Política

Blog de Gil Sabino comenta proibição do show de Caetano Veloso

'GOLPE EXPLÍCITO'


31/10/2017



O jornalista Gil Sabino comenta em novo texto no Blog, sobre a proibição do show de Caetano Veloso, em São Paulo. Ativista cultural, Sabino escreve nessa terça-feira (31), para o Portal WSCOM comentando sobre a proibição do show que o artista Caetano Veloso faria ontem (30) em São Bernardo do Campo-SP, em favor da luta de um grupo de trabalhadores desabrigados. 

Segundo o colunista, em tempos de democracia a censura ameaça os direitos humanos, e tudo lembra muito a ditadura militar de 64, quando estudantes e artistas foram presos, torturados e levados ao extremo.

Leia a análise na íntegra:

PODRES PODERES

As redes sociais pilharam de manifestações contra a proibição ontem (31.10), do show que o artista Caetano Veloso faria em uma ocupação em São Bernardo do Campo – SP, em favor de um grupo de trabalhadores sem teto.

A proibição partira da juíza Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo, SP, alegando não haver condições técnicas de segurança para que o show fosse realizado.

Em tempos de democracia, com golpe explícito de tomada de poder, nada seria novidade, e o próprio Caetano Veloso diz que a preocupação se sobrepõe as esperanças. Ele, Caetano Veloso, foi durante a ditadura militar de 64, proibido de cantar no país e exilado em Londres ao lado de Gilberto Gil. Com a Anistia, voltaram ao Brasil onde seguem carreira de grande sucesso.

Durante a ditadura militar de 64, que durou no país, longos 20 anos, causando estrago e atraso social, impedindo o desenvolvimento, muitos estudantes desapareceram para nunca mais voltar. A censura prevaleceu nas redações dos veículos de comunicação como jornais, rádio, televisão. Não havia ainda a internet. Os militares prenderam e torturaram aqueles de quem suspeitavam estar contra o Governo, alegando serem subversivos e defenderem o comunismo (palavra esta, na época, proibida de ser mencionada sob risco de ser preso e morto).

A ditadura pregou um regime autoritário, desconhecia direitos humanos, a ordem era de forma opressiva bloqueando a democracia, o livre direito de pensar e agir e caminhar. Artistas, diversos artistas, tiveram que ir embora e abandonar o país sob risco de serem presos e torturados até o extremo. Houve casos, como do jornalista e poeta Vladimir Herzog, que morreu nos porões da ditadura, e centenas de outros. Hoje nos vemos diante de uma censura descarada, de um Governo que ameaça retroceder, proibir, e que mal trata, que persegue, que condena o país à duras penas de atraso, fome, falta de educação e saúde. 2016/2017 retratam muito do que foi a ditadura militar de 64, de forma mascarada, agora com nova roupagem. Uma ditadura que mata de fome, bloqueando todo um processo de desenvolvimento em que vinha sendo conduzido o Brasil.

Hoje são cortadas as verbas de Ciência e Tecnologia, os anciãos sofrem para se aposentarem, a corrupção tomou conta dos poderes políticos e judiciais, a violência anda solta e o tráfego de drogas comanda cidades, e temos aí um tempo obcuro. Como não bastasse, vem novamente as proibições, a violação de direitos adquiridos sob a batalha de longos anos de conquistas. Apesar de tudo isto, vemos ainda pessoas dentro de um tamanho ridículo manifestando vontade de que volte o regime militar.

A democracia está arranhada, a Constituição foi rasgada, desrespeitada, o povo perdeu as esperanças, a motivação. Pior, o povo influenciado através da ação de neuromarketing, se deixou envolver por notícias que embalam a razão real das coisas e caminha para o anti-diálogo através do ódio, com ações de violência, preconceito, xingamento. A mídia diz que o governo não serve e abre espaço para estampar escândalos, transformando pequenos em grandes problemas que chegam afetar a imagem do país lá fora. Nossa credibilidade está afetada. Vivemos um tempo difícil, ameaçador.

Enfim, como diz o poeta e cantor Caetano Veloso, política é o fim!

A seguir, a letra de Podres Poderes, de Caetano Veloso, composição dos anos 80 ainda muito em voga.

Enquanto os homens exercem / Seus podres poderes / Motos e fuscas avançam / Os sinais vermelhos / E perdem os verdes / Somos uns boçais

Queria querer gritar / Setecentas mil vezes / Como são lindos / Como são lindos os burgueses
E os japoneses / Mas tudo é muito mais

Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos/ Será, será, que será?/ Que será, que será? / Será que esta minha estúpida retórica / Terá que soar, terá que se ouvir / Por mais zil anos

Enquanto os homens exercem / Seus podres poderes / Índios e padres e bichas / Negros e mulheres / E adolescentes/ Fazem o carnaval

Queria querer cantar afinado com eles / Silenciar em respeito ao seu transe num êxtase / Ser indecente / Mas tudo é muito mau

Ou então cada paisano e cada capataz / Com sua burrice fará jorrar sangue demais / Nos pantanais, nas cidades / Caatingas e nos gerais

Será que apenas os hermetismos pascoais/ E os tons, os mil tons/Seus sons e seus dons geniais/ Nos salvam, nos salvarão/ Dessas trevas e nada mais

Enquanto os homens exercem/Seus podres poderes/Morrer e matar de fome/De raiva e de sede/ São tantas vezes/ Gestos naturais

Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo/Daqueles que velam pela alegria do mundo/Indo e mais fundo/ Tins e bens e tais

Será que nunca faremos senão confirmar/ Na incompetência da América católica/Que sempre precisará de ridículos tiranos/Será, será, que será?
Que será, que será?/Será que essa minha estúpida retórica/Terá que soar, terá que se ouvir/ Por mais zil anos

Ou então cada paisano e cada capataz/Com sua burrice fará jorrar sangue demais/Nos pantanais, nas cidades/Caatingas e nos gerais

Será que apenas/Os hermetismos pascoais/E os tons, os mil tons/Seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão/Dessas trevas e nada mais

Enquanto os homens Exercem seus podres poderes/ Morrer e matar de fome
De raiva e de sede/ São tantas vezes/ Gestos naturais
Eu quero aproximar/O meu cantar vagabundo/Daqueles que velam/Pela alegria do mundo
Indo mais fundo/Tins e bens e tais!/Indo mais fundo/Tins e bens e tais!/Indo mais fundo/Tins e bens e tais!

Gil Sabino é jornalista e gestor de marketing. g.sabino@uol.com.br
 



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