Geral

SETEMBRO NEGRO


14/09/2003



Sei que Setembro é o mês da primavera, e aniversário dos meus dois filhos, motivo suficiente para festas e festejos. Mas paradoxalmente, no último dia 11, acordei cinzenta! Era a homenagem aos mortos do World Trade Center; era o aniversário da queda de Salvador Allende no Chile, e era também as minhas `torres´ que desabavam … Estava triste!

Tem dias em que ficamos assim. Tudo parece tenebroso. E não estou falando de doença ou morte, mas das inúmeras pequenas mortes que passamos ao longo da vida. São as nossas tragédias privadas! São dias em que só enxergamos o lado sombrio da existência.

A memória seletiva só e exclusivamente para o sofrimento. Se olhamos no espelho, não nos reconhecemos, nos achamos feios, e uma feiúra transcendental. O que é isso? Nem eu mesma sei, só sei que é uma feiúra que batom nenhum dá jeito! Nossas rugas parecem mais profundas; os vincos amargos, o olhar opaco, e por aí vai. Quanto aos outros? IH!!! Achamos todo mundo chato; nos decepcionamos com os amigos, a comunicação fica difícil, choramos à toa, sentimo-nos pequenos literalmente.

Na TV, aproveito as reportagens do 11 de setembro para chorar as minhas perdas. O tom fúnebre das imagens… passa um filminho na cabeça. Quanto ao Chile, me veio ao pensamento um filme `Desaparecidos´ – desesperador! Assisti sozinha no Rio, e saí do cinema com um sentimento de medo profundo.

Em 1977, num inverno nos Estados Unidos, ganhei um LP de presente : Victor Jara, naquela época um estranho para mim. Quando ouvi pela primeira vez, fiquei em silêncio, como que reverenciando a sua estória que mais tarde viria a saber: O seu grito de dor, enquanto perdia as mãos, na tortura da Repressão. Em seguida o 1o show de Mercedes Sosa no Brasil, cantando `Gracias a la vida´, e eu muda, com a dor do `sentimento do mundo´ de que falava Drummond. Ano passado, ao visitar uma exposição, `Intolerância´ de Siron Franco, no antigo Dops, em São Paulo, senti de novo, esse mesmo sentimento, mais uma angústia anunciada.

Quanto às Torres, lembrei-me também de alguns dias em Nova York, perambulando por Greenwich Village, cidadã comum de Manhattan, mas já com o olhar apaixonado de Woody Allen, e a trilha sonora de Gershwin na cabeça. Foram-se os anos, e ficam-se as lembranças, ou melhor, a memória, pois não preciso nem fechar os olhos para sentir o cheiro e o gosto do tempo. Houve uma época que gostava dos Estados Unidos: a língua, o rock, alguns amigos, o cinema. De algumas dessas coisas continuo gostando, mas apesar do sentimento solidário com as flores no marco zero, compactuo com o sentimento negativo que todo o mundo se ressente em relação aos yankees, por conta das guerras e da vaidade americana. Como disse Susan Sontag em entrevista na Folha de 24/08, `as pessoas falam em Guerra no Iraque, Eu prefiro falar na invasão, conquista e colonização.´ Daí a antipatia…

O engraçado é que, enquanto o mundo todo explodia de bombas, terror e mortes, Osama, vestido de pastor, passeava tranqüilo pelas montanhas longínquas do Afeganistão. Quanto à minha escuridão…, nada como uma noite de lua cheia, com direito a chopp na beira do mar, e claro, um dia seguinte, com um sol bem quente a brilhar.



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