Geral

Turkish Delights Re-visited


20/11/2012



 Um doce para minha Tia Fatinha Peixoto!

Cantarolando Jorge da Capadórica, de Caetano Veloso, e , aproveitando a onda Turca, por conta da novela, Salve Jorge, vou também tirando minhas casquinhas de experiências de viagem.

Fui à Istambul em 1987, portanto no século passado, aproveitando o final de temporada de Mestrado na Inglaterra. Queria ver algo a mais que do território Europeu e arrumei a mochila rumo às Ilhas Gregas, mais especificamente Santorini e Mikonos, com leves paradas em Ios, Paros, Naxos, e Athenas, claro. Sonhava com Shirley Valentine e o azul do Mar Egeu. Mas não fiquei satisfeita somente com salada grega, Moussaka e Tzazike, e dei uma esticada de seis dias, à Istambul, a porta do Oriente.

Cheguei naquela cidade com medo. A lembrar do filme O Sol da Meia Noite…,mas não só. Sempre que viajo, e se for para muito longe então…penso em filmes como Babel e Sob o Céu que nos Protege. A tal solidão subjetiva de quem está fora de casa, frente aos perigos desse mundo . Logo me defrontei com o alvoroço de uma cidade cosmopolita, frente às tradições seculares, mas o espanto maior foi diante das Mesquitas, Santa Sofia e a Mesquita Azul.

Minha primeira noite foi numa pousada em frente à essa Mesquita Azul. Acordei de madrugada com um chamamento, ou lamento, ou ainda reza. Um gemido à Alá. Era um som emocionante, que na calada da noite fazia a gente sonhar com camelo, sultão e tapete mágico. E calafrios frente ao desconhecido e sem celular nem internet. E eis que me vi diante das nossas fantasias do Oriente e das mil e uma noites!

Perambulava pelas Mesquitas, descalça e com véu na cabeça, e sempre seguida pelos Turcos que me ofereciam tapetes, tâmaras e me olhavam com curiosidade pela minha aparência ambígua…: Tênis nos pés do ocidente, e echarpes indianas na cabeça. O iogurte de manhã não tinha igual, cremoso, forte. E o café? Hummm com direito à borra advinhatória, a me traçar o destino incerto.

Visitei o Palácio de Topkapi à beira do Canal de Bosphorus, cheio de preciosidade, muita madre-pérola, jade, ouro, marfim e ônix; e as porcelanas? O Harém do Sultão? Re-vi agora através dos olhos de Cléo Pires e de Domingos Montagner – meu eterno Capitão Herculano de Cordel Encantado, outra novela. E de novela em novela e de canto em canto, me encantava! Com os Afrescos Bizantinos, o Obelisco Egípcio, os Museus, o Sarcófago de Alexandre, as saladas de pepinos, e as tâmaras vendidas pelas ruas como os nossos roletes de cana de açúcar, faziam a festa, e me lembravam os livros das aulas de História do Estadual de Tambiá , onde eu passeava por Constantinopla!!

Mas, o que me tirava o sono era o Grande Bazar e suas mais de 60 ruas cobertas de riquezas, véus e mulheres enroladas nos seus mantos e burcas. Não pude deixar de me lembrar do conto “Araby”, de James Joyce, e o percurso do menino por entre jarras, paralisias e frustrações. Ao contrário da Epifania do menino, a minha não foi uma transcendência com o gosto de amargura, mas de assombro e conquistas. A de ver um mundo gigante. Histórico . E desconhecido. Eu consegui visitar muitos stands, e sem pressa; e mesmo com o dinheiro curtíssimo, não me furtei à um par de brincos de granada; uma bolsa bordada; e uma calça Saruel , comprada à duas ciganas, numa calçada que ficava do lado de lá do Canal que separa a Europa da Ásia. E, independente da moda, ou do que digam os fashion addicts, a calça Saruel virou peça íntima do meu guarda-roupa, e, estou sempre a fazer uma outra, uma outra, e mais outra…. tendo como molde, aquela primeira, de florzinhas do Mar Negro, com cheiro de coisas longínquas e exóticas.

Mas nem só de seda vive o homem, ou nós mulheres, e os sabores também passeavam no meu sentir. Doces, os chamados Turkish Delights. O próprio nome já indica as maravilhas dessas iguarias. As mil e uma barracas perfumadas e eu encolhida no meio dos Kebabs (nem carne eu como!), das amêndoas, das nozes e pistaches. Por entre os doces, os cheiros de curries e outros temperos; Henas para minhas madeixas vermelhas, fazendo assim, a minha festa de exotismo oriental. Sentia-me jogada ao vento…

E daí para diante, toda vez que se fala na Turquia, mesmo que seja em cenário distante, lembro dos meus dias em Istambul, e principalmente das Mesquitas e daqueles lamentos cortando a madrugada. Uma reza tão linda e tão assustadora, numa língua tão estranha que, literalmente me levava para os confins de um deserto qualquer, para que pudesse assim, sonhar com o Paciente Inglês!

Baixinho, cantarolava Jorge da Capadórcia, e Caetano me trazia balões imaginários e pelas ruas, eu ensaiava meus passinhos de dança do ventre, que mas tarde viria a dançar, ao som de Ravi Shankar.
Não deu tempo dos banhos turcos, mas fiquei sugestionada pelas visitas descalças nas Mesquitas, sem antes lavar mãos e pés, e fazer as reverências naqueles espaços majestosos e tão vazios dos símbolos por mim conhecidos das Igrejas, mas também tão impregnados de crenças e entregas. Os sapateiros do lado de fora esperavam pelos meus sapatos não engraxáveis…

Tendo a Ásia na minha frente, um jantar de despedida, nos barcos-restaurantes, um vinho especial e peixes variados. A Mesquita azul, o Mar Negro, e a música local, me levaram a ter sonhos exóticos e/ou eróticos.

Minhas estórias de Sherazade haveriam de começar…

Ana Adelaide Peixoto – 20 de Novembro, 2012



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