Cultura

Safadão e Gusttavo Lima acumulam reclamações de salários precários, além de processos de funcionários

Processos envolvem até a criação de "caixa dois" para tentar burlar o pagamento de impostos


10/06/2022

(Foto: reprodução)

Brasil 247

O quanto sobra de grandes cachês para quem não está no centro do palco? A polêmica dos shows bancados por prefeituras mostrou que os contratos são altos para os cantores. Mas os líderes de verbas recebidas acumulam queixas e processos de seus músicos e técnicos. A reportagem é do portal G1.

Entre os shows de prefeituras investigadas pelo Ministério Público, os maiores cachês são de Gusttavo Lima – até R$ 1,2 milhão. Em segundo lugar aparece Wesley Safadão, contratado por R$ 600 mil.

A reportagem ouviu músicos e “roadies” (técnicos de palco). Veja os principais pontos e leia relatos a seguir:

  • Um músico que tocou com Wesley Safadão diz que recebia R$ 4 mil por mês. Na época, o cachê do cantor já chegava a R$ 600 mil por show, e eles faziam até 30 apresentações por mês.
  • Um ex-músico de Gusttavo diz ao g1 que ganhava R$ 600 reais por show, na época em que o cachê do cantor era de R$ 280 mil.
  • Dois roadies abriram processos alegando que Gusttavo Lima pagava salários com o que seus advogados chamaram de “caixa dois” – segundo eles, o cantor pagava um salário, mas declarava nos contracheques um valor menor, o que diminuiu o total de impostos e direitos trabalhistas que Gusttavo deveria pagar. Ele foi condenado a pagar a diferença aos roadies e ao Estado.
  • Um representante da Ordem dos Músicos do Brasil disse que recebeu, em 2018, denúncias de músicos de Gusttavo Lima que tiveram seus salários mensais reduzidos para R$ 8 mil, na época em que o cantor ganhava até R$ 300 mil por show e fazia até 30 apresentações por mês.
  • O g1 também falou com funcionários de outros artistas. Um músico de uma dupla veterana disse que recebe R$ 1,8 mil por show, e que estes sertanejos mais antigos pagam melhor do que os cantores mais jovens e em alta
    nas paradas.

 

Segundo a reportagem, os artistas Gusttavo Lima e Wesley Safadão foram procurados, mas não comentaram os casos.

‘Cachezão’ dividido em ‘cachezinhos’

Em geral, o contratante, seja de prefeitura ou particular, paga o cachê todo ao artista. Com esse valor, o artista paga por sua equipe, logística e equipamentos.

Os contratantes também costumam bancar transporte, hospedagem e parte da alimentação do artista e de sua equipe.

Existem artistas que pagam aos seus músicos e técnicos por show; outros acertam uma quantia mensal. Alguns assinam carteira de trabalho; outros não.

Todos os músicos e técnicos que falaram com a reportagem continuam no mercado de shows. Por isso, quem falou não quis se identificar. Outros músicos foram procurados e não quiseram conversar.

Menos do que ‘aquele 1%’…

O instrumentista que tocava com Safadão por R$ 4 mil mensais diz que, em geral, a banda tinha mais cinco pessoas, e trabalhava sem parar: “A gente fazia entre 28 e 30 shows por mês.”

Isso significa que o cantor do hit “Aquele 1%” conseguia pagar todo o salário mensal de um músico com menos de 1% do cachê de um show, que chegava a R$ 600 mil.

Com 4% de uma só apresentação (R$ 24 mil de R$ 600 mil), Wesley pagava a banda pelo mês inteiro.

O músico diz que hoje toca com outros artistas ganhando por show, não por mês. “Eu acho muito melhor e confesso que acho até mais justo um músico trabalhar com cachê. Se você produz, ganha por aquilo que você produziu”, ele afirma. Seu cachê atual é de R$ 500.

Ele diz que o pagamento baixo é uma reclamação geral no mercado de forró, mesmo com o crescimento de popularidade do estilo. Os forrozeiros competem com os sertanejos nas paradas, mas não nos cachês.

“Um sertanejo que não tenha muito nome já paga R$ 500, R$ 600 por show. Os maiores nomes, a ‘paga’ já é de R$ 1,2 mil pra lá. É de se estranhar a cultura do forró de querer pagar fixo pra tocar 30 shows”, ele reclama.

O ex-funcionário de Wesley diz que, com o crescimento do cachê do cantor (ele recebe até R$ 780 mil), acredita que o salário da equipe não seja o mesmo. “Fiquei sabendo que deu uma melhorada, mas não sei de quanto foi essa melhorada”, ele diz.

A reportagem procurou outros músicos e técnicos que tocam ou já tocaram com Wesley, inclusive um instrumentista e um assistente de turnês que abriram processos trabalhistas contra o cantor, mas nenhum deles quis falar.

Gusttavo condenado

Os dois roadies que processaram Gusttavo Lima começaram a trabalhar com ele em 2015. O primeiro saiu em 2017 e o segundo, em 2018. Ambos recebiam R$ 350 por show e faziam, em média, 17 eventos mensais, com pagamento médio de R$ 5,9 mil ao mês.

Em 2018, o cachê de Gusttavo Lima chegava a R$ 300 mil. Na época, ele tinha três roadies, relata um ex-funcionário. Isso significa que, com pouco mais de 2% do cachê de uma noite ele pagava o salário mensal de um roadie. Com 6%, ele bancava a equipe toda.

Gusttavo Lima acertava com eles a remuneração por show, mas o pagamento era feito mensalmente. Eles tinham a carteira de trabalho em dia e assinavam contracheques.

Mas uma das alegações dos dois processos é que os contracheques mostravam quantias menores do que os salários de R$ 5,9 mil que eles recebiam na realidade. Um contracheque de janeiro de 2018, por exemplo, tinha o total de R$ 2,5 mil.

“O valor constante nos contracheques não condizem com a realidade, ou seja, não guardam semelhança com o real valor percebido pelo reclamante (prática do caixa dois)”, dizem os advogados nos dois processos.

O problema é que os direitos trabalhistas e impostos pagos por Gusttavo Lima aos funcionários foram calculados com base neste salário menor.

Nos dois casos, a Justiça do Trabalho concordou com os advogados dos roadies e condenou o cantor em segunda instância a pagar esta diferença nos direitos aos trabalhadores e nos impostos ao Estado.

Em uma das ações, o cantor terminou de fazer o pagamento de R$137.971,01 em abril de 2022. No segundo caso, ele já foi condenado em duas instâncias, mas ainda tem recursos no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O total a ser pago caso o TST confirme a condenação não foi calculado.

A reportagem procurou a advogada trabalhista Ana Cláudia Arantes (que não está envolvida nestes dois processos) para entender a condenação. Ela afirma que esta prática de anotar um valor menor do que o foi realmente pago é uma fraude.

“Isso é uma forma de burlar a legislação trabalhista, pois assim se paga menos impostos (que são gerados sobre a folha de pagamento), diminui a base de cálculo do recolhimento de INSS do empregado e gera pagamento menor ao trabalhador de horas e reflexos, férias, 13º e FGTS”, ela explica.

“É um prejuízo para o trabalhador e para os cofres públicos”, diz a advogada.

A reportagem do g1 falou com um dos roadies, que disse que confirma tudo o que informou no processo, mas não quis comentar mais o caso. O outro roadie não respondeu às mensagens.



Os comentários a seguir são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.
// //