Economia & Negócios

Professor da UFPB fala sobre a JBS e as más condutas no mercado de capitais

DEPT. DE ECONOMIA


19/10/2017



O professor de economia da Universidade Federal da Bahia (UFPB), Felipe Pontes, explana em novo texto, sobre a JBS e as más condutas no mercado de capitais. O artigo semanal é uma parceria do Departamento de Economia da UFPB com o Grupo WSCOM.

Segundo o especialista, "apesar da forte regulamentação/fiscalização, ainda existem pontuais, sérios problemas, que fazem as pessoas voltarem a pensar como antes da década de 1970".

Confira o artigo na íntegra:

Insider trading na JBS? Falhas regulatórias aumentam o efeito prejudicial das más condutas no mercado de capitais

Diferente do que alguns podem pensar, o mercado de capitais não é um local quase-imaginário em que os especuladores se encontram para apostar sem a menor segurança. Isso pode ocorrer, de fato, mas o mercado de capitais é altamente regulamentado e seguro, de modo a possibilitar que as empresas que necessitam de dinheiro possam interagir com pessoas e outras empresas que têm dinheiro disponível e estão dispostas a financiar as empresas, sem assumir riscos desnecessários.

Todos os países desenvolvidos possuem um mercado de capitais também desenvolvido, visto que neste mercado é onde se pode obter recursos para investimentos de longo prazo que geram empregos e riqueza para a nação. O futuro desenvolvimento do Brasil também passa por isso e essa é a hora de as pessoas que têm recursos entrarem neste mercado, visto que os investimentos em renda fixa e poupança passam longe de serem atrativos, com as taxas de juros baixando (mas isso é assunto para um outro texto).

Contudo, apesar da forte regulamentação/fiscalização, ainda existem pontuais, sérios problemas, que fazem as pessoas voltarem a pensar como antes da década de 1970 (Leis 6.385/76 e 6.404/76), quando o mercado de capitais brasileiro não parecia ser uma forma muito séria de possibilitar a interação entre quem necessitava de dinheiro e quem precisava investir o dinheiro.

Recentemente, como um exemplo desses problemas que ainda temos em nosso mercado de capitais, a JBS, por meio de seus controladores, protagonizou um dos casos mais polêmicos do mercado de ações brasileiro nos últimos anos e é sobre esse caso que quero mais uma vez falar, sem fazer acusação a ninguém.

Assim, o objetivo deste texto é analisar se houve ou não alguma evidência de negociação anormal no caso da delação dos controladores da empresa e apontar uma possível redução dos efeitos desse problema na imagem do nosso mercado.

Todavia, falarei primeiramente sobre um problema de regulação do insider trading que questiono no Brasil desde 2011, quando comecei a pesquisar sobre o tema: a Instrução CVM 358/2002 (ICVM 358).

Traduzindo, a expressão “insider trading” quer dizer “negociação de pessoas de dentro da empresa”. Essas negociações não são, necessariamente, ilegais. É possível que um “insider” (alguém de dentro da empresa) negocie com as ações da empresa, a exemplo dos controladores da JBS, os irmãos Batista, sem isso ser crime. Contudo, é preciso cumprir alguns requisitos que constam na ICVM 358.

Além de cumprir os requisitos com relação ao uso ou não de informação relevante e a sua divulgação de forma homogênea para todos os participantes do mercado, alguns insiders precisam divulgar a informação para o mercado, sobre quanto e quando compraram/venderam ações da empresa. Aí é que está o problema básico de regulação: as empresas têm até o dia 10 do mês subsequente ao da operação para divulgar a posição consolidada dos seus insiders, com relação as ações da empresa. 

Imaginem o caso de um insider que compra ou vende a ação da empresa no 1º dia do mês. O mercado só saberá da transação no dia 10 do mês seguinte, 40 dias após o evento ter acontecido.

Sendo assim, as empresas costumam usar efetivamente o prazo de até o dia 10 do mês subsequente – alguns até atrasam. O problema disso é que não conseguimos usar o “lado bom do insider trading” ao nosso favor: 40 dias depois a informação é praticamente inútil para a gestão de risco dos investidores.

No artigo “O Lado B do Insider Trading: relevância, tempestividade e a influência do cargo” (2015-RBGN), eu e os Professores Orleans Martins e Edilson Paulo criticamos a falha da nossa norma e evidenciamos o seu efeito lesivo por meio de um experimento. Mas apesar de todas as críticas e constantes sugestões de alteração, até hoje, desde 2002, continuamos sem evoluir nesse sentido.

No caso da JBS, por exemplo, provavelmente se os investidores tivessem tido acesso tempestivo à informação de que os controladores venderam um volume muito alto de ações, equivalente a 20% do volume negociado em dois dias sem nenhum fato relevante divulgado, possivelmente os efeitos sentidos seriam muito menos nefastos.

Em três postagens no meu blog (Contabilidade & Métodos Quantitativos) eu comentei sobre esse assunto: as evidências de insider trading e os efeitos maléficos para o nosso mercado de capitais.

Na penúltima das postagens eu usei dados de alta frequência (negociações de ações minuto a minuto) e um modelo de microestrutura de mercado para estimar a probabilidade de negociações com informações privilegiadas com a ação da JBS (JBSS3). Na postagem eu evidenciei que houve um aumento nesta probabilidade nos dias anteriores ao vazamento da delação dos irmãos Batista, indicando que, possivelmente, alguém munido de informações privilegiadas operou com a ação da empresa.

Na última postagem, no dia 18/10, 5 meses após o mercado saber do conteúdo da delação, eu analisei o volume financeiro negociado com a ação JBSS3 e, por meio de alguns testes estatísticos, evidenciei, mais uma vez, corroborando os resultados dos trabalhos anteriores que algo muito estranho aconteceu com as ações da empresa.

Por exemplo, nos dois dias anteriores ao pregão em que o mercado reagiu ao conteúdo da delação, fazendo com que a nossa bolsa efetivamente “derretesse”, houve um volume financeiro anormal com as ações. Esse volume foi semelhante ao do dia da deflagração da operação Carne Fraca. A diferença, nesta situação, é que não houve notícia nenhuma divulgada que originasse tal movimento – no mesmo período o Ibovespa se comportou normalmente e só reagiu efetivamente no dia 18/05/2017, dois dias depois da reação sentida pela JBSS3.

As evidências, dessa forma, apontam para o uso indevido de informações no mercado de capitais. Quem foi? Não sabemos ainda. Agora resta à CVM, mesmo com contingente reduzido e há vários anos sem concurso, em conjunto com B3 (nome da nossa antiga Bovespa) e corretoras de valores verificar de onde partiram tais negociações e a justiça julgar os possíveis envolvidos.

A nós resta torcer para que eventos como esse não voltem a se repetir em nosso mercado. 

– Felipe Pontes é Doutor em Contabilidade pela UnB/UFPB/UFRN e Professor de Avaliação de Empresas no Departamento de Finanças e Contabilidade da UFPB. Mais textos seus poderão ser encontrados no www.contabilidademq.blogspot.com e no Twitter (@felfelipepontes).



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