Geral

Viajar Sozinha


12/09/2012



 Parabéns Lucas, meu filho querido, aniversariante da semana

No começo, bem antes de todo gesto, de toda iniciativa e de toda vontade deliberada de viajar, o corpo trabalha, à maneira dos metais, sob a ação do sol.
(Teoria da Viagem, Michel Onfray)

Viajar é muito mais que um querer, é uma necessidade entranhada na gente. Acho que já nasci viajante. E, viajar também é uma escolha. Escolhi viajar, em detrimento sempre de: comprar um sofá novo, reformar a cozinha ou ter lençóis de mil fios..

Sempre achei fascinante aquelas pessoas que viajam sozinhas mundo afora. Principalmente aquelas viagens auto-descoberta On The Road, e que venham os perigos e provações!: mochila nas costas, e o mundo vasto mundo. Acho que desde a primeira vez que viajei, aos seis anos, para o Engenho Pilar, que a imensidão do mundo brilhou sob a ação do sol. Estar aberta às circunstâncias, perigos, delícias, acasos e surpresas, mistérios, culturas, povos, medos, e um tempo diferenciado dos mapas, relógios, vida cotidiana, me fascinava e fascina. Mas, por outro lado, sempre tive resistência a isso. Gosto das concretudes, dos caminhos mais seguros, e das terras menos movediças. Mesmo assim arrisquei algumas vezes na vida um pouco desse salto do trapézio. E confesso, senti-me nas nuvens. Um poder! Uma liberdade! Um distanciamento! E umas tantas armadilhas também. Confesso que, é um frisson indescritível, amanhecer num lugar estrangeiro. Sair às ruas, ouvir uma língua esquisita, outra temperatura (se frio melhor ainda), e o desconhecido aos seus pés, todinho a ser desbravado, e lá no fundo um desejo imenso de encontro. Comigo mesmo, quem sabe, como tão bem define Michel Onfray, no seu livro Teoria da viagem- Poética da geografia: “Nós mesmos, eis a grande questão da viagem. Nós mesmos e nada mais. Ou pouco mais. Certamente há muitos pretextos, ocasiões e justificativas, mas em realidade só pegamos a estrada movidos pelo desejo de partir em nossa própria busca com o propósito, muito hipotético, de nos reencontramos ou, quem sabe, de nos encontrarmos. A volta ao planeta nem sempre é suficiente para obter esse encontro. Tampouco uma existência inteira, às vezes. Quantos desvios, e por quantos lugares, antes de nos sabermos em presença do que levanta um pouco o véu do ser!.”

Recentemente, e já escrevi aqui nesse espaço, fui sozinha numa viagem pequena e protegida, a Madrid. Digo protegida, pois estava acompanhada até então. Mas como em 6 dias se faz uma guerra, naquele momento para mim, 6 dias era uma eternidade. Como fazia muito tempo que não me aventurava a tanto, senti de um tudo: ansiedade, insônia, dor de cabeça, de barriga, suor frio e a sensação de que : por que é que inventei tudo isso? Por uns poucos dias solta no mundo, me arrebentei um tanto por dentro. Mas só um tanto, pois o outro tanto…se embeveceu. E aqui conto:

Estava com as anotações prontas para essa estória, quando leio o texto “Perder-se”, da escritora Tatiana Salem Levy ( A chave de Casa), na Revista Lola/Setembro, (sou leitora assídua), onde ela inteligente e poeticamente, fala do ato de viajar nos dias de hoje, e de como estamos sempre a fazer a viagem dos outros. Sim, por que uma vez que nos fechamos ao acaso, estamos repetindo o certo e já feito. Assim como ela , também já reclamei dos japoneses e suas máquinas fotográficas maravilhosas click click toda hora, e agora, reclamei dos brasileiros que, já não querem ver nada. Só fotografar e postar. Pois do que me adianta ir a Paris, se não me postei juntos da Torre Eiffel? Para mim o paradoxo já começa daí, pois o mais incrível de todas as viagens, não podemos postar, pois sempre se trata de algum mistério: é a radiola que ouvi no meio da rua de Paris; é a música flamenga que soprou; uma excitação diante de uma comida; um som de uma outra língua numa rua qualquer; o apito da Ferry Boat chegando em Santorini; um arrepio, um susto porque me perdi nas ruelas de Veneza; uma cor – verde escuro e um assombro de Machu Picchu; uma alegria ímpar por chegar em Praga numa tarde quente de agosto; vestir um cardigan novo em Covent Garden; uma saudade de um Cream Tea, enfim, coisas não fotografáveis….

