Geral

Tia Margarida, Querida


10/01/2012



 Para começo de conversa ela tem nome de flor! Não tem a perfeição de uma Rosa; o exotismo de uma Tulipa; ou a melancolia de uma Violeta. Mas a Alegria de uma Margarida. Alegria Alegria! Já dizia uma canção de Caetano Veloso, e uma outra do poetinha Vinícius, na sua Samba de Benção, que: “É melhor ser alegre do que triste, a alegria é a melhor coisa que existe….”. Pois se a vida nos trata mal, temos que pegar a vida pelo rabo e transcendê-la. Acho que seu nome veio com essa alegria e essa bênção.

Depois, essa flor ainda pode ser um Mal-me-quer, Bem-me-quer! Uma pétala ali e outra acolá, e as escolhas vão sendo feitas. Pelo visto, Tia Margarida vem sabendo escolher e fazer jus ao seu nome. Escolher é uma sabedoria, pois como disse o poeta americano Robert Frost no seu poema “The Road Not Taken”, uma vez escolhido o caminho, o outro vira uma miragem irreversível: “Oh, eu guardei a primeira para um outro dia! Contudo, sabendo como um caminho leva a outro, eu duvidei de que um dia voltasse.”

Desde pequena que ouvia muito sobre sua orfandade aos 5 anos e internato pequenina no Colégio das Neves. O que para mim era coisa de filme, ou de literatura das irmãs Brönte e sua personagem mais famosa, Jane Eire, e para ela com certeza, aos poucos deve ter descoberto na solidão dos corredores, uma forma de sobreviver afetivamente. Transformou trauma em fé; em entrega e aceitação. Eis aí o milagre do pão! Se aliou com as freiras e encontrou um destino. Só saiu de lá resgatada por um certo galã de cinema, que assim como nos filmes de amor: Rapte-me Camaleoa! para serem felizes para sempre.

Fazer 90 anos é algo difícil de compreender. E faço a retrospectiva na minha cabeça. O que vejo? Flashes de 90 anos bem vividos, dos quais orgulhosamente também faço parte desse tapete gigante da sua vida. Sou um pontinho de rococó daqueles paninhos que uma vez me presenteou quando do nascimento dos meus filhos. Tia Margarida pintou e bordou vida afora! E eis o patchwork das minhas memórias:

* Tia Margarida de maiô, de chapelão de palha, indo pescar em Areia Vermelha;

* Tia Margarida indo à missa, rezando o terço, e pedindo por nós todos;

* Tia Margarida na sua sala-altar, com santos e uma atmosfera religiosa e que nos dava assim, paz e reverência.

* Tia Margarida carnavalesca. Cabo Branco, Quanto riso ó quanta alegria….Uma parte de mim é folia! Outra parte de mim são os mistérios da fé…

* Tia Margarida em Praia Formosa, dando conta de uma família imensa, feliz e agregadora aos que visitavam para tomar banho de mar na maré cheia de janeiro, eu inclusive;

* Tia Margarida com Tio Múcio – Um belo casal! Sempre ouvia mamãe dizer meio com uma pitada de surpresa que, ele ajudava-a nas fraldas….coisas que os maridos e pais do seu tempo não se autorizavam. E eu desde a infância, admirava aquele homem que dividia com a mulher a terceira jornada . E o melhor, nas minhas memórias infaintis, era o “Dono” do cinema Municipal;

* Tia Margarida com os 7 filhos. Conheço todos desde pequenininha. E tenho memórias mais que deliciosas, com cada um deles, embora Leleta tenha sido mais presente, me inaugurando na vida noturna e ao Maravalha !

* Tia Margarida e seu terraço, na D. Pedro I, onde eu adorava ir no final da tarde, e me sentar numa certa cadeira de balanço. Mas logo chegava D . Alba, e claro , cedíamos aos mais velhos. Esse terraço era assim uma espécie de crônica cotidiana da vida. Íamos lá e ficávamos sabendo do dia. Pronto!

* Tia Margarida e Teca, minha irmã – sua afilhada com batizado e tudo

* Tia Margarida e papai – se pareciam física e emocionalmente. Ouvia dizer que, papai fazia jogo duro, ciumento da irmã. Hoje, depois de tantas partidas, é com o seu semblante que mato as saudades do meu pai.

* Tia Margarida e Tia Lila – as duas queridas tias. Uma em Praia e outra no Engenho. E mais na frente, as duas todas as tardes de todo um ano, nos confortando na despedida do meu pai.

* Tia Margarida cuidando. E passando pelo que a vida deveria proibir uma mãe de passar.

* Tia Margarida e a autoridade de ser mãe – Mamãe sempre que não conseguia ter autoridade no dia a dia a citava: “Duvido que Margarida tenha dessas manhas. 7 da noite tá todo mundo na cama, e tchau e benção! Imagine se ela vai ficar ouvindo 7 querendo coisas diferente, Duvido!” Depois de anos, eu já mãe, fiquei ainda mais admirando como se tem 7 filhos na vida; como se dá papinha, se irrita, se conta estória, reunião de escola, namorados, enfim…7 é número cabalístico …tudo vezes 7! Uma santa! Diriam. Mas não gosto desse elogio, implica santidade, e acho que ser mãe 7 vezes requer mais ainda que santidade, exige autoridade e sabedoria. E mais que isso: Exige amor!

Mas, como medir uma vida? Como medir 90 anos? Para mim, que ainda tenho chão pela frente, tomara, é difícil! O tempo aí é uma abstração, pois garanto que para todos, parece que foi ontem, tudo! É uma data redonda, circular, com subidas e descidas, presenças e ausências, sucessos e fracassos. E depois de dar conta dos 7, eis que agora tudo se multiplicou. Muitos netos, bisnetos….e a vida segue seu curso. Deliciosamente. Estranhamente.

Hoje é dia de festa. Dia de celebração. Uma mulher que viveu 18 anos por entre as freiras; que passou 7 anos grávida, mais 7 cuidando dos seus bebês, e tirando de si carinho, fé e amor para viver sua vida. Pelo visto conseguiu. E de veraneios em veraneios; de compra de caju em compra de mangaba na feira de Cabedelo; de carnavais em carnavais; de festas e funerais; e de aniversários em aniversários, já faz parte do calendário turístico familiar, eis que Tia Margarida vai fechando um século!!!

Tiro aqui uma pétala de Bem-me-quer & do Bem-querer, só para lhe atestar & brindar mais uma vez à sua felicidade, alegria, amor, e vida longa.

90 beijos

Da sobrinha,
Ana Adelaide

(Homenagem aos 90 anos da minha Tia Margarida Wanderley)
João Pessoa, 5 de janeiro, 2012



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.