Geral

Topo da Pirâmide


07/12/2003



Quando estou bem chateada com o meu contracheque, escuto sempre que estou eu no topo da pirâmide. Fico sempre inquieta, pois se pôr um lado reconheço a situação dos mais pobres, miséria, falta de oportunidade, desemprego etc., pôr outro me questiono: mais que danado de pirâmide é esta que eu lá em cima e não tenho direito a fazer quase mais nada do que gosto, ou pelo menos do que costumava fazer! Coisas como viajar, jantar fora, dar presentes, comer bacalhau de vez em quando, uns cds novos, assinatura de revistas, jornais, uma revista de decoração importada, um programa mais afoito, um vestido sob impulso, uma noitada extravagante, qual nada!

Esta semana vejo o meu lugar de rainha na pirâmide social confirmado numa pesquisa do IBGE, onde somente 6 e algum % da população brasileira possui curso superior, e com mestrado hiiiiiiiiiii, haja pirâmide! Senti-me de novo culpada pôr me encontrar lá quase nas nuvens e ainda não ter direito aos reinos dos céus.

Passei a vida estudando: graduação, especialização, mestrado, estágios, cursos fora do país, dentro…Congressos, Seminários, livros, livros e mais livros. Enquanto as minhas amigas de época e faculdade, investiam em casa própria, carro novo, sofá novo, cozinhas aparelhadas, quartos decorados, jardins suspensos, seguros saúde, etc. Eu arrumava sempre a mochila rumo alhures…ao topo! Minha casa até hoje tem artesanato, umas almofadas, uma rede, um guarda roupa abarrotado de roupas hippie chic?! Pilhas de bijuterias( brincos prá que te quero?), recuerdos de lugares exótico, umas plantas secas, e um quintal enorme que me dá muito trabalho para urbanizá-lo! O quarto dos livros é uma loucura. Tem tudo e não se acha nada. Guardados e perdidos! E quando eu penso que poderia aproveitar um pouco de tamanho investimento das idéias, o meu lugar ao sol, digo na pirâmide, só me faz ficar com raiva de um salário tão baixo, tão minguado e de tão pouco poder de compra. Meus tamboretes da cozinha estão pedindo socorro! O carro então, se despedaça à olhos nus, e minha alma viajante anda triste de tantos pés fincados em terra firme.

Todo esse sentimento negativo, tem a ver com a proximidade do Natal, consumo- Compro, logo existo! jingle bell, e claro com o resultado da pesquisa me dizendo o quão especial eu sou. Ainda bem que sabemos tirar proveito, até das pesquisas. Desprezei meu contracheque de dezembro e todos os seus descontos, e cá estou eu, lendo Pós-colonialismo, Homi Bhabha e o Local da Cultura, e Fredrick Jameson e o Pós-modernismo e a lógica cultural do Capitalismo Tardio, para na próxima Terça fazer uma prova de seleção do doutorado na UFPe.

Mais um título? Mais um diploma? Mais um degrau na pirâmide? Acho que de tão alto o meu posto, o meu medo é despencar…pois o sentimento de esborrachada no chão, ah! Esse eu já tenho!



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