Economia & Negócios

Professor Wilson Menezes destaca a importância da escola austríaca na economia

“As teorias do capital e dos ciclos econômicos são as maiores contribuições da Escola Austríaca. Falemos aqui apenas dos ciclos. Esses são entendidos como sucessões de prosperidades e crises, que podem ser explicados pelos erros e acertos dos empreendedores, bem como pela ação da moeda através dos financiamentos da atividade econômica”


12/04/2018

O professor de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBa), Wilson Ferreira Menezes, em novo artigo nesta quinta-feira (12), destaca a importância da escola austríaca na economia. O artigo semanal é uma parceria do Departamento de Economia da UFPB com o Grupo WSCOM.

“As teorias do capital e dos ciclos econômicos são as maiores contribuições da Escola Austríaca. Falemos aqui apenas dos ciclos. Esses são entendidos como sucessões de prosperidades e crises, que podem ser explicados pelos erros e acertos dos empreendedores, bem como pela ação da moeda através dos financiamentos da atividade econômica”.

Leia na íntegra:

A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA AUSTRÍACA NA ECONOMIA

Wilson F. Menezes

Professor da Ufba

Desde os anos 1930, com o advento da revolução keynesiana, o estudo da economia enfrenta uma importante dicotomia metodológica, quando essa ciência passou a ser dividida em micro e macro. A macroeconomia, estudando o comportamento dos grandes agregados econômicos, aponta as principais tendências para a produção, emprego, renda, estabilidade dos preços etc. Enquanto a microeconomia continuou estudando os determinantes da demanda e da oferta, os tipos de mercado, bem como a formação de um equilíbrio econômico geral. No entanto, é mais razoável considerar que as abordagens econômicas sejam apresentadas por meio das escolas de pensamento, tal é a heterogeneidade de ideias quanto ao funcionamento da economia. Ao longo da história, muitas escolas apareceram e continuam a aparecer; algumas delas podem ser mencionadas: escola fisiocrática, clássica, marxista, neoclássica, keynesiana. Têm ainda as escolas da regulação, das convenções, institucionalistas, evolucionistas, dos custos de transação, dos novos clássicos, dos contratos, da escolha pública, dentre outras. Todo esse arsenal interpretativo naturalmente garante a presença de forte diversidade de ideias no campo da economia.

Não obstante, existe ainda uma corrente que defende a economia de mercado, ao tempo em que recusa a aplicação demasiada da matemática em seu estudo. Essa é a Escola Austríaca. Minoritária é verdade, no entanto, paradoxalmente, um dos mais conhecidos economistas de todo o século XX pertence a essa corrente: Friedrich August Hayek. Isso, por si mesmo, deveria originar uma grande fonte de interesse em relação a essa Escola. Ademais, tem-se que essa corrente, ao não perder de vista os processos dinâmicos subjacentes à ordem de mercado, apresenta uma visão bastante diferenciada quanto ao seu funcionamento. Além disso, tem-se a arrasadora crítica direcionada ao campo marxista de análise, quando apontou que o conceito de valor jamais encontra uma passagem logicamente aceitável para o campo dos preços. Como o sistema econômico funciona por meio desses últimos, o raciocínio via valor fica bloqueado. Por outro lado, a inexistência de um sistema de preços torna impossível toda e qualquer tentativa de planejamento global da economia, fato esse que inviabiliza de pronto as experiências de cunho socialista.

A origem dessa Escola se deu ainda no século XIX, quando três economistas desenvolveram de maneira independente o conceito de utilidade marginal para explicar o valor de um bem: William Stanley Jevons e Carl Menger em 1871 e Léon Walras em 1874. Jevons e Walras utilizaram esse conceito para matematizar a economia, formando a corrente denominada de neoclássica, que atua em duas linhas de raciocínio: o geral e o parcial. Carl Menger, no entanto, recusou o uso da matemática na análise econômica, não por desconhecimento desse instrumental, mas por compreender que há uma impossibilidade de mensuração do valor marginal de um bem, dado que cada indivíduo detém valorações subjetivas pessoais e intransferíveis. Nasceu aí a Escola Austríaca.

