence o leitor de forma magistral.”

Tudo em Março. Mês das águas de Tom Jobim, mês de tanto calor para nós aqui nas terras quentes nordestinas; mês das saudades dos quartos de despejos, ou dos cômodos conquistados e todos nossos; dos desejos nos ou fora dos trilhos; das megeras (in)domadas que habitam a nós todos, ou simplesmente mês em que tentamos existir em uma arte a cada dia. Dia após dia. Para depois enfrentar às Horas.

Ao fechar os olhos, me vem a imagem triste da atriz Nicole Kidman, como Virginia Woolf em sua derradeira cena em As Horas, mergulhando no rio Ouse, se emaranhando por entre as ramas, e os seus sapatos, ah! os seus sapatos, se desgarrando do seu corpo inerte, para que de pés descalços, assim como Isadora Ducan, dançasse o seu último ballet, triste e solitário.

Obs. Todas as traduções citadas foram livres e de minha autoria.

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 29 de março ,2011



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