Geral

Qual O Meu Primeiro Filme?


22/05/2012

 Para João Batista de Brito

Vai-se ao cinema a partir de uma ociosidade, de uma disponibilidade, de uma vacância...” (Roland Barthes)

Sugestionada pelo texto de João Batista Brito, “Primeiro Filme”, recentemente publicado no Jornal Contraponto (18-24 Maio), assim também como uma foto do Cine Plaza postada no Facebook, e comentários do poeta André Aguiar, fiquei a pensar no assunto e lembrar da minha vida no cinema

.Primeiro, não lembro da vida sem cinema. Desde pequena que fui ao Cine Rex ver Tarzan e me encantar com o grito daquele homem másculo e corajoso e de uma macaca engraçada. Adorava. Se para João, a primeira lembrança é de A Mulher Tigre , para mim veio primata Chita ! Depois, Ben Hur, também no Rex, com lancheira azul para aguentar as 3 horas de filme épico e Charlton Heston, meu primeiro amor cinematográfico. Naquela tarde esqueci de que havia vida real. Depois mergulhei nas lágrimas de Spartacus, e As Pontes do Rio Kwai. Kirk Douglas e William Holden, pois sim.

Quando o Cine municipal e Cine Plaza inauguraram, foi uma felicidade. Não saia mais daqueles dois lugares. Quinta? Cinema de arte; sexta um faroeste qualquer, mesmo que fosse com John Wayne canastrão, mas gostava da poeira, do mocinho e do bandido.Logo cedo, aprendi a ir sozinha, e até hoje é um exercício de prazer e delícia, mergulhar na solidão de um filme. No escurinho, descobri os paqueras, os namoros, os flertes, as amigas, a bagunça, os tarados, o sonho, a magia, e Martin Scorsese! E Coppola, com O Chefão, e todos da máfia que, até hoje me faz querer casar num quintal italiano com macarronada ao sugo! E de O Chefão, direto para Kubrick e Laranja Mecânica, que me fez tremer diante de um copo de leite, e mergulhar no mundo da violência urbana e de uma geração que também poderia ser a minha. Beethoven nunca mais soaria os mesmos acordes para minhas noites/notas contemplativas.

O cineasta Luis Buñel, no seu artigo “Cinema: instrumento de poesia”, cita Otávio Paz: “Basta a um homem aprisionado fechar os olhos para ser capaz de fazer explodir o mundo”. Buñel fala também que “o cinema é o melhor instrumento para exprimir o mundo dos sonhos, das emoções e do instinto; e que o cinema, de todos os meios da expressão humana, é o que mais se assemelha à mente humana em estado de sonho. Isso pelo fato de que a sala escura do cinema tem a equivalência do fechar os olhos e mergulhar na noite.”

E eu mergulhei em muitas noites! Ir ao cinema não era só para ver o filme. Era um ritual. Quando subia a ladeira ao lado do Municipal, os sinos literalmente dobravam e acenavam um acontecimento. A roupa mais charmosa, o cabelo saído da touca (imaginem meus cabelos naturalmente lisos…), carteira de estudante com idade falsificada para 18 anos, e toda uma expectativa de ver alguém, de não ver alguém, e me perder na sala escura e mágica e sedutora de que falou Roland Barthes, no sseu artigo “Ao Sair do Cinema”. Ainda com Barthes que dizia que antes mesmo de se entrar na sala do cinema, existem situações clássicas que reúnem vazio, ociosidade, desocupação, e que não é diante do filme e pelo filme que se sonha; é sem que o saibamos, antes mesmo de nos tornarmos seus espectadores. O que ele denomina de “situação de cinema” . E nas minhas situações cinematográficas…, as minhas companhias? , minhas amigas das Lourdinas, mas também a hoje médica dermatologista Maria Enedina, e a poetisa Regina Lira, amigas de vizinhança, que naquele tempo, sem telefone em casa nem celular, vivíamos a nos visitar para programar qual seria a última sessão de cinema.

Mas, até então muita água rolou. Ou filmes! Primeiro Alan Delon – Rocco e seus Irmãos! e Belmondo. Embora mais velhos e de outra geração, sonhava com os olhos verdes do primeiro e o bocão carnudão do segundo. Depois vieram tantos: Marlon Brando, Steve McQueen (Bullit, Love Story), Alan Bates (Mulheres Apaixonadas), Clint Eastwood (O feio, o mau…), Dirk Bogarde (A filha de Ryan), os cults e os outros….E lembro de A Noviça Rebelde no Plaza, que vi umas 6 vezes, só para cantar Dó, ré, mi, fa….e sonhar que estava na primavera dos vales Austríacos.

Candelabro Italiano – Troy Dohahue e Suzanne Pleshette, foi um sonho, e a cena de amor nas montanhas, com carícias de folhinha de mato no rosto de…. de arrepiar os cabelos….da minha meninice.

E o antes do cinema? Tinha o Canal Brasil, com as notícias, aquela trilha sonora que já indicava que estávamos diante de outro mundo que não real, e o futebol. Arrumávamos-nos nas cadeiras, tomávamos tento dos passantes, dos que nos cercavam, dos olhares, tudo conferido??? Então tá! As mãos geladas, e o suor frio começava! Talvez estivesse a ver os Beatles, Os Reis do Iê Iê Iê ou Help, e a algazarra podia começar. She Loves You!!!!!!!

Quando vi os filmes de Godard, Pasolini, Antonioni, claro que não entendia. Lembro de Blow Up, que saí tonta e desconexa…com aquela câmera ambulante… Mas isso pouco importava. Sentia-me avançada, moderna, sendo público daquela arte mal compreendida e que revolucionava o mundo. Ingman Bergman, Meu Deus! Ficava impactada, e talvez ouvisse os seus Gritos, já os sussurros….eram muitos para o Sétimo Sêlo da minha ainda ingênua recepção. Ladrão de Bicicleta vi alguns anos depois, e a minha consciência do mais forte e mais fraco, ali se instalaram.