Para Menger, a explicação do valor pela utilidade marginal elucida, de maneira definitiva, o paradoxo do valor da água versus o valor do diamante. Por que a água custa menos que o diamante? A água satisfaz inúmeras necessidades humanas, tais como matar a sede, tomar banho, regar plantas etc. Se sua quantidade fosse apenas o suficiente para a primeira necessidade, fica evidente que ela teria um valor muito elevado. Mas, uma vez preenchida essa necessidade, ela passa a satisfazer outras tantas em ordem decrescente de valor subjetivo. O valor da água é finalmente deduzido por meio do seu último uso. Como a água é abundante na natureza o último uso adiciona pouca ou nenhuma utilidade a quem a consome, contrariamente ao uso do diamante face sua escassez.

Ludwig von Mises foi outro importante autor dessa Escola. Para ele, a praxeologia, enquanto ação humana de todo indivíduo que age, engloba a economia como ciência das trocas. Nesse contexto, a economia não deve tratar da equalização das quantidades em um processo de trocas, mas dos processos em si mesmos. Assim, é preciso estudar a coordenação das ações das pessoas que, agindo cada uma de maneira separada e independente, formam processos de ações coletivas. Nesse sentido, ainda que tenda a alguma forma de equilíbrio, ele nunca se faz, visto que a economia está sempre em movimento permanentemente acionado pela figura do empreendedor. A função empreendedora é realizada por qualquer pessoa que age, tendo em vistas modificar suas condições presentes para alcançar seus objetivos futuros. O empreendimento engloba o desejo de adquirir algum bem, a coleta de informações, uma estimativa da utilidade econômica a ser alcançada, a aquisição por meio da troca e seu consumo. Pelo lado da produção, esse mesmo mecanismo é acionado na forma de vontade de adquirir fatores de produção, escolha do processo de transformação, supervisão e execução de todo um plano de produção. Não é demais dizer que, o empreendedor é o motor da economia, que através de erros e acertos atua no processo econômico. Essa forma de ver o empreendedor é muito diferente do empresário schumpeteriano, em que a economia, se reproduzindo de maneira idêntica a cada ciclo, tem seu equilíbrio quebrado pelo processo de inovação. Para a Escola Austríaca, o empreendedor está presente, antes e depois de qualquer inovação. 

As teorias do capital e dos ciclos econômicos são as maiores contribuições da Escola Austríaca. Falemos aqui apenas dos ciclos. Esses são entendidos como sucessões de prosperidades e crises, que podem ser explicados pelos erros e acertos dos empreendedores, bem como pela ação da moeda através dos financiamentos da atividade econômica. David Hume e mesmo David Ricardo já se referiam a essa forma de entender os ciclos econômicos. Todavia, é com a Escola Austríaca, sobretudo através de von Mises, que se percebe os mecanismos que explicam como a criação excessiva de moeda pode causar crises econômicas, na medida em que seu excesso acaba por alongar de maneira artificial todo o processo econômico, acionando investimentos antes que a economia real emita os verdadeiros sinais para sua realização. Uma quantidade excessiva de dinheiro gera inicialmente um crescimento, mas logo em seguida condiciona um processo de depressão econômica. Isso acontece porque os sinais e informações ficam embaralhados, enganando os empreendedores em suas expectativas e decisões, de maneira que podem se equivocar e realizar mais e maus investimentos sem uma correspondência natural com a economia real. A esse processo deu-se o nome de recorrência dos erros coletivos de expectativas. Esse tipo de argumento proporcionou uma excelente explicação para as crises econômicas, ainda que não tenha sido possível precisar o momento em que elas explodem e arrastam o conjunto das atividades econômicas. Foi assim em 1929 e mesmo em crises mais recentes tal como a bolha imobiliária de 2008.

A Escola Austríaca não está isenta de variantes e debates internos. Afinal a contestabilidade é a condição primeira para o conhecimento científico. Assim é que se pode perceber uma diferença entre os métodos de análise de Mises e Hayek. Mas, o que se quer reter aqui é a expressão de um corpo analítico de base, através do qual se pode afirmar sobre a existência de uma unanimidade entre seus componentes. Isso acontece na forma de uma explicação única para a questão da coordenação das ações humanas, por meio de uma visão dinâmica das coisas e uma rejeição de nefastas manipulações monetárias, tal como vimos no Brasil recente dos PeTralhas, ao estimular o consumo e, na sequência, o endividamento das pessoas. Felizmente esse momento brasileiro está sendo jogado no lixo da história.



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