Economia & Negócios
Professor da UFPB fala sobre formação socioeconômica do Brasil
ANÁLISE
04/01/2017
No artigo semanal do Departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no Portal WSCOM, o professor José Luis Netto fala sobre a formação socioeconômica do Brasil.
Segundo Luis Netto, "é necessário enfatizar que a natureza da desigualdade existente no Brasil está ancorada à sua formação como país".
Confira o texto na íntegra
Desigualdade de Rendimentos, Mobilidade Intergeracional e Formação Socioeconômica do Brasil
É fato consagrado que o Brasil detém os maiores indicadores de concentração de renda entre os países em desenvolvimento. Esta elevada desigualdade pode ser decomposta nos mais variados níveis. No âmbito regional, por exemplo, o Nordeste se destaca como a região mais pobre e mais desigual do país se comparado com as regiões Sul e Sudeste. Em termos de distribuição pessoal de rendimentos, considerando a raça, se observa uma elevada assimetria entre indivíduos que se declaram brancos, pardos e negros, em grande parte explicada por diferenças de escolaridade.
Neste debate, os aspectos consensuais são vários, todos com larga fundamentação na literatura empírica que trata do tema. No entanto, é necessário enfatizar que a natureza da desigualdade existente no Brasil está ancorada à sua formação como país. Em outras palavras, os aspectos básicos da desigualdade de renda, seja ela em nível familiar ou pessoal e entre regiões geográficas, foi delineada há muito tempo e ainda persiste.
A ausência da dimensão temporal na análise do tema limita a real compreensão da extensão das ações de política pública que parecem não ter um claro diagnóstico do problema. O entendimento dos diferenciais de renda inter-regionais não pode estar dissociado de uma análise que leve em conta a formação étnica e econômica do Brasil. A análise considerando um mero quadro estático ou conjuntural mascara a importância de fatos ocorridos há séculos que são ainda determinantes no quadro socioeconômico atual. O entendimento das razões pela quais o Nordeste pode ser considerada a região com o maior número de pobres não se exaure com uma análise de curto prazo, embora possa ser caracterizada com informações existentes nas mais variadas base de dados disponíveis.
No âmbito da distribuição familiar de renda, a ausência de dados longitudinais, ou seja, que forneçam informações socioeconômicas das famílias ao longo de um determinado período de tempo, limita bastante a extensão dos estudos da área desenvolvidos no Brasil. Apesar desta restrição, algumas conclusões podem ser tomadas no âmbito da persistência de atributos do país em relação às características socioeconômica dos filhos. A mobilidade intergeracional educacional, exemplificando, é mais baixa em áreas rurais, sobretudo localizadas na região Nordeste. Em outras palavras, os filhos de analfabetos, ou com baixa instrução, tendem a ter uma maior probabilidade de serem como seus pais, em termos educacionais e de renda, residindo em áreas rurais de regiões com baixo dinamismo econômico e com escassa oferta de serviços públicos.
Entretanto, o quadro de baixa mobilidade não é recente, ao contrário, é resultado de séculos de desigualdade que pode ser sintetizado em um outro conceito importante, o da armadilha de pobreza. Formalmente, a armadilha da pobreza é uma condição que se auto perpetua num ciclo vicioso de forma que a pobreza se torna persistente. Neste sentido, salvo medidas exógenas, esse status socioeconômico das famílias mais pobres tende a não se alterar ao longo do tempo.
Neste sentido, as famílias consideradas pobres hoje, invariavelmente, estão conectadas intergeracionalmente com antepassados, por vezes, escravos libertos, desprovidos de capital humano e dotação inicial de recursos. No outro extremo, o europeu branco, detentor dos recursos, da tecnologia e o poder bélico impôs aos negros escravos e aos indígenas, o padrão de distribuição de riquezas. Portanto, a exclusão do processo de acumulação de renda e de capital humano resultou em parcela significativa da desigualdade de renda existente hoje, mas, é importante ressaltar que, a desigualdade existente não se resume apenas a ausência de oportunidades iguais determinadas historicamente.
Sob uma outra uma perspectiva, pode-se afirmar que às condições socioeconômicas que afligem as famílias pobres e que as prendem em determinado nível de renda, geração após geração, estão intrinsecamente associadas à ausência de igualdade de oportunidades. O acesso a serviços de educação de qualidade, alimentação adequada, saúde, estrutura familiar favorável, dotação inicial entre outros fatores, são determinantes na trajetória de vida e profissional. A carência, ou até inexistência, de serviços básicos condenam gerações a viverem como seus pais e este processo se retroalimenta ao longo do tempo.
Contudo, é fato consensual que a qualidade de vida da população vem melhorando progressivamente ao longo do tempo, se for considerado alguns indicadores básicos tais como: expectativa de vida, taxa de analfabetismo, entre outros. Contudo, o espaço que separa os menos abastados dos que têm mais recursos ainda é significativo. Neste sentido, as políticas públicas, teriam uma melhor eficácia sendo elaboradas dentro da perspectiva intertemporal, onde buscar-se-ia resultados de longo prazo dentro de uma abordagem intergeracional onde o foco seriam as crianças.
Em suma, a desigualdade de renda, diretamente associada a desigualdade de oportunidades é secular e ainda persiste. A assimetria ao acesso ao ensino de qualidade, entre outros serviços básicos, essenciais em qualquer política que objetive diminuir a concentração de renda, é ainda presente, e ao que parece vai persistir por um bom tempo. Enquanto isso, a desigualdade de renda, face de todo este processo cujo componente básico foi determinado há anos, se propaga intergeracionalmente de forma não estática, condenando não apenas pessoas isoladamente, mas gerações inteiras a viverem a margem do desenvolvimento econômico.
José Luis S. Netto Jr.
Professor do Departamento de Economia da UFPB
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