Internacional

Suriname e Guiana anunciam planos para distribuir bilhões dos royalties do petróleo da Margem Equatorial às suas populações

Países sul-americanos buscam garantir benefícios diretos para os cidadãos.


28/02/2025

Mohamed Irfaan Ali, presidente do Suriname, e Lula (Foto: `Ricardo Stuckert/PR)

Brasil 247



Os governos de Suriname e Guiana anunciaram iniciativas para distribuir diretamente aos cidadãos parte das receitas provenientes da exploração de petróleo e gás em suas águas territoriais. Segundo reportagem da Al Jazeera, os programas visam evitar a chamada “maldição do petróleo” e garantir que a riqueza gerada beneficie toda a população, promovendo crescimento econômico sustentável e reduzindo a pobreza.O presidente de Suriname, Chan Santokhi, apresentou o programa Royalties for Everyone (RVI), que promete entregar a cada cidadão surinamês um título de poupança no valor de US$ 750, com juros anuais de 7%. “O dinheiro será pago futuramente a partir da renda dos royalties do Bloco 58”, afirmou Santokhi, referindo-se à área offshore onde foram descobertas grandes reservas de petróleo entre 2019 e 2023. A previsão é que a produção tenha início em 2028, com expectativa de gerar cerca de US$ 10 bilhões nos próximos 20 anos.

Na Guiana, o presidente Irfaan Ali anunciou que cidadãos guianenses com 18 anos ou mais, residentes no país ou no exterior, receberão pagamentos diretos de aproximadamente 100.000 dólares guianenses (cerca de US$ 480). “Nos últimos dias, milhares de guianenses me procuraram e deram um retorno extremamente positivo sobre as medidas”, disse Ali em outubro.

A descoberta das reservas de petróleo

Os campos de petróleo explorados nos dois países foram descobertos nos últimos anos, mas pesquisas sobre hidrocarbonetos na região datam do século XIX. Na Guiana, a exploração comercial teve um salto em 2015, quando a ExxonMobil e parceiros encontraram grandes reservas no Bloco Stabroek, a 193 km da costa. Já no Suriname, a primeira descoberta relevante ocorreu em 1965, com a exploração da empresa Nederlandse Aardolie Maatschappij (NAM), uma joint venture entre Shell e ExxonMobil.

O Bloco 58, operado atualmente pela francesa TotalEnergies em parceria com a norte-americana Apache Corporation, tem potencial para produzir até 220.000 barris de petróleo por dia. Com isso, os dois países se tornaram protagonistas no novo cenário energético da América do Sul.

Desafios e riscos da nova riqueza

Apesar do otimismo, especialistas alertam para os riscos da chamada “maldição do petróleo” ou “doença holandesa”, um fenômeno que já afetou países como Venezuela, Angola e Argélia, onde a abundância de recursos naturais não se converteu em prosperidade generalizada.

Santokhi afirmou que o Suriname está atento a esses desafios e já estruturou um fundo soberano para administrar os futuros recursos do petróleo. Atualmente, 17,5% da população do país vive abaixo da linha da pobreza, quase o dobro da média global de 9,2%, segundo estudo do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) publicado em 2022.

Na Guiana, a situação é ainda mais crítica: um relatório do Banco Mundial de 2019 apontou que 48,4% da população vivia na pobreza, um percentual reduzido em relação aos 60,9% registrados em 2006, mas ainda alarmante. A Guiana é um dos países com maior volume de petróleo per capita do mundo, mas muitos cidadãos ainda sobrevivem com menos de US$ 5,50 por dia, de acordo com um estudo da USAID de 2021.

Para enfrentar essa realidade, o governo guianense lançou em setembro um projeto de US$ 1,9 bilhão para duplicar a capacidade energética do país. “Se você não viveu o que vivemos, não entenderá o significado desse crescimento impressionante”, disse o analista de mídia e empresário Alex Graham ao jornal The Guardian.

Outros países que compartilham recursos naturais com a população

A ideia de distribuir diretamente as receitas dos recursos naturais não é nova e tem sido adotada por outros países com diferentes graus de sucesso.

Em 2008, a Mongólia criou o Fundo de Desenvolvimento Humano, que utilizou a receita da mineração para repasses diretos à população. O programa foi descontinuado em 2012 devido a dificuldades econômicas, sendo substituído por um fundo de estabilidade fiscal.

Botsuana, um dos maiores produtores de diamantes do mundo, gerencia os lucros do setor por meio do Fundo Soberano Pula, criado em 1993. Embora não faça pagamentos diretos aos cidadãos, o fundo protege a economia contra oscilações do mercado.

Nos Estados Unidos, o Alasca mantém um modelo de distribuição direta desde a década de 1980. O Fundo Permanente do Alasca, criado após a descoberta de petróleo na região, paga dividendos anuais aos residentes do estado. Em 2024, o valor do repasse foi de US$ 1.702 por pessoa. Já no Alabama e em Montana, fundos estaduais derivados da exploração de petróleo, gás e carvão financiam infraestrutura, educação e projetos ambientais.

As iniciativas de Suriname e Guiana representam um passo ousado para transformar a riqueza petrolífera em benefícios diretos para seus cidadãos. Se bem administradas, essas medidas podem ajudar a reduzir a pobreza e evitar os erros de outras nações dependentes de recursos naturais. No entanto, a gestão responsável das receitas será crucial para garantir que essa nova era de prosperidade não se transforme em mais um caso de desperdício e desigualdade.



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