Economia

Professor Paulo Amilton analisa cortes em Universidades no Governo Bolsonaro e real problema nas IFES


02/05/2019

Foto: Reprodução

 O professor Paulo Amilton, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), analisa em artigo desta quinta-feira (2) a ação do ministro da Educação do Governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, de reduzir 30% do orçamento de universidades por conta de ‘balbúrdia’ nas instituições.

 Ele aponta que o real problema das Instituições de Ensino Superior Federais (IFES) não é a nudez combatida pelo ministro, mas o mau uso de recursos.

 O artigo semanal é resultado de uma parceria do Grupo WSCOM com o Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba.

Leia:

‘As Universidades Federais e o governo Bolsonaro

 

Por Paulo Amilton Maia Leite Filho

 

Meu artigo anterior, “Os mitos sobre a previdência brasileira – parte 1” sugeriria que o próximo artigo trataria sobre previdência, dado que coloco no texto a expressão “parte 1”. No entanto, meus oito leitores reclamaram muito de que sempre escrevo sobre aquele assunto e os mesmos estão cansados e não quero perder nenhum deles, já são tão poucos. Desta feita, resolvi mudar hoje. Escreverei sobre a má alocação dos recursos feita pelas Instituições de Ensino Superior Federais (IFES) no tocante a abertura de novos cursos. As IFES têm autonomia para abertura de novos cursos, não precisam pedir autorização para o Ministério da Educação (MEC).

Minha motivação surgiu de um artigo do jornal Estado de São Paulo de 30/04/2019 no qual o Ministro da Educação afirmava que se nas IFES houverem baderna, o MEC irá cortar verbas. Inclusive já ordenou o corte de 30% do orçamento de custeio de três universidades federais, a saber, Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal da Bahia (UFBa), que posteriormente foi expandido para todas as IFES. O ministro já tinha ido a ribalta na semana anterior com a declaração de que o MEC irá diminuir as verbas públicas para os cursos de ciências sociais, como filosofia, sociologia e afins. Evidentemente houve uma reação neste caso e haverá para o caso do corte de verbas para as IFES que forem pegas protestando com performances de alunos nus, já que o ministro emitiu a sentença de que toda nudez será castigada.  

O ministro é ligado ao núcleo ideológico do governo Bolsonaro. E este tomou para si a tarefa de fazer uma espécie de higienização ideológica das IFES. Na minha opinião, é uma tremenda perda de tempo e energia. O problema das IFES não está na ideologização dos seus debates. Pelo contrário, as IFES foram criadas para o debate mesmo e estes são ideológicos por natureza. Pior se fossem um cemitério de ideias.

O problema das IFES está ligado a ineficiência em relação aos gastos, dentre eles esta aqueles com a abertura de novos cursos. A maioria das IFES são instaladas em campus muito arborizados. Aí vários de seus membros acham que pelo fato das folhas serem verdes, elas são dinheiro. Digo isto porque a política de abertura de cursos de algumas IFES beira o desvario. Como se explica que a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) tenha 4 cursos de administração? Sendo dois deles no mesmo centro, o Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA).  Estão registrados no Conselho Federal de Administração na sua seção paraibana 4.000 empresas. Digamos que os cursos formem 400 administradores por ano, fora os cursos de administração das universidades privadas instaladas na Paraíba. Com esta produção de administradores da UFPB, em cinco anos cada empresa das 4.000 terá pelo menos dois administradores. E para onde vão o resto dos formandos nos anos vindouros?  Temos aí claramente um problema de superprodução.

Já a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) autorizou o funcionamento em Serra Talhada, alto sertão pernambucano, de um curso em engenharia de pesca. Vão ensinar alunos a pescar numa região que não tem água suficiente nem para tomar banho, quanto mais para criar peixes.  Já a UFPB autorizou a criação do curso de antropologia indígena em seu campus de Mamanguape que formou em sua primeira turma um aluno. Também autorizou a abertura de um curso de Hotelaria na mesma cidade sem que em volta tenha uma rede hoteleira que absorva os profissionais formados. Percebendo isto, este curso foi transferido para o campus de  João Pessoa.  Temos aí casos de subprodução.

Não existem só estes casos nessas duas IFES e os mesmos não são isolados nelas, é generalizado. Isto é, temos problemas de má utilização dos recursos públicos nas IFES quanto a questão de abertura de novos cursos. E aqui não estou nem tocando na questão das obras mal planejadas e paradas nas IFES. Evidentemente que alguns vão afirmar que se não forem nas IFES que certos cursos sejam oferecidos, não serão pelas universidades privadas. Concordo com esta afirmação. Mas deve-se ir devagar com o andor, pois ele é de barro. Ter dois cursos de administração em regiões do Estado, Mamaguape e Bananeiras, que não tem um universo de empresas que tenham capacidade de absorver a mão de obra formada é falta de planejamento. Ter dois cursos de antropologia numa mesma IFES é falta de planejamento. Como explicar tais fatos?

Vou recorrer aos economistas marxistas Mikhail Tugan-Baranovisk e Rosa Luxemburgo. Eles escreveram sobre o problema da realização da mais valia em Marx. Eles discutiram uma solução para os problemas da superprodução e do subconsumo.   Estes autores afirmavam que era impossível o desenvolvimento do capitalismo na Rússia porque não existiria consumo suficiente das classes trabalhadoras e dos capitalistas. Rosa Luxemburgo assegurava que não existia solução para este problema. Já Tugan-Baranovisk, com sua teoria das proporções, assegurava que se fossem mantidos os investimentos em abertura de novas empresas de capital não existiria problema de superprodução nem de subconsumo porque o consumo capitalista sempre iria garantir a demanda pelos produtos criados. Teríamos a criação de empresas de capital ad infinitum.

Onde isto se encaixa na minha análise sobre os problemas de ineficiência alocativa das IFES? Bem, quase todas as IFES tem cursos de pós-graduação. Estes produzem mestres e doutores. E depois de formados, onde estes vão ser empregados? Se não houver colocação destes profissionais, como se justifica a manutenção desses cursos de pós-graduação? Alguns poderiam dizer, na pesquisa. Mas é notório que a arrasadora maioria dos cursos de pós-graduação no Brasil formam professores. Então, para justificar a manutenção dos cursos de pós-graduação das IFES elas abrem cursos com o intuito de absorver os professores formados.  Adequando a análise de Tugan-Baranovisk, os cursos funcionariam como as empresas de capital que sempre absorveriam a oferta de novos professores.

Neste contexto, o curso de graduação em pesca tem justificativa, pois existe um curso de pós-graduação em pesca no campus de Recife da UFRPE que forma professores e estes têm que encontrar emprego, já que os tubarões da orla da praia de Boa Viagem resolveram dar uma trégua. Idem com os quatro cursos de administração da UFPB como também com o curso de antropologia. É necessário dar emprego aos professores formados sob pena dos cursos de pós-graduação sucumbirem.

Não se observa se na região que os cursos de graduação são abertos tem demanda para os profissionais formados.  Não se faz um estudo de mercado que identifique as necessidades das regiões. Não se preocupa em ter uma política de fixação de quadros, pois depois de formados, os formandos vão para cidades que tem empregos, quase sempre as regiões metropolitanas em torno das capitais dos estados, aumentando a concentração de pessoas e exigindo das prefeituras dessas cidades investimentos em mobilidade urbana, moradia, saúde e educação. Ou seja, as IFES em vez de serem soluções do problema do inchaço das capitais, causa o problema. O MEC deveria se preocupar com isto e não com a nudez dos outros.’



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