Saúde

Problema da carne de cavalo é cultural

Cultura


27/02/2013



 Nas últimas semanas as organizações europeias de consumidores andam bastante alteradas após a detecção de carne de cavalo em uma série de produtos elaborados com carne moída, de hambúrgueres a raviólis e lasanhas. O escândalo midiático foi grande: carne de cavalo no meu hambúrguer! Mas a coisa não passa daí, pois o consumo de carne de equinos não tem o menor risco para a saúde, a não ser que a carne esteja em más condições, e neste caso, dá no mesmo se a carne for de cavalo, vaca ou qualquer outro animal comestível.

Fala-se que o escândalo foi criado devido à rastreabilidade (na verdade a falta dela) do produto. Mas tem mais. E esse algo mais é que, para o ocidental, comer carne de cavalo nunca foi algo muito agradável. Se comeu no passado, claro, e ainda se come hoje em dia; mas para a maioria das pessoas a ideia não parece boa. O cavalo foi provavelmente a principal fonte de carne para os nossos ancestrais mais distantes, conforme mostram os sítios arqueológicos com os restos desses animais e a sua presença abundante nas pinturas rupestres (são mais cavalos que bisões); mas não demorou a ser considerado pelo homem como muito mais que uma mera fonte de proteínas, apesar de, aparentemente, ter sido o último dos grandes herbívoros a ser domesticado.

Mais tarde, passamos a pôr nomes em cada um deles e já sabemos que se vamos comer um animal é melhor não lhe dar um nome. Eles foram nossos companheiros na batalha, nossos ajudantes na agricultura, nossos animais de tração, nossos meios de transporte, protagonistas em espetáculos como as corridas. Quando não tivemos mais opções, foram nosso alimento em casos extremos, nas grandes crises de fome. Em Paris, durante a Comuna de 1871, foram comidos de 60 a 70 mil cavalos, além de todos os animais do zoológico. Alguns banquetes à base de carne de cavalo foram organizados na cidade; Dumas assistiu a um deles e, pelo que conta, não se entusiasmou muito. Vamos voltar mais no tempo. Os romanos não comiam cavalo (por outro lado, consideravam os burros um manjar). Os bárbaros, em especial os hunos, sim.

Os asiáticos, como os mongóis, ainda mais. De modo que para uma Roma incipientemente cristã, a hipofagia era coisa dos bárbaros, selvagens. Estes, provavelmente, tinham as melhores cavalarias do mundo, até que a cavalaria ligeira do general árabe e governador de Al-Andaluz, Al Gafiqi, caiu na batalha de Poitiers ao enfrentar a cavalaria pesada de Carlos Martel. E, por acaso ou não, nesse mesmo ano o papa Gregório III publicou uma bula proibindo o consumo de carne de cavalo, por considerá-lo próprio dos pagãos e idólatras. Como podemos ver, há um montão de razões psicológicas que justificam a aversão do homem ocidental pela carne de cavalo. E, por outro lado, como afirma o antropólogo Marvin Harris – referência obrigatória quando falamos em comer ou não um determinado animal – a carne de cavalo seria a menos rentável, na relação custos/rendimento.

Outra coisa é dizer que faz mal à saúde, o que não é verdade. Para finalizar, leiam com cuidado os rótulos com os ingredientes dos alimentos processados; e digo isso somente por dizer, pois ao ler os rótulos não vão saber de nada, já que são siglas e abreviaturas. E, na dúvida, comprem a carne que vão a usar em seus hambúrgueres, lasanhas e demais. Acreditem, é a melhor maneira de termos certeza do que estamos comendo.



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