Educação

Verba de ajuda a aluno não acompanha inclusão

Crescimento


26/05/2014



 “Nossa situação é dramática: corremos o risco de cortar bolsas. Nossa verba não será suficiente para chegarmos até agosto.” O relato, em tom de desabafo, foi feito ao iG pelo diretor de assuntos estudantis da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Leonardo Barbosa e Silva. Os recursos que ele gerencia são os que mantêm grande parte dos alunos nos cursos da UFU, porque financiam moradia, alimentação, transporte.

A universidade mineira não é a única com dificuldades para manter os programas que dão suporte aos estudantes com situação socioeconômica vulnerável. As instituições, em geral, têm uma fila de espera para atendimento de estudantes de baixa renda. A velocidade de inclusão que as federais promoveram – seja com políticas próprias de ações afirmativas, seja por força da lei das cotas – não é a mesma dos recursos que chegam até elas.

“Nós já cumprimos integralmente a lei das cotas, oferecendo 50% das vagas para estudantes de escolas públicas. Nosso gasto com assistência aumentou 60% e os recursos do MEC, 20%”, conta Leonardo Silva.

O descompasso entre os recursos que financiam a política de assistência estudantil é percebido nos números apresentados pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace). A associação, que representa os responsáveis pelos projetos que garantem a permanência dos universitários nas instituições, diz que, para atender a demanda atual dos alunos, os investimentos na área teriam de chegar a R$ 1,5 bilhão.

O montante é quase o dobro dos atuais R$ 780 milhões reservados pelo Ministério da Educação para financiar as políticas de assistência das universidades federais. “A situação já é muito diferente do passado, quando as instituições tinham de sustentar as políticas sozinhas. Mas ainda é insuficiente, as demandas são maiores que os recursos”, avalia Elson Ferreira de Morais, pró-reitor de Assuntos da Comunidade Universitária da Universidade Federal de Goiás.

Morais conta que o orçamento da UFG para assistência chega a R$ 16 milhões. Esse dinheiro sustenta quatro casas de moradia (com 314 vagas) e dois restaurantes universitários em Goiânia; bolsas-alimentação para 1,2 mil na capital do estado e mais 866 em cidades do interior (onde são oferecidas 300 bolsas para moradia) e são distribuídas mais de 800 bolsas-permanência de R$ 400. Ele precisaria dobrar a oferta para atender aos pedidos atuais.

Na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis avalia deixar 150 alunos sem benefícios. “É uma situação difícil ter de escolher os mais necessitados entre os necessitados para ajudar”, conta Vilmar Alves Pereira, chefe do órgão. Ele conta que dos 12 mil estudantes matriculados na instituição este ano, 5 mil participam de algum dos programas de auxílio.

“Estamos fazendo um esforço gigantesco para que eles não abandonem a universidade. Criamos alojamento provisório, mas só vamos conseguir bancar as bolsas-auxilio até setembro”, diz Pereira. Junto com outros representantes de universidades, ele espera um “olhar mais sensível” do MEC à situação.

O preço da mudança

O Ministério da Educação, por sua vez, reconhece que os investimentos em políticas que garantam a permanência dos estudantes nas federais ainda terão de crescer muito nos próximos anos. O cenário desfavorável dessas condições, no entanto, apesar de preocupar, também é motivo de comemoração pelo governo federal e até pelas instituições.

“É um desafio bom da expansão. Expandimos incluindo jovens negros, da periferia, de baixa renda, indígenas. O perfil mudou muito. Demos um salto de zero a quase R$ 800 milhões de investimentos em assistência, porque é uma prioridade. Mas as demandas também são grandes e temos dialogado com reitores para atendê-las”, garante o secretário da Educação Superior do MEC, Paulo Speller.

Vista aérea do campus Carreiros, da FURG; sem recursos suficientes, instituição criou alojamentos provisórios
Speller diz que os dados apresentados pelo Fonaprace (feito com base na demanda atual de cada uma das instituições) contribuíram para um estudo próprio que o ministério fez sobre o tema. O levantamento do governo vai permitir a definição de mais recursos para esses projetos. O secretário afirma que os valores da verba extra que será enviada às universidades não estão definidos, mas devem ser divulgados no mês que vem.

“Estamos estudando a liberação de recursos adicionais para o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) no segundo semestre. Os números ainda não estão fechados, mas vai haver”, assegura. Ele justifica a intenção do MEC usando os mesmos argumentos dos gestores: o crescimento de estudantes selecionados pelo sistema de cotas (a lei garante vagas a egressos de escolas públicas, estudantes de baixa renda, negros e indígenas).

Segundo ele, em média, as federais já oferecem 39% das vagas para os cotistas. A lei permite que o percentual seja atendido gradativamente até 2016. O PNAES foi criado em 2007. No primeiro ano de funcionamento, o programa contava com R$ 101 milhões e, a cada ano, ganhou cerca de R$ 100 milhões a mais. A verba é dividida entre todas as federais, considerando IDH do município e das características da universidade.

Targino Araújo, vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), acredita que, agora, as universidades são uma “amostra real do país”. A nova cara – positiva, na opinião dele – vai exigir durante um tempo ainda mais ajuda dos gestores. Além de aumentar o atendimento de alunos, Araújo, que também é reitor da Universidade Federal de São Carlos, defende reajustes nas bolsas dos alunos.

Bolsas para poucos

O MEC financia o programa bolsa-permanência que auxilia um público considerado específico demais. Essa ajuda é paga pelo ministério diretamente aos alunos. Apenas os estudantes de cursos integrais (com carga horária superior a cinco horas por dia) com renda inferior a um salário mínimo e meio per capita, quilombolas e indígenas podem ser beneficiados.

Os gestores acreditam que a regra limita muito o benefício e pedem revisão dos critérios. Na UFG, por exemplo, apenas 349 alunos dos 25 mil totais recebem o recurso. Ao todo, 54 mil bolsas foram distribuídas desde maio de 2013. O valor é de R$ 400 para os estudantes de cursos integrais e de R$ 900 para indígenas e quilombolas. “Essas bolsas têm um objetivo muito claro, não é pra atingir todos os estudantes”, conta Speller.

Segundo ele, o restante dos alunos terá de continuar participando de outros programas. Speller conta que o governo federal vai criar um novo programa para dar suporte acadêmico aos estudantes em dificuldades para acompanhar o curso.

Tatiana Klix

No primeiro semestre de funcionamento da Unila, quase todos os 206 alunos moravam na moradia estudantil
Para Josué Modesto dos Passos Subrinho, reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), se as políticas de assistência não forem efetivas, os estudantes vão perder o interesse pela universidade. “Teria de ser mais veloz e garantir mais recursos para nos adequarmos à necessidade de acesso e permanência desses estudantes. Se não tivermos esses instrumentos, eles não vão permanecer”, diz.

A Unila reserva metade de suas vagas para estudantes de países latino-americanos. Segundo ele, após a adoção das cotas, as bolsas oferecidas para todos os que fossem aprovados no vestibular precisaram ser revistas. Diminuíram a garantia de assistência a 50% dos alunos. Subrinho diz que o número de ingressantes desses países reduziu. “O perfil socioeconômico desses alunos é muito parecido e mostra a importância dos programas”, pondera.

 



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