As pornochanchadas brasileiras eu também via. Não gostava muito. Os cafajestes e aquelas mulheres objetos já me incomodavam, sabe-se lá por quê?… Mas ia escondido . Cinema Novo? Não me chegou a tempo. Mesmo assim, vi outros: O Padre e a Moça, Macunaíma, os filmes de Vladimir Carvalho, Walter Lima Junior e Menino de Engenho, Cacá Diegues, Sganzerla e os Bandidos, Jabor – Eu te Amo!, Tizuka, enfim, anos 70 em diante.

Depois/Antes veio Bertolucci com O Último Tango, aí eu entendi e gostei. Sexo, manteiga, solidão , vazio, já era minha praia de curiosidades da época, e, os cabelos naturalmente encaracolados de Maria Schneider, que eu queria os meus iguais… Spielberg e Encurralado, Tubarão, me deixaram neurótica no trânsito, no mar, e suspense addict. Até hoje ouço a música de Tubarão quando entro sozinha no oceano azul num dia de verão.

Fellini foi o meu amor incondicional. O primeiro foi Amarcord, e a trilha sonora de Nino Rota nunca mais saiu dos meu imaginário. Os anteriores não vi ainda, podem acreditar. Uma lacuna. E com Morte em Veneza, Visconti, entrei em contato com anseios , silêncios, e seduções proibidas. O Discreto Charme da Burguesia, Buñel, tudo era muito intelectual para meus discretos charmes e interesses da burguesa menina-moça ainda. Gostaria imensamente de viver cem anos, lúcida, e poder rever toda essa La Strada cinematográfica, já com olhos não tão nostálgicos assim.
Também de Bertolucci vi 1900 e Luna, esses já no Cine- Hotel Tambaú – parada obrigatória domingo à noite, onde com os peitos cheios de leite, e recém parida de Lucas, dei uma fugidinha para assistir à Lili Marlene, que até hoje assobio a canção para os soldados saudosos na segunda guerra. Ao retornar, Lucas berrava de fome, mas valeu a pena a transgressão!

Dos musicais lembro de West Side Story, que conheci como Amor Sublime Amor, e somente depois de anos vim a associar um com o outro. Imitação da Vida, foi o meu vale de lágrimas da tristeza da opressão da vida. E com os filmes com James Dean, Vidas Amargas e Juventude Transviada, fui capaz de me apaixonar pelo tipo rebelde e incompreendido….Marylin Monroe, e a blonde objeto de desejo, passei batida! O ícone loiro, só em postal e na imagem século XX adentro.

Foi também no Hotel Tambaú que vi todos os filmes de Greta Garbo, e entendi a musa do crítico de arte Hermano José. Lá também tive oportunidade tardiamente de re-ver os musicais da Broadway, Ginger Rogers, Fred Astaire, Cyd Charisse e Cantando na Chuva, Gene Kelly, Gershwin e Night and Day!!!

Adorava policial também. Crime. Serial killers. Juris, Investigações. Detetives. O Estrangulador de Rillington Place, inesquecível! Até hoje sou fissurada numa cena de crime, hoje relegada à série Criminal Minds, já que não vejo tanto no cinema. Em tempos de DVD, batia toda as araras da Ribalta. Loucura? Outro tema para Jack Nicholson nenhum botar defeito: O Iluminado e O Estranho no Ninho, inda hoje procuro o caminho do labirinto.

E Charles Chaplin? Outro capítulo! Vi todos! E a cada vagabundo e a cada mímica, uma risada. Para depois chorar lendo sua autobiografia. A florista, o ditador, o operário, o ouro, os parafusos, nada para esquecer.

Estais entendendo agora João, porque é que meu gosto é tão eclético? E uma crítica generosa e entusiasmada. Via tudo, gostava de tudo, grandes estórias, pequenas, contanto que a sala escura e a tela branca se misturassem nos meus sonhos. Até hoje é assim.Sempre tive muita tristeza quando o filme acabava. Era hora de ir embora, sair do escurinho, e quase sempre descer à Lagoa e subir a Av. do Liceu e pronto. Chegava em casa e tudo voltava ao normal. Ou Quase. Pois assim como A Rosa Púrpura do Cairo, o cinema me levava e ainda leva, para lugares nunca dantes imaginado. E o depois, nem as coisas nem a vida seriam as mesmas. E sempre saio do cinema “mole como um gato adormecido” e “afundada num festival de afetos a que se chama um filme”, para citar Barthes novamente.

Depois de tantas experiências orgásticas e sensoriais e intelectuais, tenho sim saudades dos cinemas e de tantas vivências maravilhosas com os filmes , estórias, plateia, magia, estrelas,etc e tal. Mas não reclamo. Ir ao cinema para mim, ainda é igualmente um programa instigante, de prazer e alimento, onde também curto a ida, o chegar, o filme, ser espectadora, comentadora e por vezes aprendiz de crítica e resenhista. Sem medo da Fada do Lar, de Virginia Woolf, e com a licença do próprio João, de Renato Felix, Paulo Melo, Barreto (in memoriam), Genilda Azeredo, e tantos outros críticos referendados, me meto a comentar filmes que me emocionam, e cheguei ao cúmulo de fazer uma tese de doutorado, sobre a mesma Virginia e o filme As Horas. Quem sabe, as minhas Horas! Dentro e fora do Cinema.

E eis aqui o meu passeio pelo cinema!

The end!

Ana Adelaide Peixoto – João Pessoa, 20 de maio , 2012



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