Também como Tatiana, sempre tive preconceito com excursão, grupo, caravana. E me danava sozinha nas cidades, passando por cima de pau de pedra. Carregando as malas erradas, pagando mais caro, me perdendo, tempo inclusive, mas tudo em nome dessa solidão viajante. Hoje, com tantas facilidades, já me rendi à algumas mordomias e economias, mas jamais à emoção de dobrar uma esquina errante…. como também fala Tatiana: “Poucas pessoas viajam sem olhar no Google …quase ninguém quer passar perrenge, jantar num restaurante esquisito,. O viajante hoje quer a garantia de que vai comer a melhor massa de Roma, tomar o melhor vinho de Paris. Quer a certeza de que vai poder sorrir para as fotos, porque a felicidade estará lá, à sua espera em cada um dos lugares visitados. Em outros termos, quer fazer as mesmas viagens dos outros, encontrar aquele oásis que viu na foto do Facebook do amigo. Por medo de errar, de não fazer a viagem dos sonhos, termina por se fechar ao acaso, rei soberano do viajante antigo.”

Eu sou uma viajante antiga! E concordo que, há de se entregar quando viajamos sozinhas. E também na vida. Quando estamos em grupo, nos fechamos na zona de conforto da língua, do aconchego. Sozinha temos que estar em estado de sedução toda hora. Uma sedução visceral muito mais abrangente; para nos informar, para nos proteger, para deixar nosso faro ainda um tanto selvagem, buscar novos aromas e lugares.

No voo Brasil Lisboa, o filme a nos entretenter era O Exótico Hotel Marigold (Grã Bretanha, 2012, filme que reúne estórias maravilhosas de aposentados que buscam o seu re-inventar-se na vida, numa viagem à Índia. A personagem de Judy Dench, um espetáculo de papel, e de atriz, se joga de paraquedas numa nova cultura, não só para mesclar com a sua própria, mas principalmente para, destacar as suas singularidades e estranhezas e seguir em frente depois de ficar viúva e estigmatizada pela família e pela sociedade. Já achei um bom sinal…me fortalecer com todas aqueles mergulhos nas profundezas do mar sem fim.

Assim como ela, também fiquei cabreira quando cheguei à Plaza Mayor, no meio daquela turistada. Mas respirei, sentei numa mesa aconchegante, pedi uma sangria, uma comidinha, um mapa e lápis na mão, e pernas para que te quero! E naquele calorão do verão Madrileño, boné na cabeça, bermudas, mochila, diário de viagem, olhar com a pupila dilatada, e todos os instintos aguçados, foi-se o medo, e veio uma delícia de sentimento de abertura para o mundo. Vento na cara mesmo. Dona de si. Do caminho. Do tempo. Do gosto. E por longos 6 dias, onde a noite só visitava já no dobrar da madrugada (escurecia quase meia noite), eu seguia com a percepção de que, o tempo não é somente aquele do relógio, e que o meu silêncio me empoderava…(conversava sozinha sim: “faço o que hoje?” E eu mesma respondia esfuziante!!- Alhures!) .

O que gosto de fazer sozinha nos lugares ?: Sair à esmo. Perder-me como pontua Tatiana, entrar no supermercado e comprar coisas inusitadas – tesourinha , por exemplo, sempre compro uma…; descobrir ruas; arriscar um palpite; provar um nome apenas no cardápio – pulpo à vinagrete!; pedir a alguém uma informação e depois uma foto; e observar – muito. Tentar me transvestir de pessoa local, de estrangeira, de imaginar aquelas pessoas como sendo da minha cidade, e por aí eu vou, brincando com o mundo e seus espaços dissonantes.

Senti uma nostalgia enorme de ser jovem. Não falo somente da beleza da juventude, mas da disponibilidade que ela impõe-nos. Aquela atmosfera de topar tudo. Vi que já não topo tanto tudo, mas ainda topo muita coisa, e é esse amontoado de topar, de nos lançar diante do alvo, que nos dá a dimensão do que ainda podemos nas viagens, e claro na vida. Gostei de mim conversando com estranhos, vencendo meus medos, me atirando nos dias e principalmente , de me ver perdida numa noite de verão

E viajando sozinha, me dei conta também do quanto admiro quem viaja em família. Oportunidade única para o diálogo, aquisição de intimidade, cultura, generosidade, aproximação, férias, e o que se pode chamar de legado amoroso. Experiência que pouco exerci, afinal viajar era coisa para rico até pouco tempo, e que também não fazia parte da cultura dos brasileiros. Nosso povo, está sempre a deixar os filhos com a mãe, a sogra, para o casal ter o tempo todo seu. Legítimo. Mas, da outra forma, também o é, um lugar onde tudo acontece entre pais e filhos. Se eu pudesse voltar o tempo, e ter mais travel cheques….teria levado meus filhos em cada canto do mundo por onde um dia, me atrevi a andar.

Quando chegamos em casa e vemos as fotos, nem acreditamos que atravessamos mares, voos, solidão, insegurança, e silêncios profundos diante da excitação de amanhecer num novo lugar. E cada foto, ao invés das iguaiszinhas às do Google ou Facebook, são fotos suas. Só suas. De uma viagem que não está nos guias nem nos Sightseeings, mas na sua vivência e sonho.

Atrever-se: é uma questão! Sob o Céu que nos Protege. Sempre!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 11 de setembro, 2012

 



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