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Redes sociais ainda são vistas com ingenuidade, diz Dominique Wolton

De passagem no DF, especialista francês minimiza influência da internet sobre jogo político. Segundo ele, vício por internet representa falta de amor


26/08/2018



As redes sociais, consideradas o “quinto poder” por alguns estudiosos, têm um notório crítico declarado. Um dos grandes nomes atuais de especialistas em ciências da comunicação, o sociólogo francês Dominique Wolton relativiza a força e a influência que a internet dispõe no jogo político.

Ao lado do ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o pesquisador de 71 anos esteve em Brasília para falar sobre o perigo de compartilhar informações falsas durante um congresso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).

Em entrevista ao G1 durante o simpósio, “ingenuidade” foi o termo que Wolton mais usou para definir o que ele chama de “paixão cega pelas redes”.

Na conversa, ele abordou pontos como:

  • o conformismo na internet;
  • a influência política das redes;
  • a proteção de dados pessoais;
  • o papel da imprensa;
  • e conflitos de gerações.

Dominique Wolton (E) com o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, durante evento em Brasília (Foto: Luiz Felipe Barbiéri/G1)Dominique Wolton (E) com o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, durante evento em Brasília (Foto: Luiz Felipe Barbiéri/G1)

Dominique Wolton (E) com o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, durante evento em Brasília (Foto: Luiz Felipe Barbiéri/G1)

Veja a entrevista completa:

G1: O senhor diz que as redes sociais não têm tanta capacidade de agregar quanto a gente imagina. Por quê?

Wolton: Existe uma diferença entre comunidade e sociedade. Comunidade reúne todos aqueles que têm pontos em comum. Uma sociedade reúne os que têm pontos em comum, mas também todos aqueles que não têm. As redes sociais fazem comunidades: pessoas que querem ouvir apenas aquilo que gostam. São as solitudes interativas. Porém, o futuro da humanidade é uma sociedade. Não é uma comunidade.

Uma sociedade é feita pela comunicação humana, não pela comunicação técnica – que, reconheço, é mais eficiente. A comunicação humana nunca funciona, a gente perde muito tempo nela. Mas é ela que dá sentido à vida. Uma técnica nunca fez política ou jornalismo.

A principal ameaça para a comunicação humana, na verdade, está entre você e eu. Porque ela é, na origem, contraditória aos nossos valores. Ainda assim, figuras como o jornalista ou o político têm que dizer também aquilo que não se quer ouvir.

Existe hoje mais conformismo na internet do que existia há 50 anos no mundo. Uma opinião minoritária tem mais dificuldade de ser entendida.

“Quando se diz que a internet é um espaço de liberdade, não é verdade. É um espaço de conformismo.”

G1: No entanto, se atribui às redes sociais resultados como o Brexit, a vitória do presidente Barack Obama ou mesmo a Primavera Árabe. O senhor discorda?

Wolton: É ridículo e ingênuo achar que as redes têm todo esse poder. Não acho que têm tanta importância assim nas escolhas políticas. A gente acha lindo agora, mas vamos rir daqui a 30 anos da importância que demos ao assunto.

Por exemplo, quanto ao Brexit [a decisão de o Reino Unido sair da União Europeia], é inverificável que ele foi motivado pelas redes sociais. O que vejo foi que o outro lado, dos que eram pela permanência, não souberam fazer campanha direito antes que fosse tarde demais.

Não digo que as redes sociais não tiveram um papel, mas não é isso tudo o que creditam. Durante A Primavera Árabe, na época, nem havia tantas redes assim, era mais o telefone celular. Mas a questão principal era: “Por que isso explodiu agora, e não antes?”.

Até então, a gente sempre dizia que os árabes nunca teriam condição de fazer uma revolução democrática. Daí isso aconteceu, sem a gente saber como, e a gente veio com uma explicação miraculosa, que se encaixa tipicamente na ideologia ocidental: “Ah, por causa das redes”.

É uma preguiça intelectual dizer isso. Tem uma influência, assim como um monte de outras coisas – sendo que todos aqueles que querem ser modernistas dizem que é apenas graças às redes. Porém não existe link entre democracia e liberdade tecnológica.

Protesto na Praça Tahrir, no Cairo, que virou um dos símbolos da Primavera Árabe (Foto: AP )Protesto na Praça Tahrir, no Cairo, que virou um dos símbolos da Primavera Árabe (Foto: AP )

Protesto na Praça Tahrir, no Cairo, que virou um dos símbolos da Primavera Árabe (Foto: AP )

G1: Temos visto escândalos relacionados à forma como as empresas de tecnologia tratam e usam os dados dos clientes. Ainda assim, os números de usuários só tende a crescer. Há alguma explicação?

