Economia & Negócios

“Sonhar em ter tudo de volta é somente o que restou”, diz investidor de Eike

Perdas


12/07/2013

 Em janeiro deste ano, o analista de tecnologia da informação Rafael, 30 anos, que preferiu não ser identificado, se viu com mais de R$ 200 mil na mão, fruto de uma rescisão trabalhista e uma aplicação de quatro anos em títulos do governo.

Quando verificou que as taxas do Tesouro Direto haviam caído pela metade, resolveu, como conta, pensar mais no seu futuro e no de seus pais, a quem ajuda financeiramente. Apostou, e alto. Investiu, no total, cerca de R$ 160 mil na petroleira OGX, controlada pelo empresário Eike Batista. Com o restante de suas economias, optou por iniciar um curso no exterior e deixar uma parte para auxiliar seus pais no período.

Por cerca de seis meses, ele viu os papéis da empresa minguarem de pouco mais de R$ 5 para cerca de R$ 0,40. Até que resolveu vender tudo no último dia 4 pela cotação de R$ 0.42. Recebeu R$ 13 mil, 8% do valor inicial.

"Fiquei depressivo. O prejuízo financeiro não foi nada perto do emocional. Não me perdoaria se a empresa se recuperasse no futuro. Então decidi reaplicar no papel [da OGX] o dinheiro que restou [R$ 13 mil], e um amigo de infância me emprestou uma quantia [R$ 5 mil] para que eu conseguisse recompor o número de papéis que tinha no início, cerca de 30 mil ações".

Rafael diz que tentou segurar o investimento. "Mas aí o papel caiu de R$ 0,80 para R$ 0,40 e com as notícias e situação da empresa, estavam falando em chegar em R$ 0,10. Aí tentei vender e recomprar a R$ 0,10, pois estava com prejuizo que nenhuma empresa sólida me daria de volta. Mas a ação começou a subir novamente".

De origem humilde, em suas palavras, apesar de morar em um bairro de classe média na cidade, o investidor conta que trabalhou "12 horas, 14 horas por dia" nos últimos anos para que a sua família tivesse uma "vida melhor" e para ajudar a mãe, que tem diversos problemas de saúde.

Com o dinheiro poupado, Rafael conta que começou a ter planos para o futuro: comprar uma casa, casar e sair do aluguel, "algo que sempre pesou". "Porém, achava injusto ter minha casa e meus pais, que sempre fizeram de tudo por mim, não realizarem o sonho deles, que sempre foi uma casa própria".

Agora, retorna em breve para São Paulo, sem muito dinheiro para recomeçar. "Minha situação financeira agora é crítica: praticamente volto ao período de 13 anos atrás. Porém, na época meu pai tinha emprego sem previsão de fim. Hoje meu pai trabalha em regime autônomo até o final do ano. Tanto eu como ele ficaremos sem emprego, além de minha mãe, que nao consegue trabalhar e está tentando aposentadoria por invalidez", relata.

Ele conta que seu único "bem" são os papéis da OGX, com os quais não fará mais nenhuma operação. "Agora deixarei os papeís lá acreditando que um dia ao menos terei o valor nominal de volta e quem sabe possa dar sequência ao sonho interrompido. Meu e de meus pais", conclui. "Resta agora confiar na minha competência profissional e buscar emprego".

Promessas

Rafael conta ter analisado o papel antes da compra. Na época, analistas do mercado financeiro indicavam que a ação poderia subir a R$ 10 até o final do ano. "Ao comprar, vi que a ação já havia chegado a valer R$ 20. Depois, caiu até atingir o valor de R$ 4 e começava a subir". Ele esperava uma recuperação do preço da ação.

Rafael acreditou, principalmente, nas promessas do controlador da empresa, Eike Batista. "Mas muitas não se concretizaram. Não sei se por má fé ou não, mas a CVM [Comissão de Valores Mobiliários], que é a reguladora do mercado, permitiu. Porém, agora começa a investigar algumas coisas. Sei que eu tive boa fé e minhas intenções foram as melhores", diz.

Após a ação voltar a cair, o investir teve medo e voltou a vender os papéis. Na nova operação, teve um prejuízo de R$ 3,5 mil. Inquieto, decidiu recomprá-los quando a cotação reagiu novamente. "A alta estava tão grande e as notícias tão boas que peguei o dinheiro da rescisão e fiz uma ordem de compra de R$ 5,17 nesse mesmo dia".

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A queda nos papéis da OGX coincidiu com o momento de sua viagem. "Levei uns dias para me adaptar e, quando vi, a ação estava na casa dos R$ 4, e logo chegou na casa dos R$ 3".

No último mês, as coisas ficaram mais claras, na sua opinião, quando o controlador anunciou a venda de parte de suas ações e declarou que um poço da Bacia de Santos não era viável comercialmente. "Mas já era tarde demais".

Ele garante que não irá investir novamente em uma empresa pré-operacional. "Com o papel, os tubarões fizeram a festa em cima de nós, sardinhas, na cara da CVM. E nós, minoritários, pagamos o pato".

"Espero não ter sido um “sócio” enganado, acreditar que tudo que aconteceu não teve má fé ou sujeira. Fico esperando que um dia isso tenha sido apenas um pesadelo. A OGX transformou um investidor em sonhador, pois sonhar em ter tudo de volta é somente o que restou".

Risco inerente

O mercado de capitais brasileiro tem histórico de ações que, assim como a OGX, derreteram. Algumas delas não se recuperaram na última década. Em outros casos, as empresas passaram por um processo de reestruturação, que se refletiu na recuperação dos papéis.

No primeiro time, estão empresas como JB Duarte, Coteminas, Kepler Weber e Recrusul. No segundo, Excelsior, Alpargatas e Cia. Hering, que chegou a valer R$ 0,42 em 2003.

"O que definiu a recuperação ou não do valor dos papéis foi a vontade e esforço para reestruturar as companhias na visão dos investidores", aponta o gerente de varejo da corretora Ágora, José Cataldo.

Porém, Cataldo ressalta que nenhuma delas eram empresas pré-operacionais como as controladas por Eike Batista.

O único caso semelhante é o da HRT, também do setor de petróleo, que abriu capital em 2010 e que também está sofrendo na bolsa. O valor de suas ações já caiu 90% desde o IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações).

Cataldo acha difícil, portanto, prever o que irá acontecer com a OGX a partir de agora. Na visão do gerente, a situação é "nebulosa". "A empresa pode ser vendida por valor baixo ou ser incorporada, receber aporte de capital e virar ouro no futuro".

Apesar da queda mais acelerada nos últimos meses, a cotação da OGX diminuiu 97,3% ao longo dos últimos 12 meses.

Cataldo lembra que o o risco é inerente ao investimento em ações, e que as apostas devem ser difversificadas. Especialistas costumam dizer que este é o tipo de aplicação de alto risco. Alguns podem ganhar muito. Outros, como Rafael, podem ver o investimento virar pó e não ter a quem recorrer, já que as oscilações no preço das ações fazem parte do jogo.

"Quando abriu capital, a OGX obrigou o investidor a assinar um termo dizendo que era qualificado. E todos os relatórios de analistas citam o risco da operação. Quem entrou, achou que ia dar resultado", opina o gerente de varejo da corretora Ágora.

"Agora, alguns me dizem ‘perdi quase tudo, o que fazer?’ Esperou e está no inferno? Agora abraça o capeta", conclui. "Com o que restou, começa de novo".



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