Educação

Professores derrubam mitos sobre Educação

Qualidade


06/10/2014

 Certa vez, ao chegar a uma escola, o geógrafo, professor e ativista social Jailson Souza e Silva ouviu de uma diretora: “Você vai entrar em um lugar que é um lixo humano”. O discurso, discriminatório, reflete uma percepção comum entre comunidade, professores e funcionários ligados à educação – a de que o fracasso de algumas instituições de ensino decorre da incompetência e do desinteresse dos estudantes.

Na avaliação de Silva, fundador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, é mito dizer que “o jovem não valoriza a educação”. Mas essa não é a única crença relacionada ao ensino. Para enriquecer o debate sobre a qualidade da educação, é necessário desconstruir outros discursos que se tornaram recorrentes quando se tenta responder a questões como: “A escola parou no tempo?”, “A educação é responsabilidade da escola?”, “Educação não dá voto?”. Veja o que pensam sobre esses temas Jailson Souza e Silva, a cientista Mayana Zatz, o especialista em educação Mozart Neves Ramos e a diretora de escola pública Eliane Ferreira.

Serviço
Os mitos e as verdades sobre a educação no Brasil foram debatidos no dia 18 de setembro, em São Paulo, durante seminário promovido pela Globo em parceria com o Unicef e a Fundação Roberto Marinho. Uma síntese do evento, mediado pela jornalista Miriam Leitão, será exibida no Fórum GloboNews, no dia 27 de setembro, às 21h05, no canal GloboNews.

 

>Mozart Neves Ramos – A Educação é responsabilidade da escola?

Todos os profissionais ouvidos concordam ser um equívoco atribuir a tarefa de educar apenas à escola. Segundo eles, os jovens têm ao redor diversos ambientes de aprendizagem, como a família, os meios de comunicação e a própria sociedade. Por isso, é fundamental que os pais se envolvam com a escola e vice-versa. “A mesma sociedade que forma na escola o cidadão é aquela para a qual a gente devolve o aluno e na qual ele vê o jeitinho, a corrupção, vê que a mãe apanha em casa e nada acontece. A educação precisa ser repensada por toda a sociedade, pois escola e sociedade se retroalimentam”, afirma Eliane Ferreira.

Para Jailson Souza e Silva, a formação do aluno deve ser vista de forma mais ampla pelas instituições de ensino, de modo a incluir tanto a construção do conhecimento quanto a formação ética. “Uma vez me disseram que o papel da escola não é educar, que a educação vem da família. Respondi que da família também vêm o preconceito, a intolerância religiosa e tantas outras coisas”, diz

>Eliane Ferreira – O jovem não valoriza a educação?
Para Jailson Souza e Silva, o crescimento da escolarização no Brasil mostra justamente o contrário. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam que 84,3% dos jovens de 15 a 17 anos frequentavam a escola em 2013, enquanto em 2003 o índice era 81,5%. Entre as crianças de 6 a 14 anos de idade, o índice de escolarização alcançou 98,4% no ano passado (quase 100%).

Embora o jovem queira estudar, o pesquisador Mozart Neves Ramos, conselheiro do instituto Todos pela Educação, ressalta a urgência de revisar o atual modelo de ensino. “É preciso entender qual é a educação que motiva o jovem. Não tem como desejarmos que ele queira ir para a sala de aula se lá o professor fica duas horas escrevendo na lousa, com os alunos copiando o conteúdo”, afirma. A ideia de que a escola precisa se reinventar também é defendida por Eliane Ferreira, mestre em Educação e diretora de escola pública no Rio de Janeiro. “O sujeito é o tempo todo estimulado a ser interativo e, quando chega à escola, fica só ouvindo o professor”, diz

>Mayana Zatz – A escola parou no tempo?
Na avaliação de Mozart Neves Ramos, temos uma escola do século 19, um professor do século 20 e um estudante do século 21. “Alguém do passado que ressuscitasse hoje encontraria como principal diferença na escola a cor da lousa”, afirma. Ele atribui parte da estagnação à formação dos professores nas instituições de ensino superior, ainda muito distantes da realidade das escolas. “O papel de empurrar as escolas para o século 21 não é feito pelas universidades, pelas pessoas que formam o professor”, critica.

A coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, Mayana Zatz, reforça a defasagem especificamente no ensino de disciplinas de ciências, como Química. “Em muitas escolas, os alunos não têm aulas práticas. Colocar uma fórmula na lousa é a melhor forma de desmotivar o aluno. O foco tem de ser estimular o estudante a ter curiosidade”, sugere.
Se a formação do professor ainda é falha, há uma visão generalizada e falsa de que escola pública é sinônimo de má qualidade. “É possível encontrar experiências bem-sucedidas na escola pública e escolas particulares atrasadas. Temos iniciativas muito interessantes acontecendo”, ressalta Eliane Ferreira

>Jaílson Souza e Silva – Educação não dá voto?
Se não dá votos, ela ao menos consegue tirar. Essa é a opinião de Mozart Neves Ramos, para quem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ajudou a colocar o tema no debate político. O Ideb foi criado em 2007 para medir a qualidade do aprendizado. As notas das escolas, dos municípios e dos estados são calculadas a partir de dois componentes: a taxa de aprovação dos alunos e as médias de desempenho dos estudantes em exames aplicados pelo governo federal. Com a criação de metas para a melhoria do ensino, pode-se dizer que os indicadores de educação são hoje tão aguardados quanto os indicadores econômicos.

Para Ramos, a preocupação com uma educação de qualidade mobiliza não só os gestores públicos como a sociedade em geral. Um indicativo dessa mobilização, lembra ele, é o resultado da pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que mostra a educação em terceiro lugar na lista de prioridades da população para 2014, atrás apenas da saúde e da segurança pública. No levantamento “Retratos da sociedade brasileira: problemas e prioridades do Brasil”, 28% dos entrevistados apontaram a área como prioridade



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