Wolton: Existe uma espécie de folia de confiança. As pessoas gostam de entregar seus dados. As pessoas aceitam isso ingenuamente. Agora que se sabe um pouco melhor como funcionam os algoritmos por trás das páginas, as pessoas são fascinadas pela técnica por trás delas, como se tivessem achado algum segredo. É até um pouco perverso. Mas acredito que, daqui a uns dois ou três anos, isso pode mudar.

Por ora, a gente ainda está numa fase de expansão das redes sociais. As pessoas gostam de contar as vidas. É revelador. Todo mundo se expressa, e ninguém se entende. Na minha opinião, não é narcisismo: é falta de amor.

Estudante acessa página inicial do Facebook (Foto: Thomas Hodel/Reuters)Estudante acessa página inicial do Facebook (Foto: Thomas Hodel/Reuters)

Estudante acessa página inicial do Facebook (Foto: Thomas Hodel/Reuters)

G1: As pessoas têm buscado mais as redes sociais para se informar, em vez de recorrer à imprensa profissional. Com isso, acabam acreditando em informações falsas e as disseminando. O que explica a desconfiança com a imprensa? É um fenômeno mundial?

Wolton: Sempre existiu um ímpeto populista contra o jornalismo. Por outro lado, a imprensa também errou. Jornalistas de base são até simpáticos, mas a elite jornalística tende a ser arrogante e gosta de dormir com o poder. É importante que a imprensa volte a informar, criticar.

O jornalista virou cada vez mais um seguidor de notinhas do que um investigador. A prova: nunca se teve tanta técnica, mas tão pouca diversidade nos jornais mundo afora. Todos dizem a mesma coisa.

Porém fica a dúvida: como uma pessoa consegue achar que aquilo que ela lê no jornal, ouve na rádio ou vê na televisão é falso, mas, quando alguém diz qualquer besteira em uma rede social, acha que é verdade? Por que o que está em uma tela é verdade? É de uma ingenuidade torturante. O homem não é melhor porque está nas redes sociais, diferentemente da ideologia que se tem hoje.

Meu trabalho como pesquisador é confrontar essa crença. Não temos direito de dizer isso. É uma indústria como as outras, com qualidades inegáveis e também defeitos. Mas, por favor, não deem essa importância toda quanto à revolução da informação.

G1: Qual é o caminho então?

Wolton: Se os jornais fazem a mesma coisa que a internet, as pessoas não vão sentir a diferença. Eu preferia que melhorassem o conteúdo, falassem mais de diversidade, em vez de fazer as mesmas coisas.

Falo bastante de imprensa escrita, mas vale também para os portais de notícia, que a gente já supõe terem responsabilidade jornalística. A verificação de informações [o chamado “fact checking”] também é um caminho para recuperar a credibilidade.

Sociólogo francês Dominique Wolto durante entrevista em Brasília (Foto: Gabriel Luiz/G1)Sociólogo francês Dominique Wolto durante entrevista em Brasília (Foto: Gabriel Luiz/G1)

Sociólogo francês Dominique Wolto durante entrevista em Brasília (Foto: Gabriel Luiz/G1)

G1: O senhor usa rede social?

Wolton: Só LinkedIn [plataforma de cunho profissional, onde todos podem ver o currículo do outro]. Também tenho Facebook, mas é administrado pela minha secretária. Não tenho tempo. Já meus filhos, usam sim. Até brigo com eles para não passarem a vida só nisso.

“A nova geração chama a gente de velho, de radical, desestabilizado. Não estou nem aí.”

E digo ainda: é importante que os mais velhos não joguem a demagogia do “juvenismo”. Não digo que a rede social é inútil. Um adulto de 40 anos pode, sim, paquerar nas redes sociais. Sou a favor disso. Mas o problema é que o mais interessante não é a paquera na rede, e sim quando as pessoas se veem pela primeira vez, quando sai do imaginário. E aí, por acaso, muitas vezes não funciona.

G1: Se o senhor pudesse deixar um conselho, qual seria?

Wolton: É lembrar que a comunicação técnica funciona muito bem e é bem bonita. Computador, redes, essas coisas. Já a comunicação humana não funciona nunca, mas o importante é manter esse tipo de comunicação.

A técnica é apenas um complemento, porém a questão central é continuar tendo relações no dia a dia – afetivas, profissionais, que seja. Não se enganem.

G1


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