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Professor de Economia da UFPB fala sobre o processo de envelhecimento no Brasil

"No Brasil escolhemos passar o problema para as gerações seguintes. E que problema. O Brasil não só tem um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, como também deverá ter a maior alíquota previdenciária se nada for feito"


03/05/2018

O professor Felipe Araújo de Oliveira do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), fala sobre o processo de envelhecimento no Brasil, em novo texto publicado nessa quinta-feira (03). O artigo semanal é uma parceria do Departamento de Economia da UFPB com o Grupo WSCOM.

Segundo o especialista, no Brasil escolhemos passar o problema para as gerações seguintes. E que problema. O Brasil não só tem um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, como também deverá ter a maior alíquota previdenciária se nada for feito.

Confira a íntegra do artigo:

O Brasil pode ficar velho antes de enriquecer

Felipe Araújo de Oliveira

Economia ciência lúgubre. É como Thomas Carlyle reagiu à previsão de Thomas Malthus ao observar a progressão geométrica da população contra a evolução aritmética dos alimentos. Diferente dos tempos de Malthus, no Brasil atual essa relação perversa é vista entre demografia e crescimento econômico. Se o Brasil fosse representado por um único indivíduo, estaria em uma espécie de “crise da meia idade”. Termo cunhado por Elliot Jacques em 1965, na sua tese “Death and the mid-life crisis”. Segundo ele, nesse período da vida as pessoas se veem face a face com suas limitações, restrições e com a morte. Países não morrem, mas o risco é que envelheçamos antes de desenvolver o país.

Particularmente o processo de envelhecimento no Brasil foi mais acelerado do que em outras sociedades. A mesma transição demográfica que a França fez em 120 anos, o Brasil fará em apenas 21 anos (2011-31). Isso decorre de uma forte redução no nascimento e do aumento da longevidade dos brasileiros. Enquanto uma família na geração dos meus avós tinha em média 6 filhos, a geração dos meus pais teve em torno de 2 e a minha tem menos do que isso. Ademais, o Brasileiro vive mais, segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil estará entre um dos 3 países com maior número de centenários no planeta.

A locomotiva do envelhecimento endereça ao menos dois desafios: i) no médio prazo as contas públicas podem se tornar insustentáveis; e, ii) o Brasileiro deverá tornar-se mais produtivo para crescer. O Nobel Milton Friedman admitiu informalmente que “Crises fiscais causam revoluções sociais”. Sem orçamento equilibrado e prioridades bem estabelecidas, cedo ou tarde as consequências econômicas são sentidas. Será inevitável que o próximo governo encare o problema fiscal e previdenciário com seriedade. Não encarar o problema gerou um colapso social na Venezuela e na Grécia. 

Os Venezuelanos decidiram pagar a dívida imprimindo moeda, que resultou em inflação. Para combater a inflação, controlaram preços, o que fez com que a inflação se tornasse hiperinflação. O resultado é de uma destruição imensa de riqueza, deterioração dos serviços públicos, maiores taxas de inflação, e de criminalidade do planeta. A tragédia grega tem muito a ensinar ao Brasil, pois está intimamente ligada a um desenho previdenciário insustentável. É caro, gera desigualdade e se mostrou ineficiente ao não servir de colchão social após a crise. A previdência social grega representava em 2010 mais de 12% do PIB, com projeção para 2060 de mais de 24% do PIB. Não só isso, as aposentadorias privilegiavam alguns grupos da sociedade, principalmente funcionários públicos em aposentadorias precoces e taxa de reposição que chegava a 120% do último salário – lembra a algum país?

O professor na Universidade de Pireu – Grécia, Platon Tinios estudou a previdência grega em “Vacillations around a pension reform trajectory: time for a change? “. O desenho do sistema grego nunca foi um exemplo para nenhum país. Como ele mostra, enquanto os outros países europeus fizeram profundas discussões sobre os seus sistemas na década de 1960 e de 1990, quando a população europeia envelhecia rapidamente. Os gregos adiaram o encontro com a realidade, mantendo um sistema que já seria difícil de sustentar para a Grécia de 1950.

O resultado da tragédia grega não poderia ser mais ilustrativo. A renda média da população caiu mais de 24% de 2009 até 2013; sendo mais de 50% entre os mais pobres. No Brasil há uma lei pétrea que garante direitos adquiridos, ou seja, os já aposentados não podem ter suas aposentadorias alteradas. Pois é, na Grécia as pensões já concedidas foram reduzidas em 33%. O caso grego ensina que não discutir o problema previdenciário pode sair caro demais.

No Brasil escolhemos passar o problema para as gerações seguintes. E que problema. O Brasil não só tem um dos sistemas tributários mais complexos do mundo, como também deverá ter a maior alíquota previdenciária se nada for feito. Segundo relatório do Tesouro Nacional, se somarmos a dívida previdenciária acumulada dos aposentados até 2060, a valor de hoje, chegaremos em 145% do PIB. Isso equivale a R$ 9,3 trilhões. Se considerarmos que a conta será paga pelos que tem menos de 25 anos hoje (87 milhões de indivíduos), eles estarão herdando automaticamente uma dívida de R$110.274,79 só de previdência. Com um salário de R$3.000 ao mês, isso equivale a 3 anos apenas pagando dívida previdenciária da geração passada. 

Em 2007, o hoje secretário da previdência social, Marcelo Caetano se referiu no artigo “Comparativo Internacional para a Previdência Social” ao Brasil em termos previdenciários como “uma exótica trindade, por ser, ao mesmo tempo, jovem como um país pobre, gastar como um país rico, e tributar com um país socialista”. A Emenda Complementar 287/2016, que em dois anos de discussão perdeu força, seria a primeira das reformas ao sistema. Uma reforma minimamente efetiva deveria eliminar as aposentadorias por tempo de contribuição e adequar o Brasil aos padrões internacionais. Apesar de surgirem propostas, como a do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, de alteração do sistema de solidariedade entre as gerações para um hibrido onde cada um contribui parcialmente para sua aposentadoria. Dependendo do desenho, no curto prazo se mostra inviável devido ao elevado custo fiscal dessa transição. Mas é inegável que se nada for feito, o colapso das contas públicas e suas consequências sociais estarão próximas.  

Na copa do mundo de 2030 o Brasil estará perdendo o chamado “Bônus Demográfico”. Isto é, o período onde a população ativa e em condições de trabalho é maior do que o número de idosos ou crianças. Em geral, os países usam esses momentos de vigor de sua massa salarial para crescer e educar. Nós desperdiçamos boa parte desse período com ideias fracassadas, negligenciando a educação e distribuindo benesses, principalmente às camadas mais ricas da população.

Foi do presidente do Insper, Marcos Lisboa, que ouvi pela primeira vez que o encontro entre Douglas North e Celso Furtado na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) 20 de junho de 1961 em Recife, é prova da nossa persistência em escolhas erradas [6]. Enquanto Celso Furtado defendia a construção de indústria para promover o desenvolvimento do Nordeste. North, líder da escola institucionalista, em sua visita ao Brasil evidenciou que essa estratégia não poderia dar certo. Para a indústria funcionar, é necessário: i) mercado amplo e capaz de absorver a produção; ii) mão de obra qualificada; e, iii) matéria prima adequada.

A melhor estratégia para ele seria educar adequadamente a população, identificar a aptidão do Nordeste, e integrar a economia ao comércio internacional. Furtado se negou a seguir as sugestões de North. Pois é, 60 anos depois, o Nordeste continua pobre; e, Douglas North, por suas contribuições para crescimento econômico e instituições, ganhou o prêmio Nobel em Economia em 1993. O economista Eduardo Gianetti vem repetindo e Gustavo Franco colocou em contexto em “As leis secretas da economia” o que Mario Henrique Simonsen denominou de “o princípio da contraindução”: que é a nossa capacidade de adotar políticas que deram errado, até que deem certo. Pois é, o Brasil escolheu o caminho errado mais uma vez. Em 1980 a renda por pessoa no Brasil era 25% da americana, hoje, ainda temos um quarto da riqueza americana. Nos últimos 10 anos o BNDES emprestou cerca de R$ 450 bilhões e concedeu cerca de R$ 400 bilhões de subsídios, em sua grande maioria implícitos.

O modelo estatizante e fechado foi tentado novamente. O investimento não veio, o crescimento não veio, o peso morto para a sociedade foi imenso e as contas públicas se deterioraram. Não deu certo. O problema no Brasil não é que investimos nos setores errados, e sim que na média, nossa produtividade é baixa na maioria dos setores. A literatura mostra que nesse cenário, não só o investimento em educação é importante, como também reformas institucionais que promovam agilidade nos processos judiciais, inovação e competitividade. 

Em suas ações coletivas, as corporações e grupos organizados se lançam frequentemente a campanhas de desinformação e de desonestidade intelectual escondendo a realidade: estado brasileiro é uma máquina de ineficiência e desigualdade. Gasta mal, tributa mal e não fornece incentivos adequados para o desenvolvimento. A reforma da previdência não só é necessária para ajudar no equacionamento do problema fiscal, como para resolver desigualdades e ajudar o país a entrar em uma trajetória sustentada de crescimento.

Tomo emprestado aqui a provocação do Marcos Lisboa. Devemos aderir a uma agenda republicana. Negligenciar o papel da educação no desenvolvimento saiu caro, não realizar reformas estruturantes saiu caro, a irresponsabilidade fiscal saiu caro. A escolha é dura, mas não encarar o problema fiscal e previdenciário adequadamente nos leva a uma previsão lúgubre: o risco do Brasil se tornar velho e pobre.


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