Economia & Negócios

Setor formal abre espaço para tatuagem

Novos tempos


21/08/2013



 Com 38 tatuagens, a advogada Cinthya Lanzoni Frateschi sempre foi apaixonada por desenhos no corpo. Quando criança, ela costumava se pintar com as canetinhas hidrográficas que sua mãe comprava. “Eu achava que era muito espaço em branco”, conta Cinthya, que fez sua primeira tatuagem aos 18 anos, no dedo da mão. Hoje, aos 36 anos e trabalhando como assessora do gabinete da Secretaria de Transporte e Trânsito de Guarulhos (SP), a advogada reconhece que foi precipitada ao escolher a mão como o local de sua primeira tatuagem e diz que já ouviu diversos comentários a respeito.

“Uma vez eu fui despachar uma expedição [no fórum] e eu estava de camisa, saia e sapato, mas dava para ver algumas tatuagens. Quando entrei na sala do juiz, ele perguntou ‘A senhora anda sempre assim pintada?’, e eu respondi ´Como assim, pintada? Excelência, quem pinta o corpo é índio. Eu não sou índio, sou tatuada’”, conta ela. Além de sua tatuagem na mão, a advogada tem outras em áreas do corpo que são mais difíceis de cobrir quando o clima de São Paulo está quente, como no antebraço e na panturrilha.

Cinthya percebe o preconceito não apenas entre os magistrados, mas também de outros profissionais da área do Direito e até mesmo de clientes. “Quando ele [o cliente] olha para um advogado muito descontraído, muito tatuado, muito colorido, crê que aquela pessoa não é confiável, não é responsável e que aquela pessoa não estudou, não tem família, não paga as contas. Isso não é verdade”, desabafa Cinthya, que é casada e tem uma filha.

Para o advogado Roberto Miller Torres, de 30 anos, o fato de o Direito ser praticado desde a Antiguidade colabora para que o código visual da área seja mais formal que em setores surgidos recentemente, como T.I. (Tecnologia da Informação) e Publicidade. Com três tatuagens no corpo, Roberto as fez em locais que pudessem ser cobertos caso necessário. “Isso é implícito na nossa área. Quando você entra na faculdade já percebe que no primeiro estágio vai ser obrigado a usar terno e gravata. Não precisam falar sobre a tatuagem”, diz Torres.

A formalidade é tão comum na área que Roberto confessa que, em determinadas situações, ele divide a mesma opinião que os mais conservadores. “Eu não sou retrógrado nesse sentido, mas, infelizmente, se eu vou fazer uma reunião pesada em um escritório grande e o cara me recebe de calça jeans e camisa eu não vou ter o mesmo respeito que uma pessoa de terno e gravata. É uma coisa histórica, difícil de mudar”, conta.

A formalidade não está só no Direito

Além do Direito, o código visual formal é predominante também nas áreas da saúde e do setor financeiro, impondo restrições à aparência dos profissionais. Com barba e cabelos de comprimento médio, o médico Pedro Campana, que trabalha na área de estratégia de saúde da família da Unidade Básica de Saúde “Zumbi dos Palmares”, no M’Boi Mirim, em São Paulo, era chamado de “hippie” e “bicho grilo” pelos seus colegas de faculdade e também já ouviu pacientes dizerem que ele “nem parece médico”.

“A população ainda é muito ligada ao padrão de médico que se vê na televisão, sempre de gravata e avental, com a barba impecável e cabelo arrumado. É um arquétipo muito errado”, conta Pedro. “Eu não vou me adequar 100% [ao código visual da medicina] a ponto de perder a minha individualidade para atender”, comenta.

Apesar de prezar pela sua individualidade, o médico tem consciência de que um visual que fuja muito do padrão pode agredir, mesmo que involuntariamente, os pacientes que tenham uma visão mais conservadora do profissional da saúde. Isso pode dificultar o vínculo de confiança que precisa ser criado entre o médico e o paciente em um primeiro contato. Para driblar esse tipo de situação, ele tenta deixar claro aos pacientes que sua aparência não molda o seu conhecimento ou a maneira de trata-los.

Para evitar que os profissionais tenham um visual ousado demais e que isso atrapalhe o relacionamento com o público, as empresas dos setores mais tradicionais criam os chamados “códigos de vestimenta”, que são documentos formalizados nos quais constam as orientações relacionadas desde ao tipo de roupa que o colaborador deve utilizar durante o expediente até mesmo, em casos mais extremos, à cor do esmalte das mulheres.

Empresas começam a rever seus códigos de vestimenta

Apesar das restrições ainda existirem, algumas empresas começaram a adaptar seus códigos de vestimenta e abrir concessões, permitindo que seus colaboradores sejam mais livres na maneira de se vestir e expressar sua personalidade por meio de sua aparência. “Está havendo uma tendência em relação a isso e é mundial. As empresas que são consideradas mais formais, como as instituições financeiras, estão vendo que há necessidade de uma maior informalidade”, conta a consultora de imagem, Rosana Fa.

Seguindo esta tendência, o Itaú Unibanco flexibilizou as orientações do seu código de vestimenta em 2012. Desde então, todos os funcionários que não tenham contato os clientes puderam abolir o uso da gravata no ambiente de trabalho. Além disso, às sextas-feiras, eles podem usar calça jeans. “Até alguns anos atrás [usar calça jeans] era visto como uma coisa rebelde”, lembra Myrna Haiat, gerente de Recursos Humanos de Cultura e Clima do banco.

A gerente explica que a intenção do Itaú é a de promover a diversidade entre os colaboradores. Além disso, a empresa está passando por um momento de mudança em sua cultura, em que os profissionais são incentivados a serem mais ágeis e menos formais. “Se a gente quer ter um ambiente mais leve, descomplicado e menos formal, isso acaba refletindo no vestuário também”, diz Myrna.

Trabalhando há 15 anos no Itaú Unibanco, Carlos Murbach confirma a mudança. Com três tatuagens, incluindo uma de um tubarão em seu braço direito, o analista de 32 anos conta que escolheu os locais dos desenhos já pensando que teria que cobri-los para ir trabalhar. Quando entrou na instituição, o código de vestimenta era bastante restrito em relação tanto às roupas quanto à tatuagem e cortes de cabelo. “A cultura e a época eram assim, mas isso mudou bastante. Hoje, [ os colaboradores] tem mais liberdade e um pouco menos de julgamento nas questões de estilos pessoais”, comenta.

A advogada Angela Kung, sócia do escritório de advocacia Pinheiro Neto, um dos maiores do País, conta que a flexibilização também vem ocorrendo por lá. Há 24 anos na empresa, ela nota uma grande transformação no guia de referência de vestimenta. "Quando eu entrei, as mulheres só podiam usar saia, nem podiam usar calça”, diz Angela. O escritório chegou a fazer uma pesquisa com seus funcionários e clientes para descobrir quais os pontos de seu guia de referência de vestimenta que poderiam ser adaptados e quais deveriam ser mantidos.

Para Angela, os estagiários são os colaboradores que mais precisam do guia. “[Os estagiários] estão acostumados com aquela vestimenta de estudante. Quando ingressam no mundo profissional, eles têm uma certa dificuldade de adequação. Logo alguns já percebem, começam a se ligar e outros precisam de um guia de imagem, para receber as referências”, conta a advogada.

Segundo Marcel Lotufo, da empresa de consultoria de recrutamento Havik, o ideal é que o profissional ou estagiário faça uma pesquisa sobre a cultura da empresa antes de se candidatar à vaga, para evitar problemas. “Se a pessoa gosta de se vestir mais formalmente e vai trabalhar em um lugar que é super informal, em uma produtora de televisão, por exemplo, ela não vai se sentir bem. E o inverso também é verdadeiro”, diz ele.

A consultora de imagem Rosana Fa concorda. “Se [o profissional] vai ter que se violentar muito, no sentido de deixar a imagem que ele gosta de lado, ele está procurando o emprego errado”